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No começo dos anos 80, uma consagrada Gal Costa brilhava no palco do Recreativo

Produtor João Caramez lembra que foi um dos primeiros shows em que Gal levou o cenário na turnê. Ela entrava no palco descendo uma escadaria

José Antônio Rosa* (especial para o Portal Porque)

Gal passou por Sorocaba com o show “Fantasia”, que tinha entre como carro-chefe o megassucesso “Festa no interior”. Foto: arquivo pessoal/divulgação

Vamos combinar que este ano de 2022 não tem sido exatamente muito auspicioso, para usar de um eufemismo, para com as artes. E, podem acreditar, não me agrada em absoluto falar, rememorar e destacar a importância daqueles que partem antes do combinado, famosos ou não. Agora há pouco, ganhou as manchetes a morte, hoje, de Gal Costa, para muitos uma das maiores cantoras da MPB. Contava ela com 77 anos.

Nascida Maria das Graças Pena Burgos, Gal despontou para o estrelato na Bahia e somou com outros três ilustres conterrâneos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, na clássica formação dos “Doces Bárbaros”. Antes disso, claro, já soltara a voz, com os amigos, mais Tom Zé, no álbum “Tropicália – Panis et Circenses”, projeto que alavancou um dos movimentos musicais mais icônicos do país, dado ao arrojo, à criatividade, ao talento dos participantes e ao toque magistral do maestro Rogério Duprat.

Gal tem uma trajetória das mais prolíficas e consistentes dentro da MPB. Gravou discos seminais e, na avaliação de muitos, assumiu o posto deixado por Elis Regina como a melhor intérprete brasileira.

O canto suave, o timbre e a tessitura vocal ela aprimorou ouvindo João Gilberto, referência primeira para quem é arrebatado pela boa música. Gal tem uma discografia de responsa e gravou incontáveis sucessos. Sempre vale ouvir “Baby”, “Objeto não identificado”, “Divino, maravilhoso”, “Cinema Olympia”, todas de Caetano. “Meu nome é Gal”, por exemplo, tema onde ela faz o que bem entende com a voz indo buscar as notas mais altas, foi um presente da dupla Roberto e Erasmo Carlos.

Gravar autores consagrados foi uma constante na carreira da artista. De Chico Buarque, deu brilho a “Folhetim”, Milton Nascimento ficou feliz com a interpretação de “Paula e Bebeto” e “Me faz bem”. Djavan comparece no repertório com “Nuvem negra”, “Faltando um pedaço”, “Topázio”. Outros projetos ocupam lugar de destaque e são até hoje cultuados, como “Fa-Tal”. Ela ainda dedicou um disco emblemático a Dorival Caymmi, cuja faixa “Só louco”, acabaria sendo aproveitado como abertura da novela “O casarão”, da Globo, lá por volta de 1976. Em meados de 1980 dividiu com Tim Maia os vocais em “Um dia de domingo”. Curiosamente ele, conhecido pelos arroubos e gênio forte, não teria gostado do resultado. Entendeu que sua voz saiu “empastelada”. Puro preciosismo.

Vieram trabalhos igualmente irretocáveis como o “Acústico MTV”, gravado no Memorial da América Latina, com orquestração e arranjos de Wagner Tiso e a presença de convidados como Zeca Baleiro, Luiz Melodia e Herbert Vianna.

Sim, Gal viajou o país e o mundo em turnês memoráveis. E, sim, passou por Sorocaba. “Como alguém consegue viver sem passar por Sorocaba? ”, perguntou certa feita um amigo. Pois Gal Costa esteve aqui, mais exatamente no Recreativo, no começo dos anos 80, com “Fantasia”, também título do álbum então gravado, e que destacava “Festa do Interior”, de Moraes Moreira e Fausto Nilo.

O produtor João Caramez lembra de outras vindas nas quais trabalhou como em “Gal tropical”, que ocupou o Ginásio de Esportes. “Foi um dos primeiros shows nacionais a viajar com cenário”, ele rememora. “Ela aparecia descendo uma escada. Era um artista especial, sempre atenta e que se entregava ao público”, conclui.

O clube Recreativo divulgava suas atrações numa revista editada e que contava, na equipe de um só redator, com este que escreve as linhas ora dadas à leitura. À frente da empreitada estava o jornalista Alcir Guedes, um dos mestres com quem tive o privilégio de trabalhar. Gal lotou a sede campestre do clube, fez um sucesso estrondoso e, atendeu à imprensa muito rapidamente, ainda que se mostrando solícita. Eu estava entre os que tiveram acesso ao camarim. Ela estava exultante, feliz, mas também carregava a timidez. Trocamos algumas palavras, ela falou do álbum e da sorte em poder gravar compositores renomados e abrir espaço para aqueles que se lançavam.

Na segunda de madrugada, coincidentemente, assisti no Canal Brasil, um especial no formato de série no qual Milton Nascimento recebe convidados para conversar e cantar seus sucessos. O episódio em questão tinha como convidados Gal e Samuel Rosa, da banda Skank.

Valeu, Gal. A música fica mais pobre, mas o seu legado nos enriquece a todos.

*José Antônio Rosa é jornalista e advogado

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