
Bolsonarista, deputado Pastor Eurico (PL-PE) deturpa projeto original e afronta decisão do STF, que liberou o casamento homoafetivo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Amparado em um discurso extremista, o Pastor Eurico (PL-PE) conseguiu aprovar a proibição do casamento homoafetivo na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados. Para ele, como dois iguais não podem procriar, não devem ter o direito legal ao matrimônio. A votação foi realizada nesta terça-feira (10), em Brasília, e foi vencida pela base conservadora – formada em sua maioria por evangélicos bolsonaristas – por dez votos a cinco.
Em Sorocaba, casais LGBTQIA+, beneficiados pela decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), repudiaram a decisão dos parlamentares. A social mídia Ana Paula Melo, por exemplo, conta que se casou com a companheira, em 2017, para celebrar a conquista.
“Quando nos casamos, falamos que era um ato político e de amor, mas queríamos que a nossa união fosse mais uma para contar nas estatísticas. O que temos hoje é um retrocesso sem tamanho, ainda mais quando defendem que não geramos filhos, deslegitimando a adoção, as mães e pais solo.”
Ela completa que a ação dos deputados conservadores parece ter o objetivo de mudar a atenção para outros temas. “Com tanta coisa séria para ser discutida e votada, ficaram mexendo em um direito conquistado. Parece uma cortina de fumaça para bagunçar e aprovar outras coisas.”
Para o professor João Mendes, casado desde 2021, o resultado da votação é uma “patacoada”. Ele aponta que, ao se casarem, pessoas do mesmo sexo apenas buscam exercer o direito de existir, como qualquer outro ser humano, e destaca a importância disso para questões legais como receber pensão e herança.
João também enfatiza que usar a bíblia como parâmetro para impor leis e costumes já deu errado antes.
“Na Idade Média, muita coisa ruim aconteceu, muita gente morreu em nome de Deus e, tantos anos depois, as pessoas revivem isso. São falsos profetas usando da religião para proferir o ódio.”
O professor completa que é preciso respeitar as diferenças de crenças e culturas, além de afirmar que a comunidade LGBTQIA+ vem batalhando por direitos. “Não vamos desistir, vamos continuar lutando para que esse retrocesso não se concretize no Brasil.”
Michel Carvalho, professor que celebrou o matrimônio em 2017, explica que, além do desejo de se unir ao companheiro, pesou na decisão a ascensão da extrema direita e dos evangélicos no Brasil.
“Vejo com muita tristeza essa aprovação, mas sem nenhuma surpresa. A gente se casou para ter uma segurança legal diante do projeto de poder, de visão de mundo que eles tentam impor sobre os outros”, enfatiza.
Para o docente, apesar de saber que a proposta é inconstitucional e que, provavelmente, não avançará, é preocupante a intenção dos parlamentares de maioria evangélica. “A religião proíbe eles [de casarem com pessoa do mesmo sexo]. Quem segue [essa ideologia] são eles. Eu só quero ter meus direitos e viver dignamente, assegurado pela lei.”
Inconstitucional
O relatório do Pastor Eurico (PL-PE) deturpou a proposta original, apresentada pelo falecido deputado Clodovil Hernandes e afrontou a decisão do Supremo ao estabelecer que casais homoafetivos não podem celebrar o matrimônio. O texto aprovado também diz que nem o poder público nem a legislação civil poderão determinar o casamento religioso.
A proposta, agora, passa por duas comissões da Câmara dos Deputados – a de Direitos Humanos, que tem maioria de base governista, e de Constituição e Justiça, que tem como presidente Rui Falcão (PT). Com isso, a proibição dificilmente avançará.
O técnico judiciário Alexandre Henrique de Jesus ressalta ao Portal Porque que a proposta é inconstitucional. Ele também destaca que a esperança é que o projeto seja barrado nas demais comissões.
“A aprovação nessa comissão é abominável. Entretanto, já era esperado pela predominância de deputados estreitos com a extrema direita. Mas as duas outras comissões não têm a mesma predominância bolsonaristas e são presididas por deputados do PT, que têm se posicionado contra o texto. A expectativa é que a iniciativa não consiga apoio para ir ao plenário da Casa”, afirma.
A posição de inconstitucionalidade foi confirmada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). O documento publicado pela entidade destaca que “negar direitos em razão de orientação sexual ou identidade de gênero é uma grave violação do princípio da dignidade da pessoa humana.”
A OAB completa que: “proibir o casamento homoafetivo é uma forma de impedir parte do exercício de cidadania da população LGBTI+. Qual será o próximo passo? Proibir a votação? A investidura em cargos públicos? Avançar por esse caminho é um perigo para a garantia dos direitos sociais de grupos vulnerabilizados.”
Autorização do STF
O casamento homoafetivo foi reconhecido pelo Supremo em 2011. Depois, em 2013, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), por meio da Resolução 175, estabeleceu que os casais do mesmo sexo tinham direito ao casamento civil e à conversão da união estável em civil. A medida também determinou que tabeliões e juízes estavam proibidos de recusar o registro desses matrimônios.
Segundo a Arpen/SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo), desde 2013 mais de 29 mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo foram celebrados no Estado de São Paulo.
Desse total, 58,7% – cerca de 17 mil – foram matrimônios entre casais femininos. Já os casamentos entre casais masculinos respondem por 41,3% do total de uniões celebradas nos cartórios paulistas, com mais de 12 mil registros.