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O atentado de Roberto Jefferson tem a digital de Bolsonaro

Diogo Comitre*

Bolsonaro critica o inquérito que culminou na prisão de seu aliado, alimentando nas entrelinhas a deturpada visão de que Roberto Jefferson seria uma espécie de mártir do bolsonarismo, um verdadeiro preso político. Foto: reprodução Instagram

No dia 23 de outubro de 2022, Roberto Jefferson, ex-deputado e ex-presidente do PTB, promoveu um ataque contra agentes federais que cumpriam um mandado de prisão contra ele, em sua residência no interior do estado do Rio de Janeiro. Minutos depois, o presidente Bolsonaro tentou desvincular sua imagem de seu aliado, afirmando que não haviam fotos dele com Roberto Jefferson, o que foi rapidamente desmentido por diversos veículos de comunicação que publicaram diversas fotos dos dois juntos. A primeira declaração pública de Bolsonaro sobre o episódio foi:

“Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a ministra Cármen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP. Determinei a ida do ministro da Justiça ao Rio de Janeiro para acompanhar o andamento deste lamentável episódio.”

É interessante notarmos que mesmo em sua manifestação de repúdio às atitudes de Jefferson, Bolsonaro critica o inquérito que culminou na prisão de seu aliado, alimentando nas entrelinhas a deturpada visão de que Roberto Jefferson seria uma espécie de mártir do bolsonarismo, um verdadeiro preso político. Aliás esse foi o tratamento dado ao ex-deputado pela militância bolsonarista que se dirigiu até o local para prestar apoio ao autor do atentado contra os agentes federais. Além disso, tais pessoas, agindo com a costumeira brutalidade, passaram a agredir profissionais da mídia que faziam a cobertura do ocorrido. Também chama a atenção a determinação do presidente para que o ministro da Justiça acompanhasse o andamento da situação, já que o único fator que pode explicar tal atuação do ministro é a grande proximidade entre Roberto Jefferson e Bolsonaro.

Vale lembrar que não foi a primeira vez que Bolsonaro e sua militância trataram Roberto Jefferson como preso político, incentivando a população a se voltar contra as instituições da República, como o Supremo Tribunal Federal. No dia 23 de agosto de 2021, o presidente, em entrevista concedida à Rádio Regional, de Registro, afirmou:

“Foi preso há pouco tempo um deputado federal e continua preso até hoje, em prisão domiciliar. A mesma coisa um jornalista, ele é jornalista, é blogueiro, também continua em prisão domiciliar até hoje. Temos agora um presidente de partido. A gente não pode aceitar passivamente isso, dizendo: ah, não é comigo. Vai bater na tua porta.”

Na referida entrevista, o presidente se referiu a três personagens envolvidos em ataques contra a democracia: o deputado Daniel Silveira; o blogueiro Oswaldo Eustáquio; e o então presidente do PTB, Roberto Jefferson. Dias antes, em 20 de agosto de 2021, Bolsonaro entrou com um pedido de impeachment contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes, no Senado. Oras, o pedido feito ao Senado Federal e a entrevista dada dias depois revelam claramente o posicionamento do presidente em relação ao inquérito que investiga atentados promovidos por sua base contra a democracia. É notório que Bolsonaro considerou e considera até hoje o inquérito ilegal e arbitrário, elevando os investigados à condição de mártires que lutam pela defesa da liberdade. Na visão deturpada do presidente e de sua base, atacar a democracia é exercer a liberdade de expressão, o que ignora os pilares de um Estado Democrático de Direito, no qual atentar contra a democracia é um grave crime.

O impacto das atitudes irresponsáveis do presidente entre seus apoiadores pôde ser sentido dias depois, nas comemorações ao 7 de setembro de 2021, nas quais seus militantes ergueram faixas e cartazes pedindo a liberdade dos bolsonaristas presos pelos ataques à democracia, entre eles Roberto Jefferson, retratado nas manifestações como preso político. Na ocasião, Bolsonaro ainda reafirmou essa visão em seu discurso feito em Brasília:

“Nós não mais aceitaremos que qualquer autoridade usando a força do poder passe por cima da nossa Constituição. Não mais aceitaremos qualquer medida, qualquer ação ou qualquer certeza que venha de fora das quatro linhas da Constituição. Nós também não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos três poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil. Ou o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, disse, em alusão à suprema corte. “Nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada poder da República.”

O presidente ainda realizou um ataque direto ao ministro Alexandre de Moraes, dizendo que:

[…] qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais.”

Pouco mais de um ano após a irresponsável e antidemocrática fala de Bolsonaro, seu aliado Roberto Jefferson cumpriu as ordens de seu líder e se voltou contra a decisão de Alexandre de Moraes de revogar sua prisão domiciliar, recebendo os agentes da Polícia Federal com tiros de fuzil e com o lançamento de granadas. Ou seja, o atentado ocorrido no dia 23 de outubro de 2022 tem as digitais de Bolsonaro, que incentiva sua base a desrespeitar as instituições da República, disseminando o ódio entre seus apoiadores, que também agrediram o cinegrafista Rogério de Paula, da Inter TV, que cobria o ataque promovido por Roberto Jefferson contra agentes federais. Tal atitude, inclusive, passou a ser recorrente durante o segundo turno das eleições, já que seus apoiadores também hostilizaram equipes de reportagens do UOL, SBT e TV Vanguarda, em Aparecida, em pleno Dia de Nossa Senhora. Não é possível descolar a brutalidade dos militantes bolsonaristas de Bolsonaro, já que suas atitudes sistematicamente hostis e desrespeitosas aos profissionais da imprensa estimulam a parte radical de seus eleitores a agirem com violência contra os alvos da ira do presidente.

O mesmo podemos dizer dos ataques promovidos por Roberto Jefferson contra a ministra Cármem Lúcia, que certamente foram respaldados pelas declarações e atitudes de Jair Bolsonaro, que sistematicamente hostiliza mulheres e realiza falas extremamente machistas. Sobre a ministra, Jefferson afirmou:

“Fui rever o voto da bruxa de Blair, a Cármen Lúcifer, na censura prévia à Jovem Pan. Olhei de novo, não dá pra acreditar. Lembra mesmo aquelas prostitutas, aquelas vagabundas arrombadas, que viram para o cara e diz: ‘benzinho, nunca dei o rabinho, é a primeira vez’. Ela fez pela primeira vez. Ela abriu mão da inconstitucionalidade pela primeira vez.”

O discurso da inconstitucionalidade das ações promovidas pelo STF feito por Roberto Jefferson é recorrente em diversas falas do presidente da República, como mencionamos, por exemplo, no 7 de setembro de 2021. Ao comentar o atentado promovido por seu apoiador contra os agentes federais, Bolsonaro legitimou o discurso de Jefferson, ao afirmar que repudia “a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição”. A verdade é que o grande promotor do tresloucado discurso da ilegalidade das ações do STF é o atual presidente da República. Os ataques promovidos por sua base contra as instituições da república nada mais são do que ecos das irresponsáveis falas e atitudes de Jair Bolsonaro. O desprezo e o desrespeito as mulheres demonstrados por Roberto Jefferson também faz coro ao que é feito pelo presidente da República. Bolsonaro, em 2014, chamou a deputada Maria do Rosário de “vagabunda”, ameaçando agredi-la com a intimidação “dá que eu te dou outra”, além de ter afirmado que não a estupraria porque ela “não merecia”. Em 2018, o presidente insinuou que a jornalista Patricia Campos Mello, da Folha de São Paulo, teria oferecido sexo em troca de informações para a reportagem. Vale lembrar que Bolsonaro foi, inclusive, condenado em duas instâncias a indenizar a jornalista. Ainda podemos citar o caso de Daniela Lima, da CNN, chamada de “quadrúpede” pelo presidente e de Vera Magalhães, hostilizada no debate da TV Bandeirantes do Primeiro Turno.

Portanto, a sociedade e os meios de comunicação não podem aceitar a tentativa de Bolsonaro de se desvincular do atentado promovido por seu aliado Roberto Jefferson. É preciso resgatar as falas do presidente que trataram Roberto Jefferson como preso político, vítima das ilegalidades do STF, além de ressaltar as entrelinhas das declarações feitas por Bolsonaro após o ataque contra os agentes da PF, nas quais o presidente reafirma o discurso da ilegalidade que levou Jefferson a atentar contra a vida daquelas pessoas. No dia 24 de outubro, em entrevista ao Portal Metrópoles, Bolsonaro foi ainda mais explicito ao afirmar que:

“O Roberto Jefferson no meu entender tinha tudo para continuar com sua batalha por liberdade, mas quando ele atira em direção aos policiais e lança granada, que seja granada de efeito moral, ele perdeu a razão completamente.”

A entrevista deixa claro que na visão do presidente, Roberto Jefferson travava uma batalha por liberdade, e que ele tinha razão em promover ataques as instituições da República. O único erro atribuído a seu aliado foi o ataque direcionado aos policiais, ou seja, Bolsonaro insiste no discurso de ilegalidade das ações do STF, mesmo após o trágico episódio do dia 23 de outubro. Diante de lamentável e temerosa postura, é hora de reconhecermos que as atitudes de Bolsonaro foram responsáveis pela assustadora escalada da violência no processo eleitoral de 2022 e que sua base radical atua de maneira alinhada com seus discursos de ódio e de ataques às instituições da República e aos profissionais da imprensa. Além disso, é preciso lembrar que foram decretos assinados pelo presidente que permitiram o aumento da circulação e do acesso a armamentos, como os utilizados por Roberto Jefferson, que pouco tempo atrás eram de uso exclusivo das forças armadas. A verdade é clara: o atentado promovido por Roberto Jefferson contra agentes federais e a violência eleitoral praticada nas eleições de 2022 possuem as digitais de Jair Messias Bolsonaro!

*Diogo Comitre é professor do IFSP, mestre e doutorando do Programa de História Social da USP

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