
Nascidos entre 1995 e 2010 têm o pior índice de bem-estar emocional. Foto: Arquivo/Agência Brasil
Especialistas em comportamento buscam respostas para um fenômeno que atinge um número crescente de jovens em todo o mundo, independentemente de classe social ou de outros fatores socioeconômicos: por que as novas gerações – especialmente os nascidos após 1995 — sofrem de problemas emocionais em níveis nunca antes registrados?
Pesquisa realizada em 2022 pela consultoria internacional McKinsey com jovens estadunidenses da chamada Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) mostrou que os níveis de bem-estar emocional e social são os piores dentre todas as gerações.
Outras pesquisas confirmam que as mesmas aflições atingem também os chamados millenials (geração do milênio, dos nascidos entre 1982 e 1994, primeira geração nativa digital) e a Geração Y (nascidos após a primeira década do século 21), além da Geração Z (ou pós-millenials). É preciso ressaltar que essas datas não são precisas e variam de estudo para estudo.
Conforme os estudos, o nível de insatisfação dessas gerações é imenso e não pode ser atribuído apenas a um fator, como a pandemia de covid-19 – até porque o mal-estar emocional e o desajustamento social vêm sendo detectados em índices alarmantes, bem antes disso. São pessoas imersas na cibercultura, que vivenciam as crises climáticas, as mudanças do cenário financeiro, guerras e instabilidades sociais de todos os tipos.
Fatores como divórcio dos pais, aumento do uso das drogas ilícitas e violência doméstica também podem impactar a infância e a adolescência, fases fundamentais para o desenvolvimento humano.
Para a psicóloga Sandra Regina Lustosa Tambara, a presença das tecnologias na vida das pessoas merece estudos e acompanhamento para detectar se isso as torna mais felizes, por exemplo. “Há muitas notícias boas, principalmente na Medicina, que avançou numa velocidade maravilhosa, em diagnósticos, tratamentos etc. Mas, nas questões emocionais, nós ainda estamos engatinhando nesse progresso”, ressalta.
Isso vale especialmente para os nascidos entre 1996 e 2010, geração que nasceu e que vive num mundo completamente digital. “Nós, profissionais de Psicologia, buscamos compreender o que essa mudança nos trouxe de benefícios e de desafios para a saúde integral, seja física, mental, emocional e espiritualmente. Lembrando que falamos de maneira generalizada. Um jovem de um país pobre não teve, não foi exposto às mesmas condições, então terá uma outra qualidade de vida”, reforça.
A verdade destacada pela profissional é que todos esses eventos afetam os comportamentos, a saúde mental e as expectativas sobre a vida. “Na Psicologia Positiva, falamos de uma vida significativa e na Logoterapia, uma vida com sentido”, questões que são buscadas pelo ser humano, em todas as épocas de sua existência.
Outro fator é o declínio da cultura, e isso faz muito diferença para um povo. Movimentos culturais, museus, incentivo à expressão artística podem ajudar de várias maneiras. Ensinar os jovens e adultos sobre o poder da criatividade e do respeito às nossas histórias, resgatando o que há de mais significativo entre nós, pode ser uma saída.
Sintomas do mal-estar social
Ao considerar a vida num mundo cibernético, é preciso destacar que a linguagem de comunicação mudou, tornou-se tecnológica na maior parte do tempo, seja para encurtar distâncias ou ganhar tempo, tão raro hoje em dia. “Todo esse movimento tem um impacto imenso nos nossos relacionamentos, seja o intrapessoal e interpessoal, além das comunicações virtuais”, explica a psicóloga.
E é justamente na qualidade dos relacionamentos que os principais sintomas são sentidos. Sandra cita como exemplo um estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, que durou mais de 70 anos, e que comprova a importância dos relacionamentos verdadeiros no bem-estar das pessoas.
“Quando você tem relações instáveis e medidas por seguidores, likes, competições, linguagem empobrecida, você gera insatisfação. A criança e o jovem passam a valorizar muito mais o que está distante do que os que estão perto, em casa, por exemplo. Aí passamos a ter a chamada insatisfação com a vida. Tenho amigos virtuais, mas me sinto só e, quando a gente se sente só, passa a avaliar o valor da nossa existência, o sentido da vida”, alerta.
Alerta para o crescimento dos suicídios
Esses sintomas refletem nos gráficos sobre suicídio. Um pesquisa feita até 2019 pela Our World Data demonstra que, a partir do ano 2000, a média global em países como Alemanha, China e Cuba, teve uma queda. Estados Unidos e Brasil tiveram um disparo no número de casos, demonstrando que a incidência de suicídios na Geração Z é grande, junto com os transtornos de ansiedade, depressão e uso de drogas. Isso é um sinal de que algo não está bem.
Em setembro de 2021, o Ministério da Saúde apontou que as taxas de suicídio saltaram 116% entre crianças e adolescentes de 5 a 14 anos no intervalo de 2010 a 2019. Entre os jovens de 15 a 19 anos, o aumento foi de 81%. Nas demais faixas etárias, a taxa não cresceu mais que 30%. Os dados levaram o governo federal a classificar o suicídio como “um problema de saúde pública crescente no Brasil, com destaque aos grupos etários mais jovens”.
Em 2020, o suicídio foi a quarta causa de mortes por causas externas entre crianças e adolescentes, ficando atrás apenas de agressões, acidentes no trânsito e lesões por outros tipos de incidentes. Quando se trata de autodestruição, os números são sempre subnotificados, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Para cada suicídio consumado, há muito mais pessoas que o tentam. Por isso, quanto mais cedo as crianças e adolescentes em situação de sofrimento mental receberem tratamento, maior a probabilidade de se recuperarem.
Mas tudo indica que eles continuam sem receber cuidados. Um estudo realizado por pesquisadores do Hospital das Clínicas em 2019 identificou que 81% das crianças de 6 a 12 anos moradoras de Porto Alegre e São Paulo que tinham transtornos mentais não tiveram tratamento terapêutico.
Segundo a psicóloga, crianças e jovens com pais deprimidos tendem a ter maior probabilidade de desenvolver depressão do que as que crescem entre pais não deprimidos. O risco é aumentado quando o núcleo familiar está doente. Outro dado importante: mães deprimidas apresentam maior probabilidade de filhos com apegos inseguros. “Quanto mais estresse na família, maior a probabilidade de termos crianças, adolescentes e adultos com sintomas depressivos. A família é o amortecedor da criança para enfrentar todos os desafios que a vida pode trazer, como morte de um dos pais, desemprego, doença”, diz Sandra.
O que fazer por eles?
“Devemos pensar em criar pessoas que tenham base emocional para lidar com os problemas, os conflitos. Mas o que muito tem se discutido é que há um modelo de pais amigos, pais que não querem envelhecer, pais que não querem ser pais chatos. Por isso, vemos uma geração com acesso a tudo e insatisfeita com o tudo que tem”, conta a psicóloga, baseada em sua vivência no consultório.
Uma forma de ajudar crianças e adolescentes em crise existencial é aceitar que há um problema emocional no indivíduo, no casal, na família, e buscar ajuda de profissionais que possam auxiliar a ressignificar a angústia existencial. “Viktor Frankl nos fala em seus livros sobre como podemos buscar esse sentido da vida, buscar o que tem valor dentro de nós, o que tem significado. E o sentido está em dar sentido ao outro e não somente a si mesmo”, exemplifica.
A sugestão é buscar estímulos como os trabalhos voluntários, por exemplo. “Eles são ótimas fontes para que pessoas de todas as idades possam entrar em contato com sua humanidade. É nesse encontro com o outro que tornaremos nossa vida significativa e com alegria de viver a cada dia, apesar das notícias ruins. Acredite, há muito mais notícias boas do que as ruins, precisamos filtrar o que consumimos”, sugere.
Educação emocional
“Há cerca de 3 anos tenho trabalhado com crianças com uma atividade que denominei de Oficina das Emoções, com rodas de conversas e atividades lúdicas para que as crianças pudessem aprender sobre seus sentimentos, forças e virtudes. Conhecer a si mesmo! Muitas escolas já têm incluído aulas de educação emocional, mas ainda há muito pouco incentivo nessa área”, exemplifica.
Daí a importância da educação, da cultura e de políticas públicas, visando aumentar o bem-estar social. As pessoas precisam ter estímulos externos saudáveis para fortalecer e criar perspectivas positivas, reflexões críticas sobre si mesmas e não somente copiar o que as mandam consumir. (Colaborou José Carlos Fineis)
*Com informações do Guia do Estudante Abril, BBC, Portal Hospitais Brasil, McKinsey , Our World Data, Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde, Revista Piauí e Hospital das Clínicas.