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O arteiro Francisco Chanes e sua criação pós-pandemia: Espaço Cultural Sorocleta

Ciclovias da cidade são o endereço nunca fixo do ateliê sobre duas rodas, que leva a arte do estêncil para os bairros de Sorocaba

Davi Deamatis (Portal Porque)

Chanes com seus estêncils. “Mexer com cores, desenhos, é uma atividade mágica: traz alegria para os lugares em que ela acontece.” Foto: reprodução Facebook

Há quatro anos, o artista visual Francisco Chanes teve seu carro roubado no Jardim Guadalajara. O Fiat preto era um meio fundamental para os seus deslocamentos, pois era nele que carregava as ferramentas e as tintas necessárias ao seu trabalho nos espaços públicos, especialmente nas aulas de estêncil que ministra em bairros da periferia.,

Sem o Fiat preto, Chanes tratou de logo encontrar alternativa para seus deslocamentos, pois tinha várias tarefas a cumprir nos dias seguintes. Recorreu a uma bicicleta, que ganhara numa rifa. Coloriu-a. E tratou de adaptá-la colocando um baú no porta-malas. Desmontável, o baú se abre pelas laterais, “feito asas, simbolizando a imaginação. Uma vez aberto o baú, dele saltam as tintas, os pincéis, os estiletes e tudo o mais de que preciso em minha ocupação.”

Estava criado o ateliê itinerante, ao qual o artista deu o nome de Sorocleta, em homenagem à cidade. Depois, ele gestou novo projeto: o Espaço Cultural Sorocleta, localizado na rua André Moreno Ramirez,130, Jardim São Marcos, “lugar de convívio dos que gostam de artes e cultura”. “Criei porque há carência de espaços culturais na cidade”, conta.

Arte Urbana

Formado em Artes Visuais na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em 1991, Chanes gosta da arte urbana. “A grande pegada dessa arte é a de você quebrar códigos, paradigmas e lugares pré-estabelecidos, como galerias, museus. Então, eu faço o quê? Pego a bicicleta e vou aos bairros da periferia ao encontro da garotada para realizar oficinas gratuitas de estêncil.”

“A malha de ciclovia de Sorocaba é bem extensa, o que facilita o deslocamento de um bairro a outro. As crianças e os adolescentes adoram as oficinas. Mexer com cores, desenhos, é uma atividade mágica: traz alegria para os lugares em que ela acontece. E a partir da realidade local, criamos arte”, explica.

Chanes cita como exemplo desse trabalho: “Uma semana antes de um evento de homenagem ao maestro Nilson Lombardi, numa praça que leva o nome dele, no Jardim Ipiranga, fui lá e vi meninos e meninas ouvindo e dançando funk, andando de skate, soltando pipas. A praça estava lotada. Perguntei aos jovens se sabiam alguma coisa a respeito do maestro. Não tinham conhecimento. Muitos nem sequer sabiam o nome da praça. Esse fato me trouxe a ideia de fazer o desenho de uma criança soltando pipa; mas, em vez de pipa, eu desenhei um piano na ponta da linha.”

“Voltei no dia da homenagem exibindo esse desenho, que atraiu a atenção dos jovens. Propus a eles que também desenhassem um piano. Um amigo meu, o Juca, levou uma marionete, com a imagem de Nilson Lombardi, para brincar com a garotada. Foi um sucesso. Pudemos dialogar com os jovens, chamando a atenção deles para quem foi o maestro e o tipo de música a que ele se dedicava”, conta o artista.

Essa forma de atuação encanta Chanes. “Respeito os espaços icônicos de arte. Mas a arte na rua, no muro, na parede, na quadra de esporte, muito me estimula. A exemplo do que ocorre no bairro Nova Esperança. Ali há uma escola cujo muro pintei dando aula de mosaico. E onde a juventude é bastante participativa.”

Em sua longa carreira, Chanes já participou de grandes eventos culturais da cidade a exemplo da Trienal do Sesc e do projeto Terra Rasgada, da Secretaria de Cultura do Estado, ao lado de importantes artistas da cidade, como Beto Cury, Lúcia Castanho e Lulé Castilho, entre outros.

O último deles ocorreu no Sesc, onde aplicou oficina de estêncil, nos dias 7 e 8 deste mês [janeiro de 2023], como parte da programação do Ateliê Aberto da mostra de “blz | ocupação Mônica Nador + JAMAC”, exposição que apresenta o trabalho desenvolvido pelo Jardim Miriam Arte Clube (JAMAC) em parceria com a artista Mônica Nador, na periferia da cidade de São Paulo.

Quinta reportagem da série “Arte da Resistência”, dedicada às pessoas que criaram espaços culturais alternativos em Sorocaba, em contraponto à falta de investimentos nos espaços oficiais. Para ler as reportagens anteriores, clique nos links abaixo.

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A Sorocleta, com seu baú que se abre como asas, foi uma alternativa para levar a arte aos bairros da cidade, depois que o carro foi furtado. Foto: divulgação

Espaço Cultural

Depois da pandemia de covid, Chanes decidiu criar um ambiente de cultura a fim de preencher uma carência que dizia identificar na cidade. “E que tivesse o perfil colaborativo, que valoriza o artista e multiplica a cultura em nossa comunidade, por meio das artes visuais, literatura, música, teatro, saraus etc.”

O primeiro evento serviu para o teste de receptividade da ideia. Realizou-se um evento com marchinhas de Carnaval, que teve a finalidade de levantar recursos a um artista em dificuldade por motivo de doença.

Foi uma explosão de alegria. Artistas da velha guarda vieram em peso, e brincaram durante toda a noite, com muita fraternidade. Estava criado o Espaço Cultural Sorocleta.

Usina de ideias

A atriz e diretora de teatro Méia Pereira, frequentadora do Sorocleta, diz: “Eu acho que este é ambiente bem coletivo, no sentido amplo da palavra. As pessoas vêm aqui para trocar experiências, para um ajudar o outro. Por exemplo, se alguém está montando uma peça de teatro, sempre vai encontrar aqui um parceiro que possa contribuir com ele executando alguma tarefa, dando alguma sugestão. Aqui é uma usina de ideias.”

“Este espaço proporciona isso, o congraçamento. Aqui, de repente, algum artista se senta num banquinho e toca o violão, canta, outro declama uma poesia, lê uma crônica, algum fotógrafo vem e faz seu registro. Enfim, tem sempre alguma coisa acontecendo ao seu lado, de forma espontânea. Inclusive de culinária, pois do nada ocorre de alguém surpreender os frequentadores trazendo um prato de comida a fim de partilhar sua habilidade na cozinha”, exemplifica Méia.

“Onde mais acontece uma coisa maravilhosa como essa? Desde que o Chanes abriu este espaço, nunca fui a outro lugar aos meus sábados, pois é este a dia em que os eventos acontecem, sempre a partir das 19h30”, conclui a atriz.

Culinária

Chanes diz que a culinária é outro evento de grande atração no Sorocleta, de preferência os pratos regionalizados preparados por José Carlos Amaral Júnior e o Zé Bocca. Este último, além de bom contador de histórias, é excelente cozinheiro, e toca o projeto “Cozinha por Acaso”.

Neste sábado (14), a partir das 19h, Zé Bocca estará servindo língua bovina, acompanhada de purê de batata doce e do clássico nhoque com molho de tomate. Bocca assegura que a comidinha é de primeira, o preço é justo e a prosa é boa.

Estêncil em homenagem ao maestro Nilson Lombardi (detalhe): oficinas liberam a criatividade. Foto: divulgação

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