
O AVCB é o certificado que atesta que edificação possui todas as condições de segurança contra incêndio e pânico, previstas na legislação. Foto: Divulgação
O não cumprimento de um processo que tramita, desde o início de 2022, no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) – 15ª Região – poderá fazer com que a Prefeitura de Sorocaba tenha de pagar, a partir de 2024, multa diária de R$ 5 mil para cada uma das 139 escolas municipais que continuarem funcionando sem o AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros). Somadas, as infrações podem totalizar R$ 695 mil por dia.
A nova sentença, emitida pelo juiz Valdir Rinaldi Silva, em 14 de agosto deste ano, leva em conta o risco a que estão submetidos professores, funcionários e crianças nas unidades de ensino.
Por isso, além da multa diária, a Justiça prevê, caso a situação não seja regularizada até abril de 2024, o pagamento de mais R$ 20 mil por descumprimento da ordem judicial, bem como outros R$ 500 mil referentes aos danos morais pela falta de AVCB. Ainda de acordo com a sentença, os valores das multas devem ser revertidos à Santa Casa de Misericórdia de Sorocaba.
O prazo final para que a Prefeitura de Sorocaba tome as medidas de segurança vence em 28 de fevereiro de 2024. A partir daí, o município terá 60 dias para apresentar as provas de que as 139 escolas municipais estejam seguras.
Multas começam em abril
Vencido o prazo, no fim de abril, começarão a correr as multas previstas. Porém, mesmo diante da situação delicada que envolve risco de tragédias em unidades de ensino municipais, o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) continua recorrendo da decisão do juiz Valdir Rinaldi.
Mesmo que a Prefeitura prove que obteve o AVCB para parte das escolas, continuam valendo as multas diárias de R$ 5 mil por unidade sem a licença do Corpo de Bombeiros, bem como o valor de descumprimento da ordem judicial e a indenização por danos morais.
A decisão do TRT teve como base a ação civil pública (0010331-16.2022.5.15.0135), de autoria do MPT (Ministério Público do Trabalho), com base em denúncia inicial feita pela vereadora Iara Bernardi (PT).
Em 20 de setembro, o juiz referendou sua decisão do mês anterior, registrou as apelações juntadas ao processo, mandou intimar as partes e sugeriu, se acharem necessário, se cadastrarem junto “ao sistema PJe na 2ª instância”, mesmo que prorrogando os riscos a quem frequenta as escolas sem AVCB.
Apelações intermináveis
A primeira ordem judicial para providenciar os AVCBs foi emitida, também pelo juiz Valdir Rinaldi, em agosto de 2022. Ela dava prazo de seis meses (até fevereiro de 2023) para que a administração providenciasse a certificação de segurança contra incêndios.
A equipe do prefeito Manga, porém, recorreu da sentença e pediu prazo de mais um ano, até fevereiro de 2024, para cumprir a determinação. Após o novo prazo, a Prefeitura passou a questionar a competência da Justiça do Trabalho para investigar e julgar causas que envolvam o local de trabalho de servidores públicos que, segundo a contestação da administração, são regidos pelo estatuto dos Servidores Públicos do Município (Lei Municipal 3800/91). Pelos argumentos da gestão municipal, o TRT deveria se ater aos direitos de trabalhadores “celetistas” (regidos pela CLT).
TRT também vale para servidores
O juiz respondeu, na sentença de 45 dias atrás que, “ainda que a discussão verse sobre o ambiente laboral de servidores estatutários ou com vínculo contratual de natureza administrativa, a competência para apreciação é da Justiça Laboral. O tema encontra-se sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula nº 736: ‘Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores’”.
Para rebater a contestação do prefeito, o juiz ainda citou na sentença um acórdão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, que diz: “a Justiça do Trabalho é a competente para processar e julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, independentemente do regime sob o qual o vínculo se estabelece com o tomador de serviço”.
O juiz Valdir Rinaldi Silva também cita a decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) para o qual “o ambiente laboral em causa põe em risco não apenas os ocupantes de cargos públicos, mas todos os trabalhadores que ali prestam serviços – aí incluídos os terceirizados, cuja relação é estritamente celetista. Isto já seria suficiente para atrair a competência da Justiça do Trabalho”.
Nas mãos de terceirizada
Em sua alegação ao Tribunal, a Prefeitura afirma ainda que havia contrato, desde 2018, com a VSA Engenharia para providenciar os AVCBs. O juiz, no entanto, cobrou o cronograma da empresa quanto às adequações que viria realizando para deixar as unidades de ensino seguras e de acordo com as normas do Corpo de Bombeiros.
No Portal da Transparência de Sorocaba consta uma licitação (CPL 603/2018) no qual a Prefeitura, antes de Manga, procurava empresa para “adequação do sistema de proteção e combate à incêndio nas unidades escolares da Sedu [Secretaria da Educação]”.
O contrato com VSA foi assinado em 21 de junho de 2021, já no governo Manga, pelo então secretário da Educação, Márcio Bortolli Carrara — afastado este ano após o escândalo de superfaturamento do kit robótica).
O primeiro contrato com a VSA teve duração de um ano após o início dos trabalhos para obter AVCB em 139 escolas e o valor estimado foi de R$ 276.536,66. Desde então, três prorrogações de serviço já foram feitos.
O mais recente, que consta no Portal, foi o de 1º de maio até 30 de junho deste ano. Depois disso, nada consta sobre a empresa contratada para obter os AVCBs. Por isso, até o juiz estranhou o fato de a Prefeitura não apresentar o cronograma da prestadora de serviços.
Corpo de Bombeiros
Na reportagem publicada pelo Portal Porque em fevereiro, o Corpo de Bombeiros em Sorocaba se isentava de responsabilidade pela falta de AVCB nas escolas, pois a regularização deve ser feita pelo próprio interessado, ressaltando que “todo processo é realizado de maneira remota, pela plataforma do Corpo de Bombeiros ‘Via Fácil’”
Sobre os riscos que frequentadores das escolas enfrentam sem o AVCB, a corporação afirmou que “as medidas de segurança contra incêndio exigidas pelo Decreto Estadual 63.911, de 10 de dezembro de 2018, e suas instruções técnicas minimizam os riscos e auxiliam nas situações de emergência, conforme área, altura e ocupação das edificações”.
Outro lado
O Portal Porque enviou perguntas sobre o caso à Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Sorocaba, mas não obteve resposta. O espaço continua aberto à manifestação dos citados na matéria.
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