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Estudo aponta aumento na taxa de suicídio entre mulheres e idosos durante pandemia

Cláudia Collucci (Folhapress)

As mulheres, além de enfrentarem a sobrecarga do trabalho doméstico aliada ao home office, também tiveram que auxiliar no ensino dos filhos, que, com as escolas fechadas, passaram a estudar em casa, explica o psicólogo Felipe Ornell, em fala sobre o aumento da taxa de suicídio dos grupos vulneráveis. (Foto: Banco de imagens/Pixabay)

No primeiro ano de pandemia de covid-19, as taxas de suicídio no Brasil tiveram alta entre mulheres (7%) e idosos (9%), mas se mantiveram estáveis na população em geral. Houve também uma grande variação de mortes entre as regiões do País. No Sudeste, os casos de suicídio entre jovens de até 19 anos aumentaram em 29%.

O PORQUE publicou duas reportagens sobre o assunto nos primeiros dias do Setembro Amarelo, uma sobre o suicídio ser uma das principais causas de morte entre adolescentes (acesse aqui) e outra sobre o papel das escolas no combate aos transtornos mentais dos jovens (acesse aqui).

A conclusão sobre o aumento da taxa de suicídios entre mulheres e idosos é de um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS) e da Unisinos. Ele foi publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, que comparou dados dos suicídios do DataSUS registrados em 2020 (11.334 no total) com a média de dez anos anteriores.

Em relação ao suicídio de mulheres, as regiões Norte e Sudeste apresentaram as maiores altas, com 26% e 23%, respectivamente. Em números absolutos, as mortes masculinas são quase quatro vezes superiores às das mulheres (8.881 contra 2.470, no ano de 2020).

Entre pessoas acima de 60 anos, o Norte também respondeu pela maior alta (53%). Já entre os jovens até 19 anos, houve maior crescimento no Centro-Oeste (33%), seguido do Norte (30%) e Sudeste (29%). O Norte também liderou a alta da taxa de suicídios entre os brancos (30%). E a região Sul ficou no topo entre os não-brancos (30%).

Segundo o psicólogo Felipe Ornell, um dos autores do estudo e pesquisador do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do HC de Porto Alegre, é preciso que as campanhas e as políticas de prevenção do suicídio olhem para essas particularidades. “A gente não pode trabalhar o suicídio de forma genérica ou individualizada. Precisamos de políticas específicas para grupos específicos.”

Ele levanta algumas hipóteses para explicar o aumento das taxas entre os grupos mais vulneráveis durante a pandemia. As mulheres, por exemplo, além de enfrentarem a sobrecarga do trabalho doméstico aliada ao home office, também tiveram que auxiliar no ensino dos filhos, que, com as escolas fechadas, passaram a estudar em casa.

“Foram as mulheres que também sofreram mais violência doméstica. Muitos maridos estavam em tratamento (por algum distúrbio psiquiátrico) e, com os serviços de saúde fechados, descompensaram.”

Estudos indicam que uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de violência nos primeiros 12 meses de pandemia. A auxiliar de serviços gerais Cristina, 54, é uma delas. Ela já tinha sido agredida pelo marido antes da pandemia, mas, durante a crise sanitária, as coisas pioraram porque ele, desempregado, passou a beber diariamente.

Atualmente, ela é acompanhada por psicólogo e psiquiatra em um centro de apoio psicossocial (Caps), na zona leste de São Paulo.

No caso da alta da taxa de mortes entre idosos, a suspeita de Ornell é que, por ser um dos grupos mais vulneráveis ao coronavírus, eles tiveram um isolamento social ainda mais restrito.

Para o psicólogo, não estão claros os motivos da região Norte ter registrado o maior aumento da taxa de suicídio no geral. “Por que o Norte? Será porque foi o epicentro da crise (sanitária) no Brasil, com pessoas morrendo por falta de oxigênio? O luto? A perda de renda?”

Segundo ele, é preciso muita atenção com esse atual período, em que o pior da crise sanitária parece ter passado, mas as pessoas ainda vivem as consequências dela.

“O sofrimento de um transtorno psiquiátrico é imediato, mas o tratamento não é como uma cirurgia, que logo se resolve. São anos de tratamento”, afirma o psicólogo, que aponta que pode ocorrer um aumento das taxas de suicídio na população em geral nos próximos anos.

O pesquisador também lembra que o Brasil tem um dos maiores índices de transtornos mentais do mundo e uma das possíveis causas é a insuficiência de serviços e profissionais para atender no sistema público de saúde.

“Na questão do suicídio, é preciso prevenção na escola, nas redes de assistência social. É preciso romper essa ideia defasada de que saúde mental só se resolve com medicamento. É preciso identificar sinais de que a pessoa está em risco.”

Além disso, explica Ornell, existe uma forte herança cultural da internação de doentes mentais nos manicômios, o que faz com que as pessoas evitem admitir que estão sofrendo problemas mentais, com medo de serem taxadas como loucas.

“Por isso, é importante promover a educação em saúde mental, estimulando que as pessoas falem sobre o problema.” Também é fundamental democratizar o acesso aos serviços em saúde mental, qualificando as unidades públicas na área.

O pesquisador é autor de uma cartilha em que descreve como compreender, identificar e intervir nos sinais do suicídio. O material está disponível no site da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio Grande do Sul.

Onde buscar ajuda

– Procure a Unidade Básica de Saúde (UBS) ou o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) mais próximo da sua residência
– Em caso de emergência, entre em contato com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ligando para 192
– Converse com um voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV) ligando para 188 (chamada gratuita a partir de qualquer linha telefônica fixa ou de celular de todo o território nacional.

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