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Toninho Rizzardo: quase seis décadas dedicadas ao judô de Sorocaba e região

Atleta nos anos 1960, ele hoje trabalha para revelar atletas campeões e, principalmente, formar cidadãos; por suas mãos já passaram mais de oito mil judocas

Rivail Oliveira (Portal Porque)

Mestre fala sobre o presente e o futuro da modalidade e atesta: o judô muda a vida das pessoas. Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

O judô em Sorocaba e região têm nome e sobrenome: Toninho Rizzardo. Na cidade, a história da modalidade, criada em 1882 e que chegou ao Brasil em 1914, está ligada diretamente ao trabalho de quase 60 anos do professor sorocabano.

Atleta nos anos 1960, ele hoje trabalha para revelar atletas, campeões e, acima de tudo, formar cidadãos de bem. Por suas mãos já passaram mais de oito mil judocas. Toninho foi técnico da seleção sorocabana da modalidade e toca a Academia Bandeirantes.

Nesta entrevista ao Portal Porque, ele fala da carreira como atleta, dos mais de 50 anos como treinador, bem como do presente e do futuro da modalidade. Confira:

Portal PorqueComo foi a sua infância e de que forma o judô entrou na sua vida?
Toninho Rizzardo – Comecei em 1960. Eu treinava e jogava futebol com uma turma de japoneses, entre eles o Paulo Kadiama. A gente tinha a mesma idade e éramos muito amigos. Ele [Paulo Kadiama] falava que era forte porque fazia judô. Eu tinha 13 anos quando o Paulo me levou na Rua da Penha, na Academia do Hugo Kluppel, em frente à ACM. Vendo aquilo eu me entusiasmei e pedi para treinar lá.

PQE depois…
TR – Ele [Hugo Kluppel] me falou que tinha uma mensalidade, mas nesta época eu não tinha condições financeiras. Então, ele me deu uma bolsa para eu poder fazer o judô e ajudar nas coisas que precisava lá na academia. Consegui um quimono [o primeiro], que era um saco de farinha da santista. E aí comecei a minha vida no judô. Isso foi até 1969.

PQReza a lenda que quem começa no judô ou qualquer outra arte marcial apanha bastante até aprender bem. Isso é verdade?
TR – No começo eu apanhava muito, mas fui me tornando forte. Quando percebi já estava grande e competindo bastante. Eu trabalhava também. Fui fazendo judô, estudando educação física e sempre em busca do meu sonho.

PQComo eram as competições naquela época e a sua caminhada até a faixa-preta?
TR – Naquela época, a Budokan de Sorocaba não era filiada à Federação Paulista de Judô. Então, a gente só competia nas colônias existentes em Registro, Mairinque, Cotia, Tapiraí, Piedade, entre outras. Eu era faixa branca e não havia divisão de peso. Era mais ou menos por tamanho. Então, comecei participar e ganhar bastantes competições e a trocar de faixas até chegar à faixa-preta.

PQQuem foram seus espelhos e exemplos no judô?
TR – Quando eu comecei competir em São Paulo, passando pelas faixas verde, roxa e marrom, eu conheci o professor Paulo Kohara, que foi excelente amigo e professor que me ajudou muito. Cito ainda os professores Matsuo Ogawa e Hugo Kluppel.

PQVocê lutou até que idade?
TR – Eu lutei até 1969. Fui promovido à faixa-preta primeiro grau e quem me levou à Budokan, em São Paulo, foi o professor Kimiyuke Nomura. Na Capital, também ganhei alguns títulos, mas o que mudou mesmo a minha vida foi o trabalho que passei a desenvolver, a partir de 1969, no Sesi de Sorocaba.

PQComo foi este trabalho?
TR – Quando o Sesi Sorocaba foi inaugurado, em 1969, Kimyuki Nomura foi convidado para ser o professor, mas abriu mão e me passou a vaga. Conversei com o Otto Wey Neto, com o Cláudio Ferro e acertei que ia começar a dar aulas lá. Então, a partir de 1969, deixei de competir, pois minha missão a partir dali era ensinar e essa foi minha maior conquista.

PQComo foi o crescimento do trabalho no judô que, tempos depois, passou a ser uma das atividades mais tradicionais do Sesi em Sorocaba? Você tem ideia de quantas crianças e jovens aprenderam judô com você?
TR – Meu primeiro aluno no Sesi foi o Hélio Jacinto Pereira, em 2 de dezembro de 1969. Eu tinha um dojo [local de treinos] pequenininho lá. De repente, choveu inscrição de crianças e jovens. Eu me lembro que não tinha espaço e eles arrumaram um lugar maior para gente dar aula, bem em frente à cantina. Ali a gente começou um trabalho sério que resultou em um número elevadíssimo de judocas até hoje. Pelos cálculos que eu tenho aqui, mais de oito mil crianças e jovens passaram pelas minhas mãos. Um trabalho focado na formação de judocas mesmo. Sorocaba não tinha uma equipe de judô e o Sesi foi muito importante nisso. Tempos depois houve a parceria [do Sesi] com a Prefeitura de Sorocaba.

PQLembra de alguns alunos e judocas que se destacaram e foram campeões?
TR – Tivemos, no início do trabalho, alguns alunos que foram campeões regionais e bem no Campeonato Paulista, entre eles José Augusto Mauad, Murilo Mauad, José Gozano, Maurício Yamamoto, Narciso Vieira, Sérgio Hall. Enfim, se eu for colocar os nomes de todos aqui nós vamos ficar umas duas horas. Hoje eu tenho o meu filho [Bruno César Silva Rizzardo] que é faixa-preta 4° Dan e eu, que estou como 8° Dan. Nosso legado vai continuar com meu filho, que já faz um trabalho muito bom no Centro Esportivo da Vila Santana e me ajuda na academia dando aulas à noite.

PQComo está o judô de Sorocaba hoje?
TR – O judô de Sorocaba começou forte comigo lá no Sesi e teve o apoio na época do Otto [Otto Wey Neto] que estava na prefeitura nas gestões de Armando Pannunzio e José Crespo Gonzales. Participamos e ganhamos muitos Jogos Regionais. Fui técnico da seleção sorocabana até 2015. Hoje a seleção é comandada pelo Marquinhos [Marcos Antônio Paula Rossi], um menino que começou comigo no Sesi, em 1994, e que faz um trabalho magnífico.

PQQual sua visão do judô brasileiro hoje?
TR – O judô nacional passou por bons e maus momentos. Teve administração que nos deixou numa situação muito precária, mas mudou quando o Paulo Wanderley Teixeira assumiu a presidência do Comitê Olímpico Brasileiro. Na Confederação Brasileira está o Silvio Acácio Borges, um amigo que conseguiu unir todos os Estados. Hoje o esporte tem apoio e recursos.

PQO judô brasileiro sempre teve grandes atletas?
TR – Para se ter uma ideia, a Sarah Menezes foi a primeira campeã olímpica brasileira. Ela veio do Nordeste, de família humilde, e tem outros nomes como Aurélio Miguel, Rogério Sampaio e Flávio Canto. Na seleção brasileira temos como treinadores o Antônio Carlos “Kiko” Pereira, Andréa Berti e Sarah Menezes. O COB [Comitê Olímpico Brasileiro] também vem dando recursos para viagens e parcerias porque o judô no mundo está muito evoluído e se a gente ficar fora disso, não conseguimos nada.

PQAlém do esporte, o judô trabalha muito o lado humano, social e da educação. É isso mesmo?
TR – Sim. O judô hoje é uma ferramenta educacional de formação humana. Eu vejo dessa forma. Tenho muitos alunos com dificuldades pela própria situação familiar, financeira e a gente faz um trabalho onde todos são iguais Quem tem condições tem, que não tem, não tem. Mas todo mundo, na hora do treino, tem o mesmo valor, o mesmo conhecimento, o mesmo aprendizado. Isso vem formar uma pessoa melhor. Todos os alunos que passaram pelas minhas mãos, todos são bem de vida, todos são educados e têm família.

PQQual é o recado que daria para a nova geração que tem interesse em saber mais sobre o judô?
TR – Quem quiser ter uma vida melhor, uma vida mais equilibrada, deve procurar o judô. Foi feito um estudo com o atleta olímpico Leandro Guilherme. Ele passou por testes na Unicamp e na Unifesp e chegaram à conclusão que judô aumenta a massa cinzenta do cérebro. Ou seja, melhora o conhecimento, a inteligência da criança, do jovem e do adulto. Porque eles trabalham os dois hemisférios cerebrais: da direita e da esquerda. Esse ganho mental é muito importante. Em um dos eventos que promovi, havia 26 PCDs [pessoas com deficiência] competindo e todos felizes. Isso é o judô! Um esporte de formação humana.

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