
Estudantes protestam, em todo o Brasil, pedindo a renovação do novo modelo de ensino. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Criados com o objetivo de dar aos jovens a opção de escolher uma área para aprofundar os estudos, os itinerários do Novo Ensino Médio estão, na prática, sendo impostos e até mesmo sorteados entre os estudantes nas escolas estaduais do país.
Por falta de professores, espaço físico, laboratórios e turmas lotadas, as escolas não conseguem atender a opção feita por todos os alunos e acabam por colocá-los para cursar os itinerários disponíveis. Sem ter a escolha respeitada, os estudantes têm 40% das aulas do ensino médio em áreas que não são as de seu interesse.
Especialistas alertam que o modelo acaba por promover o efeito contrário do que buscava: distancia o ensino do que interessa aos jovens e, consequentemente, reforça os baixos níveis de aprendizagem e o risco de abandono escolar.
Pressionado desde o início do governo por professores, estudantes e entidades da área para revogar a lei do Novo Ensino Médio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, na terça-feira (21), que pediu ao ministro da Educação, Camilo Santana, que apresente uma nova proposta para a etapa.
A política do novo ensino médio estabelece que os alunos devem ter três mil horas de aulas ao longo dos três anos da etapa, sendo 60% da carga horária comum a todos com as disciplinas regulares. Os outros 40% são formados por optativas dentro de cinco grandes áreas do conhecimento, os chamados itinerários formativos. Pela lei, toda escola deve ofertar no mínimo duas opções de itinerários aos alunos.
Mesmo seguindo a lei, as escolas não têm estrutura suficiente para atender a opção dos alunos. É o caso da Escola Estadual Adenilson Franco, em Franco da Rocha, São Paulo, que oferta quatro itinerários, mas não conseguiu garantir que a aluna Janet Baez, 17 anos, fizesse o aprofundamento na área que desejava.
No 1º ano do ensino médio, a escola consultou os alunos sobre qual itinerário queriam seguir nos próximos dois anos. Janet, já decidida a ser arquiteta, escolheu a área de matemática. Mas, no ano seguinte, descobriu que havia sido matriculada na turma de ciências humanas. “Disseram que não tinham como atender a vontade de todo mundo, que tinham que organizar as turmas para ficarem todas com o mesmo tamanho”, conta a estudante, que está no 3º ano e tem apenas uma aula por semana de matemática e de português. “O pior é que, além de não ter estudado a área que eu queria, ainda diminuíram o tempo das aulas normais para ter os itinerários. Eu quase não estudei matemática, química e física.”
Aprovada em 2017, a lei do novo ensino médio aumentou a carga horária dessa etapa de 2.400 horas para 3 mil horas. No entanto, limitou a parte das disciplinas comuns a 1.800 horas para que o restante seja complementado com disciplinas eletivas.
Conforme mostrou a Folha, os alunos têm reclamado que essas novas matérias estão tomando o tempo de conteúdos tradicionais. “Tiraram as aulas de matemática para colocar uma matéria sobre esportes radicais. Na aula, ensinam como alongar. Como eu vou tirar uma boa nota no Enem aprendendo a fazer alongamento?”, questiona Janet.
Para a professora da Unifesp e integrante da Repu (Rede Escola Pública e Universidade), Débora Goulart, a imposição dos itinerários é inevitável em razão da estrutura das redes de ensino e das escolas.
“O modelo nunca foi pensado para de fato dar opção de escolha ao aluno. Primeiro, porque quem determina quais são os itinerários são as secretarias de educação. Depois, as escolas acabam se organizando conforme a estrutura delas permite, de acordo com o número de professores, salas de aula”, explica.
Professor da UFABC integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Fernando Cássio, diz que a reforma dessa etapa impôs que as escolas criassem os itinerários sem dar condições estruturais para a mudança. “Não houve contratação de mais professores, abertura de novas turmas, construção de laboratórios. Não se lidou com nenhum problema estrutural e as escolas ficaram com a incumbência de se organizar com o pouco que tinham. Criaram um modelo inadministrável e o sistema educacional público colapsou.”
Diretor executivo do Todos pela Educação (uma das entidades que apoia a reforma e é contrária à sua revogação), Olavo Nogueira Filho, reconhece que os problemas enfrentados pela rede não são apenas de uma implementação falha, mas de erro na concepção da política.
Ainda assim, ele defende que é possível fazer ajustes e “preservar a essência” da reforma, que seria a flexibilização das disciplinas. “O desenho da política errou ao estabelecer um limite de horas tão baixo para as disciplinas regulares”, afirma. “A questão dos itinerários também ficou muito solta e culminou nesse monte de caminhos absolutamente inadequados que estamos vendo no país. Com ajustes, é possível adequar ao que precisamos.”
Entenda o Novo Ensino Médio
Política aprovada em 2017, por medida provisória, durante governo de Michel Temer (MDB), definiu que parte da carga horária seria escolhida pelos estudantes para que pudessem aprofundar os conhecimentos na área de maior interesse.
O Novo Ensino Médio ampliou o número de horas de aulas anuais obrigatórias para a etapa, passando de 800 para ao menos 1.000. Assim, a carga horária total do ensino médio foi ampliada em 25%, de 2.400 para 3.000 horas, sendo:
60% da carga horária comum com as disciplinas regulares e 40% formada por optativas dentro de cinco grandes áreas do conhecimento, os chamados itinerários formativos.
O novo modelo vale para todas as escolas públicas e privadas do país. Cerca de 7 milhões de estudantes foram impactados com a política, a maioria deles (cerca de 85%) estão matriculados em escolas das redes estaduais de ensino.
A lei estabeleceu um prazo de cinco anos para as redes de ensino se prepararem, seguindo o seguinte cronograma: 1º ano do ensino médio em 2022, 2º ano em 2023 e os três anos da etapa até 2024.
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