
Grande parte dos alagamentos ocorre em lugares altos da cidade e não tem relação nenhuma com a vazão defluente do reservatório para o rio. Foto: J. Finessi
Vocês já notaram que quando ocorrem fortes chuvas em Sorocaba em regiões mais elevadas da cidade que nunca imaginaríamos, como a Av. Armando Pannunzio ou Av. Itavuvu, dentre vários outros bairros, também ocorrem alagamentos e inundações, e não somente nas áreas adjacentes ao rio Sorocaba? E que culpa tem a represa de Itupararanga desses alagamentos? Pois é, nenhuma culpa.
Importante refletir o imbróglio da última semana em Sorocaba, com inusitado pedido da Prefeitura e do SAAE ao Governo do Estado para assumir a gestão do reservatório de Itupararanga no lugar da CBA, visando diminuir a vazão defluente da represa e evitar “tragédias” decorrentes de alagamentos do rio Sorocaba. Mais, que haveria risco de grande vertimento (que foi entendido como rompimento) mesmo operando abaixo de 60% de sua capacidade, embora em acentuado ritmo de crescimento de seu nível devido às chuvas à montante do barramento. Importante salientar que as instituições da sociedade civil, o Comitê de Bacias Hidrográficas do rio Sorocaba e Médio Tietê (CBH-SMT), a própria Defesa Civil do Estado, todos atestaram que a represa é segura e por ora está sendo bem gerida.
De outro lado, na crise hídrica 2021/2022 o reservatório de Itupararanga chegou a operar com 18,96% de sua capacidade, próximo do nível mínimo operacional. Estes articulistas alertaram ao final de 2021 que seriam necessárias duras medidas para economizar água, fato que ocorreu a partir de janeiro/2022, quando a população de Sorocaba realmente precisou enfrentar racionamento de água visando contribuir com a recuperação da represa.
Analisando os dados recentes de significativos alagamentos do rio Sorocaba no verão 2021/2022, em plena e severa crise hídrica com racionamento de água à população sorocabana, nota-se que a vazão defluente da represa para o rio Sorocaba havia sido reduzida heroicamente pelo CBH-SMT de uma média de 6 m³/s para até menos de 2 m³/s, num dos patamares mais baixos durante as chuvas de verão. Naquela época, o SAAE, cautelosamente, precisou fazer alterações no projeto da ETA Vitória Régia para garantir a captação de 700 litros/seg. do rio Sorocaba sob risco de paralisação, sem dizer os problemas decorrentes da queda da qualidade da água pela baixa vazão, possivelmente deixando a operação de tratamento mais cara e colocando em risco a ictiofauna do rio.
Foi então neste período de crise hídrica com baixíssima vazão do rio Sorocaba não alterada que a cidade enfrentou, paradoxalmente, severos eventos de inundações e alagamentos pelo excesso de chuvas num dia, com o rio Sorocaba se elevando rapidamente e inundando diversos pontos. Ao mesmo tempo foram registrados alagamentos em regiões “elevadas” da cidade como nos Jardins Marli ou Marcelo Augusto, que são margeados por córregos.
É sabido que diante das mudanças climáticas em curso, provavelmente eventos como esses serão cada vez mais recorrentes, ora com excesso de chuvas, ora com escassez delas e consequente crise hídrica que vem ocorrendo em ciclos cada vez mais curtos.
Portanto, a causa dos alagamentos não é somente a maior vazão defluente da represa. Por hipótese, mesmo que a vazão da represa estivesse fechada as inundações do rio Sorocaba também ocorreriam. É preciso lembrar que o rio Sorocaba recebe ao mesmo tempo em seu leito água de 11 córregos. A impermeabilização crescente da cidade devido seu crescimento populacional também escoa muito mais água de chuvas para esses córregos que desembocam no rio Sorocaba. Até mesmo córregos com trechos em locais mais altos que o rio Sorocaba fazem a população sofrer. Os mais conhecidos como Água Vermelha, Supiriri, Piratininga, Pirajibu, ou o Itanguá (que tem 12 km de extensão), como sabido, transformam-se em verdadeiros rios durante as chuvas de verão.
Logo, tem-se um problema sério e histórico de drenagem urbana a ser resolvido, que é agravado pelos impactos adversos da expansão da cidade.
Portanto, continua sendo um dos problemas garantir que o rio Sorocaba possa manter sua dinâmica mais natural possível, o que faz surgir algumas questões: como assegurar que as populações prejudicadas pelos alagamentos possam ser cuidadosamente atendidas por programas habitacionais (sem que outros se apossem dos imóveis e de novas áreas) e ocorram intervenções criativas nesses locais como a do Parque das Águas, que atendem a população com lazer, mas servem como mitigadoras dos impactos das chuvas? Como garantir a vegetação nativa e as APPs do rio Sorocaba e seus córregos num conjunto de ações que propiciem a perenidade e a qualidade do rio, córregos, nascentes e vegetação, fatores estratégicos para nossa sustentabilidade? Enfim, como buscar uma cidade sustentável e resiliente?
Obras serão importantes, mas precisamos saber que alcançar a solução ideal demandará muito tempo, planejamento técnico e participativo, investimentos e também maior conscientização dos agentes políticos, gestores públicos e da população. Não serão soluções simples, tal como o senso comum nos faz pensar que basta antecipar ou fechar a vazão da represa nas chuvas ou, ainda, desassorear a calha do rio Sorocaba – que é medida complexa e que também traz sérios impactos ambientais, que se encontrará a solução milagrosa.
Diante do exposto, não se pode desviar ou esconder o problema central da drenagem urbana e do planejamento de Sorocaba. É preciso muito estudo, compreensão do planejamento possível da cidade que desejamos e sua ação integrada ao planejamento da região metropolitana e da bacia hidrográfica, sem comprometer as futuras gerações.
Afinal, a bacia do rio Sorocaba e seu reservatório de Itupararanga garantem o abastecimento não somente público, mas rural (irrigante), industrial, mineração e outros usos econômicos de 12 cidades com cerca de 1.200.000 habitantes. Estes são os verdadeiros desafios que estão postos.
Profa. Ms. Eleusa Maria da Silva, advogada, mestre em Sustentabilidade Ambiental, presidente da comissão de direito ambiental da OAB Votorantim e coordenadora da Câmara Técnica de Saneamento do CBH-SMT.
Prof. Ms. Flaviano A. de Lima, Professor da Fatec Tatuí/SP, advogado, economista, mestre em economia e doutorando em Ciências Ambientais pela Unesp Sorocaba/SP. Foi Secretário da Educação de Sorocaba, Presidente do Parque Tecnológico de Sorocaba e Presidente do Nuplan S/A.
Prof. Dr. Francisco Carlos Ribeiro, Professor Pesquisador do Centro Paula Souza, Fatec Sorocaba. É Vice-Presidente do Conselho de Desenvolvimento Rural de Sorocaba.
Prof. Dr. Vidal Dias da Mota Junior, Pós-Doutor em Ciências Ambientais, Doutor em Ciências Sociais, Professor e Pesquisador dos cursos de Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Sorocaba. Foi Diretor de Gestão Ambiental da Prefeitura Municipal de Sorocaba, Diretor do Parque Tecnológico de Sorocaba e Assessor Técnico da Agência Metropolitana de Sorocaba.