
A dupla romântica formada por Kate Winslet e Leonardo Dicaprio encantou plateias do mundo todo e ajudou a levantar a terceira maior bilheteria da história. Foto: Reprodução
O Royal Message Sheep-RMS Titanic começou a ser construído em 1908 pela empresa White Star Line, então uma das maiores empresas do setor naval. Os estaleiros irlandeses erguiam ao mesmo tempo uma embarcação gêmea: a RMS Olympic. Passados quatro anos, as duas naus estavam prontas. O Olympic foi abalroado nas docas de Liverpool e quase foi à deriva. Em 15 de abril de 1912, após um choque contra um iceberg, o Titanic naufragou.
Ao longo dos quase 120 anos da tragédia, as lendas e teorias conspiratórias se multiplicam para explicar o caso Titanic.
Com a invenção do aço em 1863 pelo cientista Bessemel, o controle da eletricidade e o avanço da exploração petrolífera durante a Segunda Revolução Industrial, o caminho para a construção dos transatlânticos estava traçado. As viagens transoceânicas de passageiros eram essenciais para a constituição dum mercado mundial. O Titanic era o ápice dessa política anterior à Grande Guerra de 1914.
A construção nos estaleiros levou pouco mais de três anos. A extensão do navio era de 269 m (equivalentes a 2,5 campos de futebol de linha do gol à outra). A altura de 53 m assemelhava-se a 18 andares de um prédio. Em dias atuais, o custo seria de R$ 900 milhões. A lotação da nau previa 850 tripulantes e 2.500 passageiros.
Dentro, a embarcação possuía três setores. A primeira classe, com aposentos de luxo, dezenas de serviçais e áreas de lazer semelhantes às dos hotéis mais luxuosos da Europa e Nova York. A segunda classe, com aposentos mais simples e pouco lazer. E a terceira classe, uma espécie de navio negreiro adocicado. Na única viagem realizada, a grande maioria dos mortos veio de lá. E isso não foi mera coincidência.
A nau partiu de Liverpool no dia 10 de abril de 1912. Destino: Nova York. No fim da noite nublada e sem lua do dia 13, a uma velocidade média de 35 km/h, o Titanic chocou-se contra um dos vários icebergs próximos ao Ártico. A região da colisão ficava a 400 km da Província da Terra Nova, no Canadá.

Bandeira da White Star Line, empresa responsável pela construção do então maior transatlântico do mundo. Foto: Reprodução
Entre o choque e o naufrágio por completo transcorreram duas horas e 40 minutos. Por isso, a data oficial da tragédia é 14 de abril de 1912. Oficialmente, após vários inquéritos, o número de mortos fechou em 1.514. Mais da metade deles provenientes da terceira classe. Os cerca de 1.000 sobreviventes foram resgatados ainda no dia 14 e levados até Halifax, no Canadá.
O imaginário do Titanic carrega duas questões: o medo de viagens marítimas e as teorias conspiratórias. Com o naufrágio, a White Star sofreu abalos consideráveis em sua reputação, ainda mais porque os inquéritos revelaram vários erros da empresa. Durante décadas, a paúra de viagens de navio foi tão grande quanto o medo da queda de avião.
E quais as lendas sobre o naufrágio? A mais citada era de que a empresa afirmava ser o Titanic ”inafundável”. Piada pronta o fato de a embarcação ter afundado logo na primeira viagem. Sabotagens, ataques alienígenas, testes dos U Boots do Império Prussiano para a futura Primeira Grande Guerra. Nenhuma delas justifica o óbvio: as falhas técnicas na construção e na segurança do Titanic.
Os erros principais foram:
• Com o acidente anterior do Olympic, algumas partes não usaram aço e, sim, ferro fundido;
• A planta naval continha falhas. O peso era mal distribuído;
• As três classes eram tomadas por verdadeiros labirintos de corredores. Além disso, para “isolá-las”, construíram-se grades que serviram como prisão para vários passageiros e tripulantes, quando a proa (a frente do navio) afundou por inteiro e começou a encher de água até quase a popa (que permaneceu fora das águas nos últimos 40 minutos).
E as principais deficiências na segurança? Vamos lá:
• Por ser “inafundável”, nenhum passageiro ou tripulante fez treinamento de segurança;
• Os tripulantes que ficavam na vigia da gávea (parte mais alta com um “cesto”) sequer tinham binóculos;
• Os botes de salvamento seriam suficientes para 2.000 pessoas. Mas ninguém havia sido preparado para salvar pessoas. Todos os 20 barcos de salvamento transportaram muito menos do que podiam. Num deles, por briga entre tripulantes, em vez de 70 pessoas foram apenas 9 crianças;
• A preocupação do comando da nau limitava-se à vida dos passageiros da primeira classe.
A arte e a vida
O escritor Kenneth More publicou o romance “A night to remenber”, em 1956. Tornou-se um clássico da tragédia do Titanic. No ano seguinte, saiu o filme “Uma noite para relembrar” (o cartaz original do filme é a imagem da capa deste texto). No Brasil, o título ganhou o título de “Somente Deus por testemunha”. Além deste, houve uma série de filmes B e livros sobre o naufrágio.
Mas nada supera o filme de James Cameron. Cineasta respeitado no mercado, Cameron era aficionado pelo tema Titanic. Em 1995 ele apresenta a ideia aos executivos da Fox e Paramount:
– Se passa no futuro?
– Não, em 1912 – explica Cameron.
– Tiros? Exterminadores?
– Não. É uma história de amor. Uma espécie de Romeu e Julieta,
– Perseguições?
– Nenhuma.
– Quem conta a história?
– Uma senhora de 102 anos.
– Custo?
– US$ 200 milhões.
– Externas?
– Sim, filmagens no oceano e comprar uma praia no México…
– Aprovado!!
Os destroços do navio foram encontrados em 1985. Cameron levou uma equipe para produzir as filmagens. Durante meses, conseguiu mais de 600 horas de imagens reais do Titanic. A maior parte, da proa e da primeira classe — ainda razoavelmente preservadas –, são as mais presentes. Antes de afundar totalmente, houve uma grande explosão e a popa desprendeu-se do barco.
Destroços se espalharam por cerca de 60 km2. Proa e popa encontram-se a 3 km de distância uma da outra e a 4000 m de profundidade. Valorizando o trabalho da equipe. Cameron pesquisou por mais de seis meses antes de escrever a história de amor entre a bela moça de 17 anos da primeira classe, Rose (interpretada pela excelente atriz Kate Winslet) e Jack (transformando Leonardo di Caprio no novo ícone do cinema americano).
“Titanic”, o filme, é uma bela história de amor com final trágico como em Romeu e Julieta. A verossimilhança é não só do cenário perfeito — afinal, acabamos nos sentindo dentro do Titanic na noite de 13 de abril, como também do romance. O filme foi um sucesso pois conseguiu fazer a plateia acreditar em Rose e Jack, mesmo sabendo o final triste.
A produção custou R$ 900 milhões, o mesmo valor atualizado do navio. O naufrágio levou 2 horas e 40 minutos, exatamente o tempo do filme. Foi o primeiro filme a ter mais público do que “…E o vento levou”. Até hoje, rendeu R$ 2,5 bilhões e é o terceiro em faturamento da história (perde para “Os vingadores”, de 2019, e “Avatar”, de 2011, este último também de James Cameron). Faturou 11 Oscars.
Winslet levou mais 10 anos para vencer a estatueta da Academia de Hollywood, Di Caprio teve de esperar 17. Fica a dúvida: a centenária Rose (Gloria Stuart) contou a história verdadeira ou apenas sonhou?
Uma lenda que circula sobre o filme sobre o personagem de DiCaprio. Um dos tripulantes da terceira classe era John Dawson e tinha os mesmos 22 anos de Jack Dawson no filme. É o que basta para afirmarem que Cameron se inspirou em cartas secretas do tripulante falecido no naufrágio.

Lápide do tripulante John Dawson, que teria, segundo as lendas recentes, inspirado o personagem Jack Dawson vivido por Dicaprio. Foto: Reprodução
Mais de um século depois…
Mais de um século depois, a soberba de quatro bilionários colocou o Titanic em evidência novamente. No afã de torrar centenas de milhões de dólares em novas aventuras, eles resolveram fazer um passeio diferente: navegar num submergível a 4.000 m de profundidade para ver os destroços do Titanic.
Tinha tudo pra dar errado e deu. A geringonça que misturava alta tecnologia com joystick de vídeogame mergulhou no Atlântico Norte e pouco tempo depois desapareceu. Foi o suficiente para a mídia criar uma novela com o enredo “o resgate do Titã”. O mundo acompanhou apreensivo as tentativas de encontrar os aventureiros vivos. Gastaram-se milhões de dólares na tentativa de resgate. Nada.
Os destroços só foram encontrados cinco dias depois. Os cinco tripulantes morreram esmagados pela pressão em um trilionésimo de segundo. Uma tristeza. Na mesma semana, centenas de imigrantes tentaram entrar na Europa num pobre barco. Não houve auxílio, não houve holofotes. Eles não nasceram com a cor certa nem pertencem ao estamento social que necessita ser salvo.
*Martinho Milani é professor de História, Filosofia e Geografia, doutor em História Econômica e mestre em História da África pela USP. Cofundador e articulista do site de blogueiros independentes Terceira Margem