
Ciro Gomes e Lula em um dos momentos do debate: pedetista insistiu na acusação de corrupção, enquanto Lula defendeu seu legado. Foto: Reprodução/TV Globo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder da corrida ao Planalto, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), em segundo nas pesquisas, protagonizaram trocas de ataques e acusações no debate entre candidatos à Presidência na TV Globo nesta quinta-feira (29), a três dias do primeiro turno. Eles fizeram sucessivos pedidos de resposta por ofensas pessoais, ofuscando os outros cinco candidatos no estúdio. O clima geral foi de nervosismo e tumulto, com participantes se atropelando nas falas.
Lula também foi alvo de Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil), Padre Kelmon (PTB) e Felipe D’Avila (Novo), que mencionaram casos de corrupção na era PT como o mensalão e o petrolão e a derrocada econômica da gestão Dilma Rousseff (PT).
Bolsonaro também recebeu ataques de Ciro, Tebet e Soraya, mas teve apoio de Padre Kelmon e D’Avila ao longo do debate.
O petista atacou Bolsonaro pelo descaso com a pandemia e a economia, revidou os ataques dos rivais, saiu em defesa dos governos do partido e usou o espaço para reforçar mensagens de sua campanha, como a promessa de combate à fome, redução da desigualdade e retomada do desenvolvimento.
Agitado, Bolsonaro foi repreendido em diferentes momentos pelo mediador William Bonner por tentativas de interrupção quando não tinha o direito de fala. O jornalista pediu obediência às regras acordadas previamente com todas as campanhas. Lula também foi orientado a respeitar as normas nos momentos em que falou fora de seu tempo oficial.
“O presidente quando aparecer aqui, por favor, minta menos”, disse o petista, perguntando ao antagonista sobre o sigilo de cem anos adotado por Bolsonaro sobre questões sensíveis para aliados e familiares, as denúncias de desvios no MEC e a “quadrilha da vacina”, que tentou negociar imunizantes contra a covid-19 com cobrança de propina. O candidato à reeleição rebateu: “O ex-presidiário diz que eu decretei o sigilo da minha família. Qual o decreto, me dá o número do decreto? […] Para de mentir.”
Bolsonaro contrariou fatos ao afirmar que faz “um governo limpo, sem corrupção, orgulho nacional”.
O mandatário e o ex-presidente apontaram escândalos um do outro, citando acusações que envolvem filhos, como a investigação de rachadinhas no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O presidente, que chamou Lula de mentiroso e traidor da pátria, devolveu: “Rachadinha é teus filhos roubando milhões de empresas após a tua chegada ao poder. Que governo de propina? Não tem propina. Nada tem [de escândalo] contra o meu governo, nada. Deixe de mentir. Tome vergonha na cara, Lula.”
O candidato à reeleição trouxe ainda ao encontro o assassinato do prefeito petista Celso Daniel, em 2002, buscando associar Lula ao crime. Lula rebateu: “Eu fui procurar o Fernando Henrique Cardoso para a Polícia Federal entrar no caso.”
Demonstrando irritação com o tom dos ataques e se desculpando pelo excesso de pedidos de resposta — que, segundo ele, atrapalhavam o ritmo do debate –, o ex-presidente disse que o principal oponente mentia: “Seja responsável, você tem uma filha de 10 anos assistindo o programa que você está fazendo.”
Bolsonaro se referiu ao petista várias vezes como ex-presidiário e usou a pauta da corrupção para fustigá-lo, dizendo que “a roubalheira imperava” e que ele acabou “com a mamata”. Ele também usou temas morais e religiosos para se contrapor ao petista, com alusões a comunismo e desarmamento. O candidato à reeleição, porém, decidiu não perguntar a Lula no momento em que teve chance de interpelá-lo em bloco de temas livres. Procurou se desvincular do pagamento das emendas de relator do Orçamento no Congresso.
Bolsonaro, que começou o debate em evidência, sobretudo pelos embates com o líder nas pesquisas, ficou apagado a partir do segundo bloco. Ciro foi outro que começou em alta, mas logo perdeu espaço.
No início, Ciro chamou Lula para debater, expondo acusações de corrupção. O ex-presidente repetiu medidas de seu governo para fortalecer órgãos de controle e investigação, acrescentando exaltações a conquistas que os mais pobres tiveram durante seu governo e a ganhos também dos mais ricos.
Ciro e Lula tiveram momentos de acerto de contas no ar, expondo mágoas do passado em que foram aliados e da campanha atual, em que o pedetista adotou retórica agressiva contra o ex-parceiro. Lula disse que nunca escondeu que teve a ajuda do ex-ministro para governar e retrucou críticas que ele tem feito ao PT. Ciro afirmou ter deixado o governo “justamente por conta das contradições de economia e, o mais grave, as morais”. O candidato do PDT não ensaiou recuar. Salpicou falas sobre corrupção generalizada, falou em delatores que confessaram desvios e citou devoluções de dinheiro.
Ciro também provocou Bolsonaro ao evocar acusações contra seu governo e seus familiares. Ele fez seus últimos apelos por votos, colocando-se como alternativa à polarização, queixando-se de que “esse país está mergulhado num conchavo absolutamente mortal”.
Foram concedidos dez direitos de resposta nos quatro blocos, quatro favoráveis a Lula, quatro a Bolsonaro, um a Kelmon e um a Soraya. O debate, que começou às 22h30, entrou pela madrugada. A série de imprevistos e direitos de resposta prolongou a duração. Só na parte final a discussão tomou um rumo menos bélico, com espaço para exposição de ideias sobre habitação, agricultura e educação.
O nanico Kelmon fez dobradinha com Bolsonaro, unindo-se ao presidente em críticas a Lula e à esquerda, usando argumentos parecidos com o do presidente. Ele reverberou a narrativa de que o petista, se eleito, contribuirá para uma suposta aniquilação de cristãos no Brasil e buscou relacionar o líder nas pesquisas a episódios de perseguição na Nicarágua. O religioso também se desentendeu com Soraya sobre a proposta da candidata de criar um imposto único. Ele disse que o país não precisa de mais tributos e que a oponente o desrespeitou, o que ela contestou.
“Nós temos um candidato cabo eleitoral do candidato Jair Bolsonaro, que por sua vez é o cabo eleitoral do candidato Lula”, disse a senadora sobre Kelmon.
Em pergunta sobre combate ao racismo, o candidato do PTB novamente bateu boca com Soraya, que disse que o adversário é um “padre de festa junina”. A candidata ainda falou que ele e Bolsonaro são “nem-nem, nem estuda nem trabalha”. Kelmon reclamou, em direito de resposta, de desrespeito religioso.
Lula e Kelmon entraram em uma discussão ríspida no terceiro bloco que levou Bonner a interromper o debate. Os microfones foram cortados, e as câmeras não mostraram a cena por completo. O petista demonstrou irritação e reagiu a provocações de Kelmon sobre corrupção chamando-o de “candidato laranja”.
O religioso assumiu a candidatura do PTB após Roberto Jefferson ser impedido pela Justiça Eleitoral. “Quando quiser falar de corrupção, olhe para outro, e não para mim”, disse o ex-presidente. Kelmon se referiu a ele como “descondenado” e “cínico”. Lula chamou o padre de impostor, de “alguém disfarçado”, que não pode se dizer padre nem cristão. Na confusão, Bonner chegou a pedir para o religioso ficar calado. O jornalista reiterou a necessidade de obediência às regras previamente acordadas.
Tebet afirmou lamentar o nível do debate, com pouco espaço para discussões sobre os problemas reais do país e muito tempo dedicado a brigas. Ela tentou aproveitar o espaço para falar de saúde, ambiente, economia e redução da desigualdade, mas também alfinetou Bolsonaro pela demora na compra de vacinas contra a covid-19. “Hoje o que vemos aqui não é apresentação de propostas, mas ataques mútuos”, disse a emedebista.
Tebet e Lula, ao falar de ambiente, criticaram a política ambiental do presidente. Antes, a emedebista já havia dito que na questão ambiental Bolsonaro foi o pior presidente da história do país. Bolsonaro disse que o Brasil é exemplo para o mundo e que há florestas que periodicamente sofrem com incêndios. “Então a falta de chuva é responsabilidade minha?”, disse. O presidente teve altercações também com Soraya, mas saiu do debate sem ofensas de maior gravidade às mulheres participantes, como vinha ocorrendo em suas aparições.
Felipe D’Ávila demonstrou concordância com o atual presidente em assuntos de economia e afirmou que a volta da esquerda seria um desastre para o país. O postulante do Novo defendeu a ideologia liberal, que é a base de seu programa de governo, e uma nova reforma trabalhista. Ele fez dobradinhas com Tebet sobre temas concretos e reclamou do que classificou como “baixo nível” do encontro.
O debate foi o segundo ao longo da campanha de primeiro turno com a presença dos principais candidatos, já que Lula só compareceu ao primeiro evento do tipo, no fim de agosto, e se ausentou de outro realizado no último sábado (24). Bolsonaro participou de ambos.
No primeiro turno, um debate entre candidatos pode se estender até as 7h da sexta-feira imediatamente anterior ao dia da eleição, segundo resolução de 2019 do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). De acordo com o texto, no caso de segundo turno, os horários de realização dos debates não poderão ultrapassar a meia-noite da sexta-feira imediatamente anterior ao dia do pleito.
O embate na Globo é tratado como decisivo pelas duas campanhas, já que o ex-presidente tem a possibilidade de vencer em primeiro turno, mas não possui margem folgada nas pesquisas — ele alcançou 50% dos votos válidos no Datafolha divulgado nesta quinta. Enquanto a candidatura do PT avalia como determinante o desempenho do presidenciável para tentar conquistar votos de indecisos na reta final e combater a abstenção, a equipe de Bolsonaro espera que o debate renda algum fôlego ao presidente e desgaste o rival, aumentando a chance de segundo turno.