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Exposição celebra 40 anos de amizade entre Júlio Veredas e Elomar Figueira Mello

Em 30 obras expostas a partir desta quinta-feira (20), em São Paulo, artista sorocabano mostra influência das músicas e da vivência com o cantor e compositor baiano em seu trabalho

Maíra Fernandes (Portal Porque)
  • Julio Veredas.
    Foto: Renata Rocha
  • Foto: Renata Rocha
  • Foto: Renata Rocha

Há 40 anos ele deixou de ser apenas Júlio e passou a assinar Veredas. A assinatura em alusão aos muitos caminhos percorridos pelo artista sorocabano, no entanto, foi sugestão e uma espécie de batismo daquele que, até hoje, é sua maior inspiração e ídolo: o compositor e cantor baiano Elomar Figueira Mello.

Da admiração pelo cancioneiro à amizade que perdura há mais de quatro décadas, as veredas de ambos se cruzaram em diversas formas e momentos, muitos deles eternizados pelo artista sorocabano em forma de obras de arte.

Dessas, 30 foram selecionadas para compor a exposição “Profundus, Sertanus, Incantatus” que entra em cartaz no Centro Cultural São Paulo, nesta quinta-feira (20), e celebra o encontro e a amizade entre o artista sorocabano e o músico baiano.

Com curadoria de Allan Yzumizawa e produção de Marcia Mah, a mostra é composta por desenhos feitos em grafite sobre papel e nanquim sobre papel e aquarela, criados desde o início dos anos 1980 – quando Júlio Veredas conheceu Elomar pessoalmente –, até 2022. O projeto é realizado com o Prêmio Exposição Inédita, do Proac (Programa de Ação Cultural) 2022, com apoio do Centro Cultural São Paulo.

Na abertura da mostra, nesta quinta-feira (20), haverá ainda apresentação musical do repertório de Elomar Figueira Mello, comandada pelo maestro e violonista João Omar e a violoncelista Gabriela Mello, filho e neta de Elomar, respectivamente. A entrada é gratuita.

O grande encontro

Selecionar 30 obras de Júlio Veredas que representam a amizade entre Elomar e ele não foi tarefa fácil. Desde que, nos idos dos anos 1970, o artista sorocabano teve acesso a uma fita cassete com a obra do músico – até então desconhecido para ele – o impacto daquela descoberta sonora tão perturbadora quanto fascinante para o jovem artista teve reflexo imediato no seu fazer artístico.

Expondo trabalhos nas ruas de São Paulo e já imerso na obra de Elomar, quis o destino soprar a favor de Veredas: o filho do procurador do cantor e compositor baiano em São Paulo, à época, era amigo de uma pessoa próxima a ele e, ao tomar conhecimento da admiração do artista sorocabano, promoveu o encontro que mudaria os rumos da vida de Veredas. “Eu cheguei à sala e ouvi a voz dele [se referindo a Elomar Figueira Mello] em outro lugar da casa. Fui falar com ele e ele perguntou: é você que conhece toda a minha obra?”, lembra o sorocabano.

O encontro potencializou a admiração de Veredas e, com sua criação, então mais robusta e cada vez mais influenciada pelo universo elomariano, Veredas foi bater na porta do Masp (Museu de Artes de São Paulo).

Após algumas tentativas sem devolutivas e prestes a pegar sua pasta e desistir do intento, o sim de um dos mais importantes espaços culturais do país veio em forma de convite para uma exposição individual no Masp, em 1983. Feito esse inédito para um artista sorocabano à época e ainda não superado.

O divisor de caminhos

A exposição de Veredas no Masp não apenas abriria o caminho para o artista no concorrido mundo das artes, mas novamente o colocaria próximo ao seu ídolo.

Ao tomar conhecimento do trabalho de Veredas, Elomar escreveu que o sorocabano não apenas expressava em imagens suas músicas, mas entendia seu universo muito melhor do que ele, chancelando, assim, Veredas como catalisador e difusor de rica produção elomariana.

“Quando vi pela primeira vez os desenhos desse malungo Júlio Veredas, gostei muito, pois vi desenhos de algumas estrofes minhas e centenas dele. Vi que retratava a própria vereda que sua alma bonita percorre. Ao contemplá-los, consigo ver, como que em sonhos, fragmentos de momentos das paisagens que minha alma viu antes de nascer, assim como também ouço o prenúncio, apenas aurora mágica que anunciam a impossibilíssima ressurreição de uma daquelas perdidas e distantes tardes da infância”, escreveu Elomar Figueira Mello.

A admiração mútua entre os artistas e suas respectivas obras abriu espaço para a amizade. Veredas se tornou o procurador de Elomar. Homem de sua confiança, o sorocabano chegou a passar temporadas morando em Vitória da Conquista, Bahia, vivenciando, de perto, toda a inspiração das criações do músico e estreitando o laço que, mesmo passadas quatro décadas, está longe de afrouxar. Pelo contrário: Veredas se emociona ao lembrar os maus momentos que Elomar passou na pandemia de Covid-19, quando contraiu o vírus e esteve internado, em 2021. “Fiquei muito preocupado.”

O alento, no entanto, como ocorre com bons amigos, veio em forma de um longo e confortante áudio em que Elomar assegura ao amigo que está bem, “ressuscitando e já pegando no violão”.

Malungos

Aos 85 anos, Elomar não estará na abertura da exposição, mas mandou representantes: seu filho e neta vão prestigiar o evento que celebra a amizade entre os “malungos” – termo usado para designar amigos e, não por acaso, utilizado entre eles.

Para o malungo Julinho que se tornou Veredas por sugestão do sertanejo Elomar, o momento também reitera a visão profética do amigo que, uma vez, lá no início da amizade, adiantou a ele esse cenário: “Nosso trabalho não é para agora, mas para daqui uns 30 e 40 anos”, lembra Veredas sobre o reconhecimento que comemoram, agora, com a exposição.

Sobre os artistas

Júlio Veredas – Com uma atuação intensa há mais de 40 anos na artes visuais, se destaca pela singularidade de seu trabalho, que dialoga com a música e a literatura e constrói uma obra que traz aspectos da cultura popular sob a perspectiva da busca e exploração do sertão de si mesmo. Artista autodidata, desde muito cedo passou a freqüentar cursos livres de artes e atuar na área de eventos culturais. Natural de Sorocaba, residiu por muitos anos na Capital convivendo com grupos de música e teatro, quando inicia as primeiras mostras de seus desenhos, realizando exposições individuais no Centro Cultural São Paulo e no Masp (1983/1984), mantendo em paralelo uma produção em Sorocaba, com artistas diversos e na cidade de Vitória da Conquista, terra do compositor Elomar Figueira Mello, que passa a ser uma grande referência em seu processo artístico.

Elomar Figueira Mello – Baiano de Vitória da Conquista, é compositor, escritor, violonista e cantor. Hoje com 85 anos, é considerado um artista ímpar na música brasileira e sua obra surge como um marco significativo dentro do panorama da música popular brasileira, marcada pela forte presença de variantes dialetais, arcaísmos e neologismos, formando uma linguagem muito característica fundada na oralidade sertaneja. Suas letras abrangem uma ampla gama de temas, na maior parte das vezes vinculado ao imaginário rural do sertanejo nordestino, ainda que com elementos medievais, cristãos e ibéricos.

Serviço

Exposição “Profundus, Sertanus, Incantatus”
Autor: Júlio Veredas
Quando: de quinta (20) a 23 de agosto
Onde: Centro Cultural São Paulo – Piso Flávio de Carvalho – Lateral 23 de Maio, na Rua Vergueiro, 1000, Paraíso, São Paulo.
Horário: de terça a sexta-feira, das 10h às 20h; aos sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h
Entrada: Gratuita

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