
Ex-atleta, atualmente, colabora com a organização de diversas corridas de rua em Sorocaba e região. Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal
Mineira de nascimento, mas sorocabana de coração, Soraya Vieira Telles tem uma linda história de amor pelo esporte, mais especificamente pelo atletismo, modalidade na qual é considerada um dos ícones nacionais.
Medalhista pan-americana, disputou uma Olimpíada, Gran Prix, mundiais, Sul-Americano, Troféus Brasil, rodou o planeta levando o nome do esporte. Prova disso é que o recorde nos 1500 metros que obteve persiste até hoje – 34 anos depois.
Natural de Barbacena, passou pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Sorocaba. Soraya cravou seu nome no esporte, com uma carreira brilhante. Hoje, trabalha como personal e em uma escola de educação infantil de Sorocaba.
Nesta entrevista ao Portal Porque, Soraya fala sobre carreira, alegrias, tristeza, títulos, dificuldades e do legado que está a serviço do esporte sorocabano, bem como das provas de rua onde trabalha na organização. Confira:
Portal Porque – A Soraya tem uma grande história no esporte, mas fale um pouco sobre a menina Soraya de Barbacena-MG.
Soraya Telles – Quando eu era criança, nós podíamos brincar nas ruas, brincadeiras que envolviam corridas e saltos. Eu sempre tive muita resistência, então tinha muita facilidade para correr e a minha cidade era cheia de morros. Imagine você subindo e descendo aqueles morros. Quando estudei em um colégio que era em frente à minha casa, nas aulas de educação física tínhamos contato com todas as modalidades. O professor promovia, em determinada época do ano, uma competição entre as salas e eu e muitas outras crianças tínhamos talento. Só que a cidade, na época, não oferecia oportunidade para que nós continuássemos [no esporte]. Nesta época, eu não tinha preferência ainda por nenhuma modalidade esportiva.
PQ – Como veio a opção pelo atletismo?
ST – Surgiu por acaso. Eu me mudei para o Rio de Janeiro com a minha mãe que foi para lá trabalhar. Fui estudar numa escola onde minha professora de educação física era diretora do vôlei no Fluminense e as aulas eram muito dinâmicas, com muitos exercícios de corrida. Ela me olhou, foi falar com a minha mãe e fez um convite para que me levasse ao Fluminense. Morava em Botafogo e o Fluminense era em Laranjeiras, bem pertinho. Fiz um teste físico e o técnico do atletismo, que era o Alemão Frederico, viu em mim um talento. Eu recebi uma ajuda de custo do clube e minha mãe, que sempre adorou o esporte, apoiou também. Quando eu comecei a treinar, não era especialista em nenhuma prova e passei por quase todas do atletismo. Cheguei até ser recordista brasileira dos 400 metros.
PQ – A Soraya teve ídolos ou espelhos no atletismo?
ST – O atletismo veio inesperadamente na minha vida. Eu não tinha ídolos, mas a medida que eu fui tendo oportunidades de entrar em algumas competições, conheci atletas que estavam se destacando na seleção brasileira e no mundo. Casos de João do Pulo, Esmeralda de Jesus, que era corredora de cem metros, Silvina Pereira das Graças, que era corredora de 400 metros, entre outros. Quando eu iniciei nas competições internacionais, sempre admirei muito a atleta cubana Ana Quirot e a Maria Mutola, que eram as melhores do mundo nos 800m.
PQ – Fale um pouco dos clubes pelos quais você passou.
ST – Depois que saí do Fluminense – o atletismo no Rio de Janeiro sempre foi uma força muito grande, mas chegou uma época que estava passando por dificuldades –, o meu técnico falou para mim e para o Pedro [Carlos Teixeira, marido de Soraya – in memoriam – que na época era atleta também) que se quiséssemos evoluir no esporte, deveríamos nos mudar para São Paulo. Viemos para São Paulo e fui atleta do CTA [Centro Tecnológico Aeroespacial], de São José dos Campos, que tinha uma equipe comandada por Waldemar Montezano. Depois fui para o Sesi Santo André, passei pela Eletropaulo, Pão de Açúcar, Sogipa de Porto Alegre, Nacional de Manaus, Lufkin e, por último, Unimep Piracicaba.
PQ – Você tem dezenas de títulos no atletismo. Dá para viver financeiramente do esporte?
ST – Graças a Deus eu ganhei vários títulos nacionais e internacionais. Não fiquei rica, não ganhei dinheiro, mas o atletismo me proporcionou viajar por vários países, entrar em lugares que, normalmente, uma pessoa comum não entra. Fui recebida na Bélgica, fui recebida pela princesa da família Orleans de Bragança. Tive a oportunidade de estar na casa de embaixadores do Brasil em outros países e tenho muito orgulho da carreira que eu construí, embora, como eu citei, não tenha ganhado dinheiro. No entanto, foi uma carreira muito sólida, muito bem-sucedida.
PQ – A Soraya é um destaque na história do atletismo brasileiro e tem marcas ainda não quebradas muitas décadas depois da sua parada, não é isso?
ST – Para você ter uma ideia, o recorde do Troféu Brasil dos 1500m completa este ano 34 anos e ainda é meu. Eu tenho muito orgulho disso. Apesar de ter parado há bastante tempo, ninguém ainda conseguiu bater este recorde.
PQ – Como você veio parar em Sorocaba?
ST – Foi assim: o Pedro já tinha se tornado meu treinador, logo depois que eu saí do Sesi e estava no Pão de Açúcar. O Pedro recebeu um convite para trabalhar em Sorocaba, para montar uma equipe forte e competir os Jogos Regionais e os Jogos Abertos. E eu vim junto. Foi muito bom. Quando você mora numa cidade grande, como São Paulo, se perde muito tempo em deslocamentos. Aqui eu moro até hoje no bairro que é próximo a um centro esportivo.
PQ – E sobre o fato de Sorocaba, com o tamanho que tem, não dispor de uma boa pista de atletismo?
ST – Eu acho muito triste Sorocaba, pela localização e tamanho, não ter uma pista sintética. Já tivemos vários atletas aqui de renome que poderiam ter brigado por uma pista. Eu, quando fui para Olimpíada, treinava na pista do Centro Esportivo da Vila Gabriel. Uma pista de terra que na época ela era muito bem cuidada. Hoje, infelizmente, as condições da pista não são boas e à noite, se você for para a pista, é uma escuridão total. Depois que inaugurou o Sesi de Votorantim, eu passei a treinar lá.
PQ – É muito grande a diferença de importância do atletismo fora e no Brasil?
ST – O atletismo lá fora tem a mesma importância que o futebol ou até mais em alguns países. Lotam-se os estádios para assistir uma prova e o público dá o mesmo o mesmo valor do primeiro e do último colocado. Já tive oportunidade de estar em algumas competições, de assistir algumas provas em que eles aplaudem o último com o mesmo entusiasmo do primeiro. Infelizmente, aqui no Brasil, a gente ainda passa por isso. São poucas as pistas sintéticas e a gente tem de ficar implorando para o pessoal melhorar a iluminação, para poder fazer um ajuste na pista para que se tenha condições de fazer um trabalho decente.
PQ – E o sabor de sua primeira conquista internacional?
ST – Eu ganhei medalha em Santa Fé. Para a atleta que estava iniciando, como foi o meu caso, o primeiro pódio internacional, o primeiro título me deu a certeza que era aquilo mesmo que eu queria para minha vida. Então, o que acontece? Você tem mais força, você tem mais confiança, tem mais motivação para continuar indo aos treinos, para continuar lutando mesmo que sem patrocínio, mesmo com as dificuldades. Sempre tive muito apoio da minha mãe, do Pedro que foi meu técnico depois nos casamos e de amigos muito especiais que eu encontrei ao longo da caminhada. Acima de tudo eu agradeço a Deus, todos os dias, por ter me dado este dom e por Ele ter me permitido superar todas as dificuldades.
PQ – Teve o Pan e quase você foi a duas Olimpíadas…
ST – A medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos foi muito importante para mim. Ela foi um passaporte para que eu pudesse competir mais internacionalmente. Depois desta medalha eu intensifiquei os treinos e nós vimos que eu poderia competir no nível mais alto, entre as melhores do mundo, então tive a oportunidade de fazer várias temporadas no exterior. Competindo com as melhores eu consegui melhorar muito o meu tempo. Isso porque, aqui no Brasil, eu tinha uma determinada vantagem em relação as outras corredoras. Então eu não tinha como dar nunca meu máximo, entendeu? E essas participações internacionais elas me fizeram ver o quão distante nós estávamos e o quão nós poderíamos melhorar. Com isso, participei de dois Mundiais, de Grandes Prêmios e me classifiquei para a Olimpíada [Seul 1988], na prova dos 800m e fiquei com o 13° lugar. Neste ano, constei entre as oito melhores do mundo.
PQ – E quase foi a Barcelona…
ST – Sim, poderia ter ido a Barcelona [1992], mas tive um problema muito sério no tendão de Aquiles e não consegui me recuperar a tempo de correr atrás de um índice, pois fiquei praticamente quase um ano sem treinar, só cumprindo as minhas obrigações com o clube para não deixar o pessoal na mão, correndo dentro do possível. Então foi um ano dificílimo para mim. Foi um ano que eu achei que seria o melhor ano da minha vida, porque os treinos estavam assim muito, mas muito melhores do que estavam quando eu fui para Olimpíada, mas é aquilo: Deus sabe das coisas e a gente tem de aceitar o que é para a gente, ter forças, levantar e seguir em frente.
PQ – Depois que parou nas pistas passou para provas de ruas?
ST – Eu parei de competir pista praticamente em 2000 e o Pedro [treinador e marido] me convenceu a fazer provas de rua que eu sempre gostei. Passei a treinar provas de cinco e dez quilômetros. Comecei a fazer uma temporada e até estava correndo bem nas ruas, Mas aí, em 2012, o Pedro faleceu e eu resolvi que era hora de parar, porque me baqueou bastante. Mesmo assim eu ainda segui competindo por mais uns quatro anos eu acho fazendo provas de rua. Nesse período, eu fui preparando a minha cabeça para a parada. Hoje eu corro todos os dias, treino com o único objetivo de cuidar da saúde. Mesmo porque eu estou no atletismo desde os 15 anos e eu não consigo imaginar assim parada, sedentária e sem fazer nada.
PQ – Parar não é fácil para nenhum atleta, não é?
ST – Todos os dias eu dou aula para os meus alunos e corro junto. Os dias que eu tenho mais livres no trabalho eu faço meus treinos. Então, para mim, essa parada assim de competir foi uma coisa bem tranquila porque eu vim trabalhando isso muito na minha cabeça. Mesmo porque, quando eu entrava nas provas, as pessoas já falavam: ‘Ai, chegou a Soraia. Vai ganhar’. Eu não queria isso mais para mim porque a minha vida toda como atleta foi de alto nível e com cobranças por vitórias e resultados. Eu decidi que não queria mais isso. Continuo no meio trabalhando nas corridas de rua, com a Proeesp e com a AASP. Então é uma forma de eu estar também em contato com atletas.
PQ – Além de trabalhar com organização de corridas, o que a Soraya faz hoje?
ST – Atualmente eu trabalho com educação infantil. Também trabalho como personal, que é muito prazeroso. As pessoas, quando vêm te procurar, querem melhorar, querem cuidar da saúde e eu adoro ver o crescimento das pessoas.
PQ – Qual recado você deixa para garotada que gostaria de entrar no atletismo?
ST – Quem quiser iniciar no atletismo, no Centro Esportivo da Vila Gabriel devem procurar pelos professores Willian e Antônio que foram grandes atletas e hoje são grandes profissionais. Quando você quer, nada é impossível. Nunca deixe que outras pessoas destruam seus sonhos.

Mineira radicada em Sorocaba em uma de suas inúmeras provas profissionais. Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal