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TCE entrevista professores e aponta inutilidade pedagógica do ‘kit robótica’

Órgão também concorda com inícios de superfaturamento e de licitação fraudulenta, apontados pelo Ministério Público e pela Justiça contra o Governo Manga

Paulo Andrade (Portal Porque)

Sede do TCE-SP que usa entrevista ainda com especialista em robótica, ações em andamento e visita à Secretaria da Educação de Sorocaba para montar relatório. Foto: Divulgação/TCE-SP

O TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) emitiu um parecer dando conta de que os kits de robótica – comprados pela Prefeitura de Sorocaba por valores bem acima dos praticados pelo mercado – contêm diversas irregularidades pedagógicas que tiram sua utilidade para o aprendizado de crianças.

Para chegar a esta conclusão, o órgão entrevistou 24 professores da rede municipal de ensino e a grande maioria destacou a falta de qualidade nos kits, a falta de planejamento da Prefeitura antes de implantá-los e seu valor pedagógico.

Questionados se o kit foi fornecido em quantidade suficiente, 100% dos docentes disseram que não. Já quando perguntados se os kits continham avarias, defeitos ou falta de peças, 87,5% disseram que sim.

O TCE quis saber ainda se houve discussão na rede de ensino antes da aplicação do projeto e 100% dos professores ouvidos disseram que não houve, enquanto 83,3% admitiram não possuir conhecimento na área de robótica.

O TCE ainda fez as seguintes indagações:
– Houve treinamento antes da implantação dos kits?
– Não, para 100% dos professores ouvidos.

– Foi possível a montagem dos robôs com todos os alunos da sala de aula?
– Não, para 87,5 dos professores ouvidos.

Para formular o relatório, o Tribunal de Contas do Estado ouviu os docentes das escolas municipais Avelino Leite de Camargo, Irineu Leister, João Francisco Rosa e Josefina Zilia de Carvalho.

Material com defeito

Sobre os defeitos dos materiais fornecidos, os professores apontaram, entre outras coisas, os seguintes problemas:

• falta de parafusos e porquinhas;
• falta de adesivos;
• as pilhas não funcionavam ou estavam oxidadas;
• adesivos menores;
• falta de algumas peças;
• fios do circuito elétrico;
• falta de ferramentas no kit do professor e algumas peças nos kits dos alunos;
• várias peças vieram trocadas e não dava para montar.

Assim, em relatório assinado pelo chefe técnico da fiscalização do TCE-SP, Vinicius Antonio Jardim Galluzzi, o órgão concluiu que o material, definitivamente, não era adequado.

Também concluiu que, na falta de condições de montar os robôs em salas de aulas, muitos alunos levaram o kit para tentar montar em casa, junto aos pais, “descaracterizando completamente o objetivo do projeto pedagógico contratado”.

Parecer de especialista

O TCE ainda incluiu nos autos um parecer de Alexandre da Silva Simões, professor livre docente do Departamento de Engenharia de Controle e Automação do campus Sorocaba da Unesp (Universidade Estadual Paulista), que também foi apresentado na ação civil pública.

No parecer, Alexandre Simões afirma que “a abordagem não é voltada para a experimentação científica. O kit sequer permitiria participação dos alunos, por exemplo, na Olimpíada Brasileira de Robótica do CNPq”.

O especialista também afirma que o kit é defasado e que a abordagem dele “não é voltada para a formação do pensamento crítico fundamental para o sujeito contemporâneo. Ao contrário, o aluno é demandado a seguir um roteiro”.

Suspeita de superfaturamento

O órgão ainda aponta que o valor pago pela Prefeitura de Sorocaba à Carthago – R$ 36 milhões – é mais que o dobro do preço de mercado. Destaca ainda – conforme o Portal Porque vem noticiando desde o ano passado – que a suposta compra superfaturada é alvo de ação civil pública contra o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos), o secretário municipal de Educação afastado, Márcio Bortolli Carrara, e a própria fornecedora dos kits. Os três, inclusive, estão com os bens bloqueados pela Justiça.

Outros pontos no relatório são o possível direcionamento da licitação, a ausência de planejamento na implantação do projeto e a exorbitância do preço praticado, com potencial simulação dolosa em procedimento licitatório. A fiscalização do TCE apurou ainda a falta de condições da Carthago em fornecer o material.

Conclusão da investigação

O relatório da fiscalização do TCE-SP foi encaminhado ao presidente do órgão, Dimas Ramalho, que pode arquivar o caso ou aplicar as sanções cabíveis contra a atual administração pública de Sorocaba. Em resumo, o documento aponta as seguintes irregularidades:

a) Potencial sobrepreço do material adquirido;
b) A contratada operou como mera intermediária da aquisição em exame;
c) Descaracterização do material adquirido como “kits de robótica”;
d) Falhas nos aspectos pedagógicos do projeto;
e) Precário planejamento prévio para implantação do programa;
f) Elevado número de avarias nos kits adquiridos, segundo entrevistas
realizadas;
g) Treinamento insuficiente, segundo entrevistas realizadas;
h) Impossibilidade, em elevado número de salas de aula, de montagem dos kits, segundo entrevistas realizadas;
i) Baixa utilização do material de apoio pedagógico (videoaulas on-line), segundo entrevistas realizadas;
j) Ausência de materiais adaptados aos alunos PCD [Pessoas com Deficiência], segundo entrevistas realizadas.

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