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Um mês após denúncia, Saae continua com despejos de esgoto por toda a cidade

Na última quinta-feira, um tubo extravasor de 250 mm, capaz de despejar mais de meio milhão de litros de esgoto ao dia no rio Sorocaba, foi instalado nos fundos dos condomínios Ibiti Reserva e Ibiti Royal Park

José Carlos Fineis (Portal Porque)

Um mês depois de denunciada pelos próprios funcionários da autarquia, a prática de instalar extravasores (drenos) na rede de esgoto, para despejar a carga excedente de dejetos em córregos, rios e galerias de águas pluviais, voltou a ser praticada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Sorocaba.

Na última quinta-feira, 31/8, o Portal Porque recebeu a denúncia de que uma equipe do Saae havia sido incumbida de instalar um extravasor de 250 mm (10 polegadas) em um novo poço de verificação (PV), instalado no emissário de esgoto subterrâneo que corta uma mata nos fundos dos condomínios Ibiti Royal Park e Ibiti Reserva, na zona norte.

Uma equipe de reportagem foi até o local, no começo da tarde de quinta-feira, e registrou em fotos e vídeos o momento em que um trabalhador, no comando de uma retroescavadeira — observado por outros funcionários, próximos a uma viatura –, movimentava a terra para cobrir o entorno do novo poço de verificação.

No dia seguinte, quando os funcionários já não estavam no local, foi possível fotografar o interior do PV e o extravasor recém-instalado.

A outra ponta do “tubo ladrão”, como é chamado, está localizada na margem direita do rio Sorocaba. Sempre que o emissário receber um volume maior de esgoto e o nível subir até a altura do dreno, ele poderá despejar mais de 500 mil litros de dejetos por dia, diretamente nas águas do rio que, há pouco mais de uma década, foi considerado despoluído.

Prática já é antiga

Conforme os denunciantes, uma chefia do Saae adotou, há cerca de dez anos, a prática clandestina de instalar tubos ladrões em pontos da rede de esgoto que, com o crescimento da cidade e o adensamento populacional, ficaram subdimensionados. A denúncia foi publicada com exclusividade pelo Portal Porque no dia 31 de julho (leia aqui).

“Em vez de fazer o certo, que seria trocar a tubulação por uma de diâmetro maior, o Saae passou a instalar essas gambiarras por toda a cidade”, explicou, naquela ocasião, um dos servidores responsáveis pela denúncia.

Os funcionários do Saae disseram que decidiram revelar a prática ilegal porque não se conformam com o retrocesso no programa de despoluição do rio Sorocaba. Levada a efeito pela Prefeitura de Sorocaba, com verbas municipais e federais, a despoluição teve um custo estimado de R$ 250 milhões, em valores de hoje.

Os denunciantes também se sentem prejudicados por estarem, como dizem, sendo levados pela chefia a cometer crimes ambientais. Para eles, está em curso um plano de sucateamento do Saae, que inclui falta de manutenção da frota de veículos, com o objetivo de privatizá-lo. Hoje, grande parte dos serviços antes realizados por funcionários do Saae já está terceirizada, ao custo anual de muitos milhões.

Questionado por e-mail em julho e na segunda-feira, 4 de setembro, o governo de Rodrigo Manga (Republicanos) optou por não se manifestar sobre a instalação clandestina dos extravasores, nem mesmo para tentar desmentir uma acusação de crime ambiental. Consultados em julho, os ex-prefeitos Antonio Carlos Pannunzio, José Crespo e Jaqueline Barcellos Coutinho, que governaram a cidade nos últimos dez anos, assim como alguns ex-diretores do Saae, negaram conhecimento dessa prática.

No Parque dos Espanhóis

No final de julho, a reportagem do Portal Porque registrou em vídeos e fotos o despejo de esgoto por meio de um dos extravasores instalados no emissário de esgoto paralelo ao córrego da Barcelona, numa área no final da rua Moreira Salles. Por meio de um tubo de 150 mm, dezenas de milhares de litros de esgoto doméstico eram lançados no curso d’água e, deste, no lago do Parque dos Espanhóis, em Pinheiros.

O problema do Parque dos Espanhóis chamou a atenção do vereador Fernando Dini (Progressistas), que tem sua base eleitoral na zona leste, e desde então passou a exigir um esforço descomunal de uma empresa terceirizada do Saae.

Toda manhã, por volta de 6h, a empresa mobiliza caminhões-bomba com capacidade para 12 mil litros para sugar uma quantidade significativa do esgoto da parte baixa dos bairros Barcelona, Vila Assis e Pinheiros. Objetivo: impedir que o esgoto seja despejado pelos extravasores do córrego da Barcelona.

“Eles sabem que o Dini está de olho, tentando filmar a poluição do Parque dos Espanhóis, e estão fazendo esse esforço insano para não deixar o esgoto transbordar pelos extravasores”, explicou um dos funcionários do Saae ao Porque. “Estão gastando milhões para uma empresa privada sugar o esgoto da rede e lavar o córrego. É um gasto gigantesco de dinheiro público, para maquiar a situação sem solucionar o problema”, comentou outro funcionário.

Os drenos que ameaçam cobrir de fezes as águas do Parque dos Espanhóis são, entretanto, uma pequena parcela de toda uma rede de tubos ladrões instalada clandestinamente, desde 2013, em todas as regiões da cidade.

Como são clandestinos, não existem registros oficiais desses drenos, que geralmente ficam escondidos em córregos localizados em áreas de matas, ou dentro de galerias de águas pluviais. De memória, os funcionários do Saae citaram dezenas de localidades onde estão instalados alguns dos extravasores mais problemáticos, que causam mau cheiro generalizado em bairros populosos (veja lista no final deste texto).

“Sorocaba está na m…!”

Há poucos dias, quando uma onda de calor intenso fez córregos e galerias exalarem forte mau cheiro por toda a cidade, do Parque Vitória Régia ao Campolim, um dos denunciantes comentou: “São anos de gambiarras. Uma hora a conta vem.” Outro, mais direto, resumiu: “Sorocaba está na m…!”

A lista elaborada de memória contempla mais de 40 localidades, mas são centenas de extravasores instalados em dez anos de improvisações. Nos últimos dias, por exemplo, o dreno do córrego do Parque Ouro Fino causou reclamações de mau cheiro em todo o bairro. Também no Jardim Nova Esperança tubos ladrões atiram o esgoto doméstico no córrego Itanguá, que deságua no rio Sorocaba, causando mal-estar e reclamações. Moradores do Parque São Bento e Jardim Santa Marta têm pagado um preço caro pelos tubos clandestinos. O residencial Carandá é outro ponto da cidade onde o odor de fezes pode ser sentido até dentro de casa.

Em março deste ano, um extravasor foi instalado nos fundos de um terreno da rua Ramón Haro Martini, na Vila Haro. Depois de pronto o “serviço” – que consiste num cano entre a rede de esgoto e uma galeria próxima de águas pluviais –, uma equipe de tapa-buracos foi deslocada até o local, para aterrar o cano e esconder a prova.

Na avenida Pirelli, zona industrial, o esgoto despejado no córrego provoca queixas constantes entre os funcionários de uma indústria próxima. O mesmo acontece na rua Paulo Breda Filho, no Éden. Na altura do 216, há um campo de futebol (o campo do Tigrão), e o córrego, conforme os denunciantes, é lavado somente nos fins de semana em que vai haver jogo.

Somam-se a isso os extravasores localizados na maior parte das estações elevatórias de esgoto, que, ironicamente, fazem parte do projeto de despoluição do rio Sorocaba. As elevatórias mais antigas possuem somente uma caixa de areia, que, quando enche, precisa ser esvaziada; enquanto isso, o fluxo de esgoto que deveria correr para a Estação de Tratamento é despejado no rio Sorocaba. “Hoje o maior problema do Saae é a elevatória número 5. Precisa limpar duas vezes por dia e, mesmo assim, toda manhã tem vazamento”, informa um funcionário.

Como chegar lá

O Portal Porque consultou por e-mail a agência reguladora Ares-PCJ e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), responsáveis, respectivamente, pela regulação do Saae e pela proteção do meio ambiente em Sorocaba. Ambas informaram que estão atentas às denúncias e solicitaram informações sobre o extravasor instalado no dia 31 de agosto, nos fundos dos condomínios Ibiti Royal Park e Ibiti Reserva (veja respostas na íntegra, abaixo).

O Portal Porque entende que sua obrigação é colaborar com as autoridades.

Para chegar ao mais novo tubo ladrão do Saae, basta seguir pela avenida Padre Lívio Emílio Calliari, a partir da avenida Fernando Stecca, até o final do muro do Ibiti Reserva. Neste ponto, entre os muros do Ibiti Reserva e Ibiti Royal Park, deve-se sair da avenida e seguir de carro por uma trilha no mato, rente ao muro, como na foto abaixo.

Um pouco adiante, passa-se por uma porteira de arame e, a partir daí, segue-se sempre à esquerda, pelos fundos do Ibiti Royal. É preciso passar por outras duas porteiras de arame, à medida que a trilha se torna mais estreita e esburacada. Por fim, chega-se a um terreno plano, cercado de árvores, na margem do rio Sorocaba. O mais novo extravasor clandestino do Saae está dentro do PV novinho em folha, logo depois da caixa de concreto quadrada.

Não tem como errar.


Lista de extravasores mais problemáticos de Sorocaba (parcial)

• Rua Pedro Nolasco de Campos, Parque Vitória Régia (dentro da fazenda)
• Rua Antonio Silva Saladino, 848, Parque Vitória Régia
• Rua Rosa de Oliveira Leite, 245, Parque Vitória Régia
• Rua Ordália Albino Roseiro (final da rua), Parque das Laranjeitas
• Rua Washington Pensa, Parque das Laranjeiras
• Rua Antonio Bela, 22, Parque das Laranjeiras
• Viela 5, Parque das Laranjeiras
• Rua Projetada das Areias, Parque das Laranjeiras
• Rua Luiz Rubinho Orosco (final da rua), Jardim Santo André
• Rua Trovador Candini (final da rua), Jardim Santo André
• Rua Projetada 1 com rua Ângelo Henrique Dorelli, Jardim Guadalupe
• Rua João Thomé Franco, 178, Wanel Ville 2
• Avenida Santa Cruz, Jardim Itanguá
• Rua Diadema (início), Jardim Leocádia
• Av. Eng. Carlos Spanghero com rua Elza Salvestro Bonilha, Jardim Matilde
• Rua Jorge Bacelli, 171, Jardim Matilde
• Rua Belmiro Loureiro Almeida, 848, Jardim Piratininga
• Rua José Benedito de Lima com rua Estácio de Sá (282), Jardim Piratininga
• Rua José de Oliveira, 391, Jardim do Sol
• Av. Londres com Av. Romania, Jardim Europa
• Rua Blaza Munhoz com rua Antenor Oliveira de Lima, Jardim dos Estados
• Rua Noel Bento de Almeida (antiga rua 2), 81, Jardim Refúgio
• Rua Nei Carlos Simi com rua Anna Rosa Baptista, Jardim Santa Lúcia
• Rua Campos Salles, 1.320, Vila Barcelona
• Avenida Paraguai, 302, Vila Barcelona
• Avenida Paraguai com rua Peru, Vila Barcelona
• Rua Peru, 28, Vila Barcelona
• Rua Peru, 130, Vila Barcelona
• Rua Francisco Pinho, 28, Vila Barcelona
• Avenida Francisco Pintor Miranda, Vila Barcelona
• Rua Bolívia com rua dos Alpes, Vila Barcelona
• Rua Nicarágua com rua Guatemala, Vila Barcelona
• Rua José Ângelo Alvarenga, em frente à loja Meiruxa, Vila Assis
• Rua Ricardo Severo, altura do Parque dos Espanhóis, Pinheiros
• Estrada José Celeste, Bairro dos Morros
• Rua Miguel Ascêncio, 349, Brigadeiro Tobias
• Rua Joaquim Roque de Oliveira, final do asfalto (650), Brigadeiro Tobias
• Rua Maria Augusto da Silva, 310, Brigadeiro Tobias
• Avenida Bandeirantes com rua Bernardino de Camargo Reis, Brigadeiro Tobias
• Rua José Sarti, 146, Brigadeiro Tobias
• Rua Victor Gomes Correa, 265, Brigadeiro Tobias
• Rua Antonio Fratti (passarela), Brigadeiro Tobias

Local onde o novo extravasor foi instalado deve ser acessado pela lateral do muro do Ibiti Reserva, numa estradinha que contorna o condomínio a partir da avenida Padre Lívio Emílio Calliari. Foto: Reprodução

Resposta da Cetesb

“Quanto a essa última denúncia, devido à abrangência da localização indicada, solicitamos a gentileza de nos informar, se possível, os locais precisos das reclamações, visando a realização de uma vistoria técnica e a devida apuração dos fatos.

Com relação às ações anteriores da CETESB, lembramos que, desde o início de julho deste ano, sempre que demandados por este portal, temos respondido prontamente, divulgando as vistorias efetivadas, os resultados obtidos e as consequentes providências tomadas.

Reiteramos que, por parte da agência ambiental, não são possíveis ações preventivas para evitar a instalação de extravasores clandestinos, visto que a rede de saneamento não é objeto do licenciamento. Desta forma, as ações adotadas são corretivas, a partir de eventuais denúncias/reclamações, como tem ocorrido.” (Assessoria de Imprensa, 4/7/2023)

Resposta da agência reguladora Ares-PCJ

“A Agência Reguladora (ARES-PCJ), dentro da sua competência atribuída pela Lei Federal 11.445/2007, informa que está apurando o caso referente aos extravasores de esgoto. Como parte do procedimento de apuração, houve solicitação de esclarecimentos ao prestador de serviço em 29/08/2023. A Agência Reguladora informa ainda que a fiscalização in loco está programada para ocorrer nos próximos dias.

A fim de colaborar na instrução do processo de apuração, facultamos ao Portal de Notícias PORQUE encaminhar esclarecimentos adicionais obtidos pelo Portal de Notícias junto ao prestador de serviço, conforme praxe do procedimento de apuração jornalística.” (4/7/2023)

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