Vínculo é a palavra-chave do programa Consultório na Rua, que chegou a Votorantim em abril deste ano com a proposta de oferecer atendimento humanizado à população em situação de vulnerabilidade. Instituído em 2011 pela Política Nacional de Atenção Básica, o programa já atendeu 105 pessoas em situação de rua no município e outras 15 que estavam de passagem, até o início do mês de setembro.
A equipe é formada por quatro profissionais, incluindo a enfermeira Rita de Cássia e o agente social Gilberto Barqueiro, que afirmam ter um “retorno gratificante” com o trabalho realizado. Semanalmente, o veículo adaptado do Consultório na Rua é estacionado em um ponto da cidade para que as pessoas em situação possam ser atendidas. No local, a população-alvo tem acesso a serviços de saúde como testes rápidos de HIV e IST (infecções sexualmente transmissíveis), medicamentos e exames para avaliar os sinais vitais. Os profissionais também atualizam a carteira do SUS (Sistema Único de Saúde), para que possam agendar consultas com clínicos-gerais e dentistas.
“A pessoa que está em situação de rua teve vínculos rompidos: familiares, de sociedade. Então, nós da equipe do Consultório na Rua começamos a resgatar a cidadania dessa pessoa, devolvendo a ela o acesso aos documentos pessoais, ao cartão SUS. Atualizamos esse cadastro para tentar resgatar a cidadania dessa pessoa, para que possivelmente ela se reabilite enquanto membro da sociedade”, explica o agente social.
Quando há casos em que a pessoa em situação de rua manifesta o desejo de ser internada em uma clínica de reabilitação, os profissionais analisam determinados critérios e a Secretaria de Cidadania e Geração de Renda é responsável pelo contato com a família. “O SUS, em âmbito nacional, não tem dispositivo de internação. A ferramenta para trabalhar o dependente químico é o Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas)”, explica Gilberto.

Da direita para esquerda, Gilberto Barqueiro e Rita de Cássia. Foto: Carol Fernandes
Há, ainda, aqueles que não são de Votorantim e querem retornar à cidade de origem. Para isso, o Consultório na Rua também faz um encaminhamento à Secretaria de Cidadania, que facilita o transporte da pessoa em situação de rua até o endereço indicado. É o caso de Carlos (nome fictício), que há semanas abordou a equipe e pediu para que os profissionais o ajudassem a encontrar sua família nas redes sociais. Então, uma das funcionárias pesquisou o nome da filha do homem no Facebook, mostrou a foto e ele se emocionou.
No dia seguinte, a equipe conseguiu viabilizar uma videochamada para Carlos conversar com sua família, o que o deixou empolgado para voltar imediatamente à sua cidade de origem. “Ele estava desesperado para voltar no mesmo dia, na sexta-feira. Eu falei: ‘Respira! Pega sua reciclagem e segunda-feira toma um banho, faz a barba e aí você vai visitar’”, lembra Rita.
De acordo com Gilberto, mais de 90% das pessoas em situação de rua na cidade de Votorantim são homens, com idade média de 39 anos, usuários de crack. Desses, 70% deixaram de viver em uma residência fixa exclusivamente por conta do consumo da droga ilícita. Por isso, os profissionais do Consultório na Rua consideram o vínculo tão essencial para o atendimento a essa população-alvo. “O acolhimento é importante, porque eles [pessoas em situação de rua] veem a importância que têm. Quando você perde a dignidade, você acha que ninguém te vê”, ressalta Rita.
Em Sorocaba
Sorocaba recebeu, entre 2011 e 2016, um projeto voltado à prevenção ao uso de drogas que era chamados popularmente de “Consultório de Rua”, nome semelhante ao programa da Política Nacional de Atenção Básica implantado em Votorantim. À época, a proposta do poder Executivo municipal era trabalhar no atendimento à comunidade com uma equipe multiprofissional, que atuou em dez bairros da cidade com maiores ocorrências de tráfico e apreensão de usuários de entorpecentes.
O Portal PORQUE conversou com a ex-secretária municipal e vice-prefeita Edith Di Giorgi, responsável pelo projeto durante os governos dos ex-prefeitos Antônio Carlos Pannunzio e Vitor Lippi. Durante a entrevista, Edith criticou ações políticas de higienização social e defendeu a implantação de projetos semelhantes ao Consultório na Rua em Sorocaba.
“Tem uma famosa frase que diz: ‘O direito de um acaba quando começa o do outro.’ Se fosse assim a vida, seria fácil. O problema é quando os direitos se sobrepõem: tem o direito à população de rua, mas eu entendo também o direito da população de circular sem que se sintam ameaçada. Mas nós precisamos achar formas de convivência, acolhimento, entendimento e de vínculo com essa população, para que possamos construir juntos uma maneira de conviver socialmente com menos conflitos”, afirma Edith.
Atualmente, Sorocaba possui o projeto “HumanizAção”, responsável por abordar pessoas em situação de rua no município e encaminhar para acolhimento no SOS (Serviços de Obras Sociais).