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MP pede sequestro de bens do prefeito manga e do secretário de educação

Em ação civil pública, Ministério Público do Estado também aponta irregularidades nas empresas vencedoras, com a participação de pessoas, inclusive, que já foram presas por desvio de dinheiro em outros municípios, e indícios de preços combinados na licitação

Fernanda Ikedo

O Ministério Público do Estado de São Paulo solicitou, por meio de ação civil pública, o sequestro de bens do prefeito de Sorocaba (SP), Rodrigo Maganhato (Republicanos) e do secretário municipal de Educação, Márcio Bortolli Carrara, para assegurar a devolução aos cofres públicos de valores que já tenham sido pagos pelos kits de CDs e DVDs do grupo Palavra Cantada. A Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Educação (Sedu), firmou um compromisso de compra no valor de R$ 22 milhões com duas empresas para fornecimento dos kits. Diante de indícios de fraude na licitação, o MP pede que a Justiça anule o certame e o contrato dele decorrente, impedindo a entrega dos kits (que já teria começado a ser feita) e qualquer pagamento referente a eles.

A partir dessa ação do MP, a Justiça deu um prazo de 72 horas para a Prefeitura se manifestar, que se encerra na tarde desta quinta-feira, dia 30 – leia em https://shre.ink/z3k. Após a decisão do juiz de direito Alexandre Dartanhan de Mello Guerra, a promotora de justiça Cristina Palma reiterou o pedido de liminar para suspensão imediata dos pagamentos.
Além de assegurar a devolução de eventuais repasses financeiros por meio do sequestro de bens, o MP pleiteia que as empresas contratadas para fornecer os kits – R. Clean e Ville Editora – sejam obrigadas a “ressarcir o prejuízo ocasionado ao erário, sem prejuízo de eventual ação de improbidade administrativa, a ser ajuizada, caso demonstrada ocorrência de condutas ímprobas por parte dos agentes públicos requeridos, em conluio com as empresas requeridas”.

‘INDÍCIOS DE SITUAÇÃO FRAUDULENTA’

A 1ª promotora de justiça Cristina Palma e o promotor de justiça substituto Gabriel Careta do Carmo acolheram representação da vereadora Iara Bernardi (PT) e do professor Alexandre da Silva Simões, representante do Ensino Superior no Conselho Municipal da Educação. Para os promotores, o sequestro de bens do prefeito e secretário é necessário porque as empresas contratadas não possuem patrimônio declarado, nem mesmo empregados, “com indícios de situação fraudulenta, o que justifica a imposição da medida caso tenha sido pago algum valor do orçamento municipal”.

Em ação civil pública, Ministério Público do Estado também aponta irregularidades nas empresas vencedoras, com a participação de pessoas, inclusive, que já foram presas por desvio de dinheiro em outros municípios, e indícios de preços combinados na licitação. (Foto: Reprodução)

“A cautelar de sequestro de bens dos requeridos [o prefeito e o secretário] encontra amparo legal na probabilidade do direito e do perigo de dano, vez que a vultosa quantia passível de ser despendida, e que já pode ter sido empenhada, em prejuízo ao Erário, dificilmente será ressarcida aos cofres públicos ao final do processo, pois haverá tempo hábil para ocultação ou dilapidação de patrimônio por parte dos requeridos”, alegam os promotores na ação civil pública.

Segundo a representação de Iara e Simões, consta que esses kits já foram comprados em 2011, restando ainda em muitas escolas. Para comprovar essa afirmação, o MP anexou foto de kits remanescentes em unidades escolares como a E. M. João Francisco Rosa. Outro fato argumentado pelo Ministério Público é o obsoletismo do material adquirido, uma vez que “a maioria das unidades escolares sequer possui aparelhos leitores de CD ou DVD”. “A promotoria teve acesso a filmagem e fotos do Kit (…) onde se demonstra a extrema simplicidade dos produtos, inclusive composto por CD e DVD, tecnologias obsoletas e de difícil reprodução na atualidade”, argumenta a ação.

Além disso, questiona-se a autorização de compra de um kit por aluno, que elevou o valor da transação para uma cifra milionária: “Se nem as escolas possuem aparelhos para operacionalizar tais kits, será que cada um dos alunos da rede pública o terá?”
Outro fato destacado é que material semelhante pode ser encontrado no mercado por valores bem inferiores: “Uma simples pesquisa na internet (…) revela que um livro Palavra Cantada, mais um CD custa R$ 39,99 pelo Mercado Livre. Outra opção, ‘Melhores brincadeiras musicais’, do mesmo autor, Palavra Cantada, pela Editora Melhoramentos, custa R$ 45,90. Isto se comprar uma única unidade, sendo público e notório o desconto que pode ser obtido a se comprar milhares de unidades.”

EMPRESA ALERTOU SOBRE FRAUDE

Também a questão do preço total cobrado pelas empresas contratadas é colocada sob suspeita, bem como o aparente direcionamento da licitação para um produto específico. O pregão eletrônico traz “uma descrição minuciosa [do material a ser comprado] que somente um tipo de kit poderia atender ao projeto da musicalização”, ou seja, o material do Palavra Cantada.

“Além desta escolha não ter passado pelo crivo democrático do Conselho Municipal de Educação – CMESO, trata-se de certame contendo objeto extremamente restritivo, impossibilitando por completo a concorrência, já apenas o produto eleito, de forma unilateral, pelo Secretário da Educação, atende às especificações do edital”, explica o MP.

Se a Sedu queria um produto específico, poderia ter dispensado a licitação, como prevê a lei, e adquirido diretamente da Editora Movimenta. A compra direta com o fornecedor exclusivo do produto “certamente seria a opção menos custosa ao Erário, já que elimina empresas intermediárias, as quais inserem seus respectivos lucros no preço final pago pela administração pública”.

Prossegue o MP: “Inclusive, conforme consta dos autos do procedimento licitatório, referido edital foi impugnado pela empresa Ekipsul, informando que estaria impossibilitada de participar do certame, vez que o produto é adquirido e ofertado exclusivamente pela Movimenta Editora e, naquela impugnação, já noticiava a fraude, informando que ‘não haverá disputa, mas a simulação de um processo licitatório fraudulento, que ensejará o superfaturamento posto que não haverá competitividade, sendo cabível a aquisição mediante inexigibilidade de licitação’ (…).”

Mesmo assim, “o compromisso de fornecimento de material e respectivo pagamento para as empresas foi assinado pelo Sr. Prefeito Rodrigo Maganhato”.

PROPOSTAS COM PREÇOS IGUAIS

Consta ainda na ação movida pelo MP que, conforme a ata de pregão constante do portal de transparência, concorreram ao edital as empresas Carthago Editorial Ltda. e Tempo Integral Projetos Educacionais Ltda., além das propostas vencedoras. “INCRIVELMENTE, todas apresentaram o mesmo valor de proposta, até os centavos idênticos, com menos de dez reais a menos a proposta da Ville Editora.” E prossegue: “Em disputa de sessão pública, os valores foram ajustados, sagrando-se vencedora a empresa Clean para o lote 01 e Ville para o lote 02, em valores de diferença diminuta (menos de cem reais aos demais classificados), em que pese o valor milionário contratado.”

Os promotores destacam ainda que a Carthago é objeto de outra liminar proferida nos autos de ação cautelar em ação civil pública para suspender a aquisição de kits de educação financeira, e ainda investigada por contrato milionário envolvendo a compra de kits de robótica pela Prefeitura de Sorocaba, por valor superior a R$ 26 milhões.

Conforme a investigação do MP, a sócia-proprietária da empresa R. Clean foi “investigada na operação Aletéia, ocorrida na Bahia e em São Paulo e chegou a ser presa com o esposo, em razão de fraudes em contratos com o Estado”. Conforme reportagem anexada à decisão pelos promotores, o casal foi preso por sonegação fiscal e fraude em contratos com Estados e municípios.

Os promotores apontam irregularidades também na outra empresa vencedora da licitação, Ville Editora e Comercio Ltda, que, “talvez por coincidência, talvez não”, tem o mesmo contador da empresa R. Clean.

Um fato que chamou a atenção do MP é que um dos sócios da Ville Editorial trabalhava, até abril de 2021, como auxiliar de serviços de importação e exportação com um salário modesto. “Ele foi desligado da referida empresa em abril de 2021, quando auferia renda de R$ 1.600,00. Surpreende, portanto que o referido indivíduo tenha sido capaz de se tornar sócio de empresa de elevado capital social, a Ville Editora, e ainda com poderes de administrador.”

O Ministério Público alerta para indícios de “séria fraude à licitação”: “Com esta ação, pretende-se impedir ou minimizar a dilapidação do valor que deve, obrigatoriamente, ser aplicado na educação, através de melhorias efetivas ao sistema educacional, tendo em vista que a aparência dos fatos traz sério indicativo que, além de todos os vícios educacionais apontados na aquisição dos kits, tais sejam, falta de discussão junto ao conselho educacional, alto custo frente aos similares do mercado, CDs e DVDs obsoletos, já existência dos mesmos na rede, também podemos estar diante de uma séria fraude à licitação, que será melhor apurada para responsabilização dos responsáveis em sede de improbidade administrativa ou práticas criminosas”, destacam os promotores.

Conforme foi documentado com fotos, há escolas da rede municipal de ensino que já começaram a receber os kits com indícios de superfaturamento. Diante disso e dos indícios de fraude, o MP solicitou a imediata suspensão do pregão eletrônico n.o 23/22, proibindo o pagamento de qualquer valor às empresas vencedoras do pregão; a apreensão de todo o material já entregue e a obtenção de informações da Secretaria da Fazenda Municipal sobre os valores pagos até o momento à R. Clean e à Ville Editora, bem como “o sequestro dos bens das partes requeridas até o montante dos valores pagos pela municipalidade.”

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