
Pessoas idosas, em sua maioria, estão acumulando altas dívidas com bancos por empréstimos que não solicitaram. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Pessoas idosas, em sua maioria, estão acumulando altas dívidas com bancos por empréstimos que não solicitaram. Pensionista também passam pelo mesmo problema. Diferente de casos em que criminosos conseguem os dados das vítimas e realizam as operações, nessas situações o procedimento é legítimo e feito pelas próprias instituições bancárias.
Hamilton Pereira, 69 anos, precisou de um empréstimo em novembro de 2020. À época, ele pegou R$ 15 mil com o banco onde mantinha a conta. Meses depois, em março do ano passado, foi procurado por outra instituição bancária, com uma oferta de comprar o consignado que havia feito.
A funcionária que fez o contato tinha todos os dados, sabia quanto Hamilton devia e o valor exato de cada parcela do empréstimo. Ela fez uma oferta e, para ele, pareceu um bom negócio: esse banco comprava o consignado com juros menores e a mensalidade ficava mais baixa.
No entanto, no mesmo dia, R$ 20 mil caiu na conta de Hamilton. Imediatamente, ele fez contato com a atendente e foi orientado a devolver o dinheiro. “Mandaram um boleto, fui com ele na boca do caixa, devolvi aqueles R$ 20 mil e dei aquilo como encerrado. Só que a partir do mês seguinte, percebi que meu salário de aposentado sofreu uma queda”.
No banco, Hamilton descobriu que a diferença no salário era o desconto da parcela do empréstimo de R$ 20 mil que ele não havia solicitado e cujo valor havia devolvido. “Eles informaram que uma financeira que operava com a marca do banco, mas que não tinha nada a ver com a instituição bancária. Essa tal financeira nem agência física tem”, explica o metalúrgico aposentado.
Sem conseguir uma solução, Hamilton colocou o caso nas mãos de um advogado e ainda aguarda o desfecho. Enquanto isso, se vê obrigado a arcar com o pagamento do empréstimo que realmente havia feito e com o outro, que não solicitou. “Enquanto a ação na justiça não me der ganho de causa e estancar essa sangria, eu continuo pagando. Eu sou metalúrgico aposentado e isso faz muita falta nos seus compromissos financeiros de todo mês.”
Casos aumentaram
De acordo com o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), o número de reclamações relacionadas à empréstimos consignados aumentou 68,8% nos seis primeiros de 2023, em comparação com o mesmo período do ano passado. Enquanto de janeiro a julho do ano passado o Procon recebeu 4.985 reclamações sobre esse serviço, o primeiro semestre de 2023 teve 8.413 registros.
O maior volume das queixas é por cobrança ou serviços não reconhecidos ou solicitados. De janeiro a julho deste ano, foram 1.745 casos registrados pelo órgão. No ano passado, os primeiros seis meses tiveram 1.119 casos, num ano que terminou com o total de 2.278 reclamações no Procon.
Há ainda, somente este ano, reclamações por não entrega do contrato ou documentação relacionada ao serviço contratado (1.532 casos), cobrança indevida (1.388 registros), dificuldade para alterar ou cancelar um contrato ou serviço (317 reclamações) e por oferta não cumpra, serviço não fornecido ou propaganda enganosa (382 situações).
Os dados são do Estado de São Paulo. Não foi possível obter os números dessas reclamações em Sorocaba com a unidade local do Procon devido ao fato do órgão ser ligado à Secretaria de Governo e o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) proibir respostas a quaisquer questionamentos do Portal Porque.
A mãe de Ana (nome fictício) é um desses casos. Ela tem aproximadamente R$ 400 mil em dívidas acumuladas desde 2020 com empréstimos, cheque especial e cartão de crédito. Só em empréstimos são cerca de 20 com valores altos.
“Foram empréstimos feitos durante a pandemia, uma época que quase ninguém ia para o banco e minha mãe não adquiriu nenhum bem, não fez nenhuma reforma. Então, não justificava tantos empréstimos de valores altos, um próximo do outro, de R$ 15 mil, R$ 25 mil, R$ 40 mil”, conta a filha da funcionária pública aposentada.
Além disso, o banco oferecia inúmeros serviços, como cheque especial, seguros e cartão internacional, que endividaram a aposentada de 80 anos. “Conclusão, ficou uma dívida absurda parcelada em 56 meses, 72 meses. Praticamente todo salário dela está comprometido em empréstimos”.
Para tentar amenizar a situação, Ana explica que solicitou diversas vezes a suspensão de diversos serviços listados em nome da mãe. No entanto, apesar das inúmeras tentativas, no mês seguinte, esses serviços continuavam ativos. “Tive que fazer uma reclamação formal no banco porque achei uma falta de respeito muito grande por estarem ignorando essa situação. Foram quatro vezes que nos sentamos com gerentes diferentes, até chegar na gerência principal para conseguir suspender esses serviços”.
Ainda sem solução para o caso, Ana também procurou um advogado e espera entender a dimensão da dívida. “Queremos saber o que realmente aconteceu, como essas dívidas foram adquiridas porque tem, inclusive, saques de R$ 40 mil na boca caixa que minha mãe garante que não fez”, relata ela.
Situação recorrente
A advogada Fernanda Bezerra tem atendido diversos casos semelhantes. Segundo ela, a maioria das vítimas são pessoas idosas que têm, de modo geral, mais dificuldade em lidar com as novas tecnologias.
“Hoje em dia, os contratos são digitais, uma foto, uma selfie do rosto. Enfim, tudo isso acaba corroborando para esses contratos serem válidos. As pessoas só vão clicando, tirando fotos se precisar, vão fazendo o passo a passo e muitas vezes não entende o que estão fazendo”, diz ela.
Apesar da dificuldade em obter retorno dos bancos para essas situações, Fernanda explica que as instituições bancárias podem ser responsabilizadas. Segundo a advogada, cabe ao banco provar que a pessoa quis realmente fazer aquele empréstimo ou adquirir determinado serviço.
Paulo Henrique Soranz, que também é advogado e atua em casos semelhantes, explica que os bancos precisam seguir certas normas para concessão de serviços de forma eletrônica. De acordo com ele, o Código de Defesa do Consumidor determina que a comunicação nesses casos deve ser clara e objetiva.
“Se a pessoa não consegue entender a modalidade que está contratando, ela não tem como levar a diante”, diz ele. “E tem abuso do banco porque, em muitos casos, a pessoa sequer recebeu o contrato e o dinheiro cai na conta. Dessa maneira, não vai ser simples fazer a devolução desse dinheiro”.
Ele completa que, na dúvida, o melhor caminho é procurar um advogado para acompanhar o caso. Além da ajuda jurídica, é importante registrar um boletim de ocorrência e fazer uma reclamação formal no Procon.
Outro conselho é ficar sempre alerta com ofertas simples e que garantam dinheiro rápido na conta. O caminho é sempre pesquisar de onde está vendo a proposta para garantir que não está caindo em um golpe.
“Se pesquisar, vai ser que, em geral, bancos desconhecidos e pequenos, que foram comprados por grandes instituições bancárias e são utilizados para fazer esses tipos de negócios que acabam gerando prejuízos para as pessoas”.
Para fazer uma reclamação no Procon Sorocaba, basta acessar procon.sorocaba.sp.gov.br/. Também é possível ser atendido pelo whatsapp 15 99198-2958 ou presencialmente em uma das unidades abaixo:
Atendimento presencial
Unidade Administrativa
Av. António Carlos Cômitre, 330/331 – Portal da Colina (ao lado do prédio da Justiça Federal).
Segunda a sexta-feira, das 9h00 às 16h00.
Casa do Cidadão Shopping Pátio Cianê
Shopping Pátio Cianê – Piso 3- Bloco B
Segunda a sexta-feira, das 10h00 às 18h00.
Casa do Cidadão Ipanema
Av. Ipanema, 3.349 – Vila Helena.
Segunda a sexta-feira, das 9h00 às 13h00 e das 13h00 às 15h00.
Casa do Cidadão Nogueira Padilha
Av. Nogueira Padilha, 1.460 – Vila Hortência.
Terças e Quintas -feiras, das 8h00 às 12:30h e das 14h00 às 15h00h