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A violência política nas eleições de 2022 e a importância do dia 2 de outubro

Diogo Comitre*

A disputa entre dois espectros ideológicos sempre existiu na sociedade brasileira, principalmente em anos eleitorais, porém nunca com contornos tão dramáticos quanto os produzidos pela irresponsabilidade de Bolsonaro e de seus apoiadores. Foto: Flickr

Diversas reportagens de diferentes veículos de comunicação revelam uma característica assustadora da corrida eleitoral de 2022: a violência política e a intolerância praticada por bolsonaristas, em diversas regiões do país. Hoje sabemos que a morte de Marcelo Arruda na própria festa de aniversário, em Foz do Iguaçu, não constituiu um caso isolado, mas fez parte de um triste processo da escalada da violência estimulada pelos comportamentos irresponsáveis do presidente da República.

Ainda na campanha de 2018, no Acre, Bolsonaro defendeu o fuzilamento de petistas. Segundo revelado por reportagem da revista Exame, publicada em setembro de 2018, o então candidato à presidência disse em seu discurso: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein? Vamos botar esses picaretas para correr do Acre. Já que eles gostam tanto da Venezuela, essa turma tem de ir pra lá. Só que lá não tem nem mortadela, hein, galera. Vão ter de comer é capim mesmo”, utilizando um tripé para simular tiros de metralhadora. O fato é que Bolsonaro sistematicamente difunde o ódio contra os que pensam diferente daqueles que fazem parte de sua base eleitoral, autorizando seus eleitores a colocarem para fora o que possuem de pior. Os pronunciamentos do presidente colocam em dúvida o sistema eleitoral brasileiro, as instituições da República e até mesmo as pesquisas eleitorais feitas por diferentes institutos de pesquisa. Diante desse macabro cenário pintado por Bolsonaro, milhares de apoiadores fanáticos passam a enxergar a violência como a única possibilidade de ação, por acreditarem que existe um plano maquiavélico para impedir a reeleição do presidente em eleições vistas como “não limpas”. A campanha do presidente aposta no apelo da luta do bem contra o mal, o que é respaldado por figuras religiosas, como Silas Malafaia, que insistem em demonizar a esquerda, enquanto defendem Bolsonaro como o candidato de Deus.

Esse perigoso preconício ideológico, propagado por Bolsonaro e por sua base política, faz com que muitas pessoas assumam a missão de combater as forças do mal, do modo que se combate em uma guerra santa: utilizando a violência. Alguns eventos demonstram que a atuação de líderes religiosos, identificados com o bolsonarismo, no processo eleitoral contribui para a escalada da violência política no Brasil. No dia 31 de agosto, por exemplo, uma igreja da CCB passou uma circular sobre as eleições em um culto realizado em Goiânia. O comunicado lido orientava os fiéis a não votarem “em candidatos ou partidos políticos cujo programa de governo seja contrário aos valores e princípios cristãos ou proponham a desconstrução das famílias no modelo instruído na palavra de Deus, isto é, casamento entre homem e mulher”. Ao divergir do conteúdo da carta, Davi Augusto de Souza foi baleado dentro da igreja pelo PM Vitor da Silva Lopes, que já conhecia a vítima há pelo menos 10 anos, segundo relatou o irmão do fiel ferido ao portal G1.

No dia 7 de setembro de setembro de 2022, a violência política fez mais uma vítima fatal. Benedito Cardoso dos Santos foi morto a golpes de faca e de machado durante uma discussão política com um bolsonarista, no interior do Mato Grosso. A data que deveria ser de celebração pelo bicentenário da independência brasileira ficou marcada por discursos eleitorais, realizados pelo presidente, em solenidades oficiais e pela mobilização da massa bolsonarista para ir para as ruas defender o bem contra o mal, representado pela candidatura de Lula.

A proximidade do primeiro turno e a postura de Bolsonaro diante do fraco desempenho eleitoral revelado pelas mais diferentes pesquisas acirrou ainda mais os ânimos de seus raivosos eleitores. Em entrevista ao SBT, em 18 de setembro, o presidente afirmou: “Eu digo, se eu tiver menos de 60% dos votos, algo de anormal aconteceu no TSE, tendo em vista obviamente o ‘data povo’, que você mede pela quantidade de pessoas que não só vão nos meus eventos, bem como nos recepcionam ao longo do percurso até chegar ao local do evento.”

A reação de seu eleitorado contra a suposta manipulação realizada pelos institutos de pesquisas eleitorais não demorou, já que dois dias após a declaração citada acima, um entrevistador do Datafolha foi agredido pelo bolsonarista Rafael Bianchini, em Ariranha, interior paulista. No dia 23 de setembro foi a vez da jovem Estéfane de Oliveira Laudano ser agredida com uma paulada na cabeça por se posicionar contra Jair Bolsonaro em um bar, na cidade em Angra dos Reis.

Segundo apurado por reportagem do jornal O Globo, o agressor chamou a vítima de maria-homem e disse que ‘se ela era homem, então iria apanhar que nem homem’, momentos antes de deferir o golpe que feriu Estéfane. Diante de eventos como estes, é impossível não refletirmos sobre o que os discursos propagados pelo presidente causam em parte de seus apoiadores. O discurso de ódio, o apelo moralista que condena o que foge dos valores da visão de família tradicional brasileira propagado por apoiadores bolsonaristas e o clima cruzadista de defesa do bem contra as forças demoníacas da esquerda produziram um cenário propício para a escalada da violência às vésperas da eleição do primeiro turno.

A 8 dias da eleição, uma reportagem do portal UOL, revelou o assassinato de Antônio Carlos da Silva de Lima em um bar da cidade de Cascavel (CE). Edmilson Freire da Silva entrou no recinto e perguntou quem era eleitor de Lula, esfaqueando a vítima após ela responder que votaria no candidato petista. Diante de tristes casos como os mencionados em nosso texto, é impossível não pensarmos no que está em jogo nesse primeiro turno. Não podemos conviver com esta impressionante escalada da violência política, tampouco naturalizarmos o medo de nos expressarmos contra Jair Bolsonaro, vivendo em um Estado Democrático de Direito. Não podemos aceitar que os eleitores de Lula, que representam a maioria do país, segundo todas as pesquisas eleitorais, tenham receio de adesivar seus carros, andar com roupas vermelhas no dia da votação ou ir as ruas comemorar uma possível vitória do petista. A atitude da minoria raivosa de bolsonaristas, que visa acuar aqueles que pensam diferente deles, demonstra a nossa falência enquanto povo e enquanto civilização. Como defende Hannah Arendt: “o terror aniquila todas as relações entre os homens através da destruição do espaço da liberdade” (ARENDT, 2009, p. 970). É exatamente isso que vivemos no Brasil de 2022, já que o espaço de liberdade dos brasileiros e brasileiras que não compactuam com o governo Bolsonaro está seriamente ameaçado pela atuação dos radicais de extrema direita. Até alguns anos atrás era impensável vivermos em um cenário de medo e de intimidação durante o processo eleitoral, como vivemos nos dias atuais. A disputa entre dois espectros ideológicos sempre existiu na sociedade brasileira, principalmente em anos eleitorais, porém nunca com contornos tão dramáticos quanto os produzidos pela irresponsabilidade de Bolsonaro e de seus apoiadores.

Mesmo diante deste catastrófico cenário, Ciro Gomes lançou, no dia 26 de setembro, um manifesto no qual se diz vítima de intimidação diante do apelo de diversas personalidades do mundo artístico e político pelo voto útil em Lula, para derrotar Bolsonaro no primeiro turno. A defesa da terceira via feita pelo candidato na semana da eleição significa o risco de alimentar, até o final de outubro, o ódio de fanáticos como os que assassinaram Marcelo, Benedito e Antonio Carlos, que agrediram Estéfane e outras pessoas não citadas em nosso texto. Combater o voto útil em Lula é, também, contribuir para a prorrogação do estado de tensão permanente que vivemos até o dia 30 de outubro, impedindo a derrota de Bolsonaro e de tudo o que ele representa o quanto antes. Infelizmente, a possibilidade de um segundo turno, na eleição presidencial de 2022, significa colocar em risco a vida de milhões de brasileiros que podem se tornar alvos de bolsonaristas raivosos, pelo simples fato de pensarem de forma diferente. A análise da conjuntura da corrida eleitoral feita até aqui nos traz a certeza de que viveremos tempos sombrios e perigosos em um possível intervalo do dia 2 para o dia 30 de outubro. Isso porque a iminência da derrota nas urnas pode provocar uma radicalização ainda maior nos discursos do atual presidente, que deve partir para o tudo ou nada para tentar reverter a vantagem de Lula em um eventual segundo turno. Os efeitos dessa radicalização no comportamento de seus eleitores são imprevisíveis, podendo representar sérias ameaças a democracia brasileira e ao bem estar da população não alinhada com o bolsonarismo.

Além disso, a altíssima rejeição de Bolsonaro demonstra que a grande maioria da população já decidiu que não dará uma nova chance ao candidato. A questão, ao que tudo indica, é: quando Bolsonaro será derrotado? No dia 2 ou no dia 30 de outubro? Ao mesmo tempo, é evidente que não existe qualquer chance real da terceira via emplacar há poucos dias da eleição. Diante disso, cabe à sociedade brasileira e aos líderes políticos envolvidos no processo eleitoral refletirem sobre qual será o comportamento da base radical bolsonarista nas semanas que separam o primeiro e o segundo turno das eleições. Vale a pena prorrogarmos a derrotado governo Bolsonaro nas urnas e continuarmos reféns da barbárie praticada por eleitores raivosos que acreditam estar lutando em uma cruzada do bem contra o mal, empilhando vítimas de violência política? Quantas mortes e quantas agressões mais serão necessárias para nos darmos conta do que está em jogo no dia 02 de outubro? Está cada vez mais claro que o que está em jogo é a defesa do Estado Democrático de Direito e o espaço de liberdade de milhões de brasileiros e brasileiras que não compactuam com a barbárie representada por Jair Bolsonaro. Além disso, é evidente que grande parcela da população corre risco em um eventual segundo turno, como podemos observar pelos inúmeros casos de violência política narrados em nosso texto.

Referências:

ARENDT, H. ElementeundUrsprüngetotalerHerrschaft. München: Beck, 2009.

* Diogo Comitre é professor do IFSP, mestre e doutorando do Programa de História Social da Universidade de São Paulo

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