
Estudo aponta que o Brasil concentra 342 ataques letais à ativistas nos últimos dez anos. Um a cada três era indígena ou afrodescendente. Foto: José Cruz/ Agência Brasil
O Brasil é o país mais letal da década para defensores da terra e do meio ambiente e concentra 20% dos assassinatos desses ativistas nos últimos dez anos.
Os dados são da organização britânica Global Witness, que há dez anos monitora mundialmente homicídios de ativistas pelo direito à terra e pela defesa ambiental. A entidade lançou nesta quarta (28) um relatório que resume os crimes da década e reúne o número de vítimas em 2021.
O documento destacou a urgência em proteger esses defensores, em especial num contexto de crise climática e de recorde de devastação da principal floresta do planeta, a Amazônia. No balanço da década, a América Latina concentra 68% das mortes.
“A América Latina é uma das regiões mais desiguais no mundo, o que influencia na violência de maneira generalizada”, avalia a ativista ambiental chilena Francisca Stuardo, consultora da Global Witness para a região.
“Os sistemas coloniais impuseram violências históricas contra esses grupos de defensores, que seguem sendo um alvo importante da violência”, diz ela. Ainda segundo a consultora, a impunidade das instituições, bem como a pressão dos agentes privados junto aos tomadores de decisões contribuíram para este cenário alarmante na região.
Desde 2012, quando a ONG começou o trabalho de monitoramento, um ativista foi assassinado em algum ponto do planeta a cada dois dias. Ao longo desses dez anos, foram compiladas 1.733 mortes violentas desses defensores globalmente – 39% das vítimas eram indígenas.
O Brasil concentra 342 ataques letais à ativistas. Um a cada três era indígena ou afrodescendente. Além disso, 85% dos ataques letais ocorreram na região da Amazônia Legal, cuja população se depara com um ecossistema de mercados ilícitos, desde redes de narcotráfico até as de extração ilegal da madeira, minérios e animais selvagens.
“A concentração de recursos naturais faz da região da Amazônia um ponto de concentração dessas violências e do número de mortes”, afirma Ali Hines, ativista da Global Witness, sobre as mortes ocorridas no Brasil.
O relatório destaca o caso da chacina de Pau D’Arco, no Pará, que completou cinco anos em 2022 com o indiciamento de dois policiais civis e 14 militares pela morte de dez trabalhadores sem-terra que ocupavam a fazenda Santa Lúcia. As investigações não apontaram mandantes dos assassinatos. Em janeiro de 2021, o trabalhador rural sem-terra Fernando Araújo, sobrevivente e testemunha-chave da chacina de Pau D’Arco, foi morto em sua casa, na mesma fazenda Santa Lúcia.
A chacina foi considerada o maior massacre de trabalhadores rurais sem-terra desde 1996, quando 19 ativistas sem-terra foram assassinados em Eldorado dos Carajás (PA), a pouco mais de 200 km de Pau D’Arco. A região é considerada uma das mais perigosas para defensores de direitos humanos no Brasil.
Neste trágico ranking, o Brasil é seguido de perto pela Colômbia, com 322 assassinatos de ativistas na década, e também por Filipinas (270) e México (154). Esses quatro países se revezam nas quatro primeiras posições do ranking anual de territórios mais letais para esses defensores durante quase todo o período. Em 2021, não foi diferente. O México surge em primeiro lugar com 54 assassinatos, seguido de Colômbia (33), Brasil (26) e Filipinas (19).
De acordo com o relatório, houve um aumento dessas mortes no Brasil em 2021, o que “é representativo das muitas ameaças enfrentadas por defensores da terra e do ambiente, particularmente sob o governo do presidente Jair Bolsonaro”.
“Desde que Bolsonaro chegou ao poder, ele tem encorajado a exploração madeireira e a mineração ilegal, desmantelando a proteção de terras indígenas, atacando grupos de conservação e cortando os orçamentos e recursos de agências de proteção florestal e indígena”, descreve o relatório, que aponta o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em junho de 2022, como “indicativo da agressão aos povos indígenas e àqueles que tentam protegê-los”.
Segundo o documento, o elevado número de casos no Brasil é também parcialmente atribuível a uma maior sensibilização e controle por parte da sociedade civil brasileira sobre as questões ambiental e fundiária em comparação com outras partes do mundo.
O texto afirma que os conflitos sobre o direito à terra e à floresta são o principal motor de mortes de defensores no Brasil. O relatório ainda destaca a importância dos povos indígenas na proteção ambiental, pois eles “desempenham um papel importante como guardiões da floresta, na contenção das emissões provenientes de seu desmatamento e degradação, o que ajudar a refrear a crise climática”.
Segundo Ronilson Costa, da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização ligada à Comissão Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que monitora conflitos desde 1985 e é parceira da ONG britânica, “no Brasil distante, onde a presença do Estado é mínima, ocorre de tudo, entre ameaças, expulsões e assassinatos”.
“É uma angústia e uma preocupação porque percebemos que o problema só tem aumentado. E o sucateamento e o desmonte promovidos pelo Estado de organizações de fiscalização fundiária e ambiental têm papel importante nesse cenário”, diz. “É preciso colocar o Estado brasileiro na cadeira dos réus para ser responsabilizado por crimes que vão além da omissão”, completa Ronilson.
De acordo com a CPT, o número de assassinatos no campo no primeiro semestre de 2022 indica nova alta nessas mortes e já ultrapassa o total de mortes registradas pela comissão ao longo do ano inteiro de 2021. Foram 32 mortes no ano passado e, até setembro de 2022, 36.
“O investimento brasileiro no setor primário tem grandes implicações para o meio ambiente e as comunidades, favorecendo o desmatamento para o plantio de soja ou de capim, por exemplo, e a extração de minérios de maneira predatória”, diz Costa.
A partir das mortes de ativistas de 2021 decorrentes de conflitos com uma causa definida e verificável, a Global Witness criou um ranking dos principais vetores da violência. Segundo o estudo, o principal causador é o setor de mineração, seguido pelo de hidrelétricas, agronegócio, madeireiras ilegais e construção de estradas e de infraestrutura.
Principais causadores dos conflitos que promoveram mortes de defensores ambientais em 2021*
1º Mineração e extração mineral
2º Hidrelétrica
3º Agronegócio
4º Madeireiras ilegais
5º Estradas e infraestrutura
*Na maioria dos casos (143), as indústrias ligadas aos conflitos não puderam ser confirmadas. A Global Witness fala em uma maioria de conflitos ligados à terra, genericamente.
Fonte: Global Witness