
Divulgação do resultado da eleição para o conselho foi precedida de acusações de irregularidades e até mesmo informação privilegiada. Foto: Foguinho/Arquivo SMetal
A chapa que concorria à eleição para o Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), formada em sua maioria por artistas críticos à atual gestão da Secretaria da Cultura (Secult), anunciou que entrará com uma representação para tentar cancelar o pleito, cujo resultado foi divulgado na noite de terça-feira, 31, dando como eleita uma chapa — segundo voz corrente no meio cultural — mais alinhada ao governo Manga.
A informação foi confirmado pelo Fórum Permanente de Culturas de Sorocaba (Fopecs) e artistas e entidades ouvidas pelo Portal Porque.
Antes mesmo do início da votação, uma das entidades integrantes da chapa que perdeu a eleição, a Feira do Livro e Autores Sorocabanos (Flaus), já havia pedido impugnação do edital à Secult e à presidência do CMPC, no início do mês de janeiro.
Para os artistas, o processo todo foi equivocado: desde o edital, segundo apontam, houve falta de transparência no processo de votação e apuração, e até favorecimento de informação na divulgação do resultado.
Favorecimento de informação
Em nota, a secretaria de Comunicação (Secom) divulgou, passando já das 21h de terça-feira, 31, que a chapa concorrente com mais integrantes alinhados ao governo Manga foi a vencedora da votação. No entanto, ainda na tarde de terça-feira, enquanto membros da outra chapa buscavam informações na Secult sobre a votação, realizada entre segunda e terça-feira, e não obtinham resposta, a cantora Teresa Baddini, representante do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba (IHGGS), divulgou, em suas redes sociais, um vídeo agradecendo a votação e comemorando a eleição.
“Nós vencemos a votação, estamos no conselho. O IHGGS será bem representado, ganhamos todas as categorias que estavam abertas, todas que nós indicamos nós entramos. Faremos um conselho diferente, de diálogo, de flexibilidade, para que a cultura da nossa cidade prevaleça”, comemorou.
O vídeo causou estranheza nos concorrentes, que durante todo o dia ficaram atrás de informação, sem respostas. Ao questionarem tanto Teresa em sua página quanto o próprio secretário Luiz Antonio Zamuner, a publicação foi retirada, mas o conteúdo já havia sido documentado.
Numa atitude que foi entendida como manobra para amenizar críticas quanto a um possível favorecimento de informações, a Secom publicou uma nota divulgando o resultado, na noite do mesmo dia 31.
Procurada pelo Portal Porque nesta quarta-feira, 1, Teresa Baddini, falando por si e pelo IHGGS, disse que no momento não quer se pronunciar, e afirmou não estar sabendo desse movimento da concorrência.
Deserto cultural
A divulgação do resultado na noite de terça-feira consternou os artistas, que já estavam indignados com o que apontaram como favorecimento de informação à outra chapa — para eles, uma clara predileção por parte da Prefeitura, considerando que as entidades vencedoras têm, segundo eles, pouca ou nenhuma participação nas discussões sobre políticas culturais da cidade e são, ideologicamente, mais alinhadas ao governo Manga.
“Está virando um deserto cultural”, pontuaram Márcia Mah e Nanaia de Simas, dizendo-se tristes por prevalecer em Sorocaba um pensamento classificado como arcaico, protecionista e distante, de fato, do fazer cultural. “Isso que está acontecendo é fruto do aparelhamento de todos os conselhos. Aconteceu a mesma coisa no Conselho da Mulher. Entraram para o CMPC entidades que não participaram da luta pela cultura, não participam da discussão da vida cultural de Sorocaba efetivamente, e que, quando promovem eventos, é dentro do seu próprio limite e para o seu próprio público”, criticou Nanaia.
A produtora Tetê Braga também se disse cansada e replicou a nota que enviou ao conselho, em forma de despedida. “Espero que os conselheiros façam algo que mude a situação cultural da nossa cidade. É o meu profundo desejo. Não aceitem tão fácil as decisões que vêm de cima. Eu estou embarcando pra outro país e a cidade perde mais uma de tantas vozes culturais. Continuem fazendo editais como esse da Linc e fazendo essas políticas pífias de cultura que o que Sorocaba vai ser é um agreste cultural. Parabéns aos envolvidos”, criticou, reiterando que fez seu melhor enquanto membro do conselho.
Problemas no edital
Datado do dia 5 de janeiro, um documento assinado pela entidade Feira do Livro e Autores Sorocabanos (Flaus), coletivo horizontal de autores independentes, e representado pelos escritores Adriana da Rocha Leite e Carlos Carvalho Cavalheiro, já pedia a impugnação do edital nº 05, de 22 de dezembro de 2022, pois, de acordo com eles, “existem omissões que comprometem a transparência e a legalidade do referido processo eleitoral”. O documento foi protocolado na Secult.
Dentre os destaques, listaram a falta de previsão de constituição de Comissão Especial Eleitoral, com estabelecimento das competências, número, forma de escolha e requisitos dos membros para sua composição; a não menção e estabelecimento de prazos para cadastro dos eleitores; omissão sobre a definição das etapas e prazos da eleição (divulgação de habilitações/inabilitações, impugnações, apresentação e julgamento de eventuais recursos e também para a divulgação do resultado definitivo de habilitação).
Apesar do estabelecido no item 3.2 do edital, apontam que não havia um calendário organizado e definido; nem informações sobre a estrutura e modelo de organização da eleição (on-line, presencial ou híbrido), tampouco sobre o sistema de votação (nominal, aclamação, voto secreto/cédula, etc). Também não constavam critérios objetivos para a escolha prévia, se houvesse mais de um inscrito por área, mencionando análise de currículos e/ou portfólios, bem como se seria adotado sistema de pontuação e, nesta hipótese, quais tópicos seriam considerados (tempo de atuação, premiações, etc), dentre outros.
Resultado
De acordo com a nota repassada pela Secom, o resultado da eleição para a formação do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC) no biênio 2023/2025, elegeu as cadeiras das Câmaras Temáticas da seguinte forma: Artes Cênicas (Associação Teatro Escola Mario Persico, com 62,8% dos votos); Associações, Coletivos ou Corporativos (Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba – IHGGS, com 44,1% dos votos); Cultura Digital, Artes Visuais e Audiovisuais (Academia Sorocabana de Fotografia, Cinema e Vídeo, com 59% dos votos); Livros, Leitura e Literatura (Società Culturale Italiana Di Sorocaba, com 42,1% dos votos); Economia Criativa (Associação Escola e Cultura em Foco, com 58% dos votos); Música (Conservatório Musical Rogério Koury, com 47,6% dos votos); e Profissionais e Produtores Culturais (Gabinete de Leitura Sorocabano, com 45,1% dos votos). A nova diretoria do CMPC será eleita na primeira reunião ordinária.
A chapa concorrente tinha a seguinte formação: Artes Cênicas (Edmeia Pereira/Adriana Techera – Sociedade Civil Não Organizada); Associações e Coletivos (Flavinho Batucada/DJ Brandini – Coletivo Samba Sorocaba); Livros, Leitura e Literatura (Carlos Cavalheiro/Adriana Rocha – Feira do Livro e Autores Sorocabanos /FLAUS) ; Economia da Cultura (Márcio Bertasso/Magda Barbosa – Feira Selvagem); Música (Márcia Mah/Pêu Ribeiro – Coletivo Febre); Profissionais e Produtores Culturais (Tiago Oliveira/Ari Holtz – Sociedade Civil Não Organizada); Cultura Digital, Artes Visuais e Audiovisual (Teylor Soares/Romulo dos Santos – Fórum Permanente de Culturas de Sorocaba/Fopecs).
Entre as principais atribuições do conselho, estão: propor e aprovar, a partir das decisões tomadas nas conferências, as diretrizes gerais do Plano de Cultura e acompanhar sua execução; apreciar e aprovar as diretrizes gerais do Sistema de Financiamento à Cultura e checar o funcionamento dos seus instrumentos, em especial o Fundo de Cultura; e fiscalizar a aplicação dos recursos recebidos decorrentes das transferências federativas.