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Transparência do SUS está ameaçada por corte de 58% proposto por Bolsonaro

Mateus Vargas (Folhapress)

O DataSUS é responsável pelo desenvolvimento e gestão de sistemas do SUS sobre filas para consulta e procedimentos, também de notificações de doenças, além de gerenciar dados dos usuários do SUS. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

O governo Jair Bolsonaro (PL) enviou ao Congresso a proposta de Orçamento para 2023 prevendo um corte nominal de 58% na verba do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), o que despertou receios sobre a vulnerabilidade dos dados geridos pelo órgão.

O departamento é responsável pelo desenvolvimento e gestão de sistemas do SUS sobre filas para consulta e procedimentos, também de notificações de doenças, entre outros serviços. Além disso, lida com informações sensíveis de milhões de usuários dos serviços de saúde.

Pela proposta enviada ao Congresso, o órgão teria R$ 140,2 milhões disponíveis ao próximo ano, enquanto a verba sugerida para 2022 foi de R$ 330 milhões (em valores correntes).

O DataSUS ganhou projeção durante a pandemia por administrar aplicativos de certificação das vacinas contra a covid-19, como o ConecteSUS. O departamento foi alvo de críticas por vazamentos de dados do governo e ações de hackers nos sistemas do Ministério da Saúde. Os números sobre o avanço da covid-19 chegaram a ficar sem atualização após ataque no fim de 2021 aos dados da pasta.

O médico sanitarista e pesquisador Giliate Coelho, que foi diretor do DataSUS em 2015, afirma que o corte aumentará a vulnerabilidade em falhas e invasões de um serviço que atende grande parte do país. “A maior parte dos municípios não tem recurso para contratar soluções de tecnologia e depende do Ministério da Saúde”, disse.

A verba reservada ao DataSUS alcançava R$ 512 milhões em 2019, primeiro ano de governo Bolsonaro, mas despencou desde então. Um auxiliar do ministro Marcelo Queiroga diz que o corte pode atrapalhar contratações para garantir a “segurança e disponibilidade” dos sistemas.

Em nota, o Ministério da Saúde declara que está atento “às necessidades orçamentárias e buscará, em diálogo com o Congresso Nacional, as adequações necessárias”. A pasta não informou quais serviços podem ser atingidos pelo corte no DataSUS.

Coelho lembra que o departamento lida com dados sensíveis, como o da lista de pessoas que têm determinada doença. “Essas informações precisam estar muito bem protegidas. Se não há investimento, esses sistemas ficam obsoletos. Se o sistema está lento, o médico vai preferir usar o papel”, afirmou Coelho.

Para pesquisadores, o corte sinaliza desinteresse do governo em tornar o departamento protagonista do debate sobre a estratégia de saúde digital. Diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, Rafael Zanatta afirma que o governo propõe reduzir a verba do DataSUS no momento em que os gastos com cibersegurança “só crescem” em grandes corporações. Zanatta afirma que os vazamentos recentes de dados do SUS refletem baixo investimento e falta de rotina de segurança de informação.

Pesquisador da Fiocruz e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Marcelo Fornazin destaca que não há uma carreira própria para o DataSUS e que o órgão tem ampliado a terceirização de serviços.

Especialistas ainda apontam que o corte ocorre em meio à proposta da Ministério da Saúde de criar o “open health”, um processo inspirado no “open banking” de compartilhar dados de clientes entre operadoras de saúde.

“Fico preocupada com o tipo de proveito que se possa tirar com a entrega de dados sensíveis da população brasileira para a iniciativa privada, ainda mais nesse cenário de enfraquecimento do DataSUS e do SUS em geral”, afirma Raquel Rachid, pesquisadora da USP e do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (Lapin).

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) cobrou que seja uma prioridade fortalecer a governança dos sistemas de informação e as tecnologias de proteção de dados. “Além disso, o enfraquecimento do sistema público de saúde, decorrente da redução progressiva no financiamento federal, é grave e precisa ser corrigida com urgência”, afirmou o conselho.

Bolsonaro enviou a proposta de Orçamento para 2023 com uma previsão de corte de 42% nas verbas discricionárias do Ministério da Saúde, usadas na compra de materiais, equipamentos e para investimentos.

Se a tesourada for confirmada, programas como o Farmácia Popular e o Médicos pelo Brasil vão perder mais da metade da verba. Pressionado pela disputa eleitoral, Bolsonaro afirma, sem apontar uma solução, que irá recompor o orçamento da Saúde.

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