Uma nova problemática se impõe à rotina das escolas desde a volta das aulas presenciais: o aumento dos casos de transtornos mentais entre alunos, especialmente a ansiedade e a depressão, que, se não tratados, podem levar à automutilação e até ao suicídio.
“A gente está tentando entender esse aumento dos casos de depressão e da ansiedade”, analisa Rosângela Quequetto de Andrade Almeida, supervisora de ensino da Diretoria de Sorocaba da Secretaria Estadual de Educação, que também registrou o crescimento da indisciplina, fato associado à lacuna de dois anos nas aulas presenciais.
Na interpretação do psiquiatra Rodrigo Bressan, presidente do Instituto Ame Sua Mente, em entrevista à Folhapress, a pandemia e o isolamento não são os responsáveis pelo aumento de transtornos mentais verificados pelas escolas, mas trouxeram à tona questões que estavam escondidas.
O psiquiatra, que também é professor da Unifesp e do King’s College London, defende que o ambiente escolar é um dos espaços mais eficazes e privilegiados para promover a saúde mental. Porém, avalia que o preconceito e a falta de colaboração das famílias são alguns dos principais entraves para ações efetivas.
“A sociedade toda tem responsabilidade pela saúde mental das crianças e adolescentes. A escola é, ao mesmo tempo, o local em que esses problemas mais explodem, mas também onde há mais oportunidade de fazer um trabalho de prevenção”, diz o psiquiatra.
A fala de Bressan corrobora as observações da supervisora de ensino. Segundo Rosângela, a vulnerabilidade emocional dos estudantes fica mais evidente durante as aulas de Projeto de Vida, que trabalha os sonhos e o planejamento dos alunos para o seu futuro pessoal e profissional.
“O que nós percebemos é que eles estão com um esvaziamento de projeto de vida, como se houvesse uma falta de perspectivas. Existe uma apatia, uma indiferença a qualquer tipo de projeção futura e isso é preocupante”, revela Rosângela, indicando que uma parcela desses jovens, principalmente no ensino médio, não tem expectativa de fazer um curso superior porque precisa entrar logo no mercado de trabalho, mesmo que em subempregos, para ajudar no sustento da família. “Para uma parcela desses jovens, a necessidade urgente de ganhar algo (ter uma renda) leva à apatia.”
O Projeto de Vida faz parte da grade curricular das escolas estaduais, bem como outras ações para construir as habilidades socioemocionais dos alunos, como o Jovem Acolhedor, que prepara os veteranos para receber os novatos e observar comportamentos atípicos, como a apatia ou o nervosismo entre os colegas. “Eles observam, tentam se aproximar e levam essa demanda para o mediador da escola, que é o vice-diretor: ‘Olha, nosso colega está apático, não está querendo fazer nada na aula.’ E esse olhar do aluno é importante porque, muitas vezes, o adolescente se abre para um colega, mas não se abre com o adulto. Os acolhedores têm essa função de implantar uma cultura de solidariedade na escola.”
Alunos aprovam atividades voltadas à saúde emocional
Em visita da reportagem do PORQUE à Escola Estadual Altamir Gonçalvez, no jardim Magnólia, a vice-diretora Welika Fabíola da Conceição Ribeiro falou com orgulho dos avanços no trabalho desenvolvido na unidade para ampliar e melhorar o acolhimento aos estudantes, que estão entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental, mas também demonstrou preocupação sobre o tema.
A unidade foi uma das primeiras da cidade a adotar o período integral, em 2013, com carga horária de nove horas, dentro do Programa de Ensino Integral (PEI) e se tornou um modelo para o programa.
Dentro do PEI, são desenvolvidas atividades para a melhoria das habilidades socioemocionais e valorização da vida, como a Tutoria, o Projeto de Vida, o Protagonismo Juvenil, o Jovem Acolhedor e o grêmio estudantil, onde o aluno tem espaço para fala e é trabalhada a escuta ativa.
Cinco estudantes da escola Altamir Gonçalvez falaram com a reportagem do PORQUE sobre saúde emocional, revelaram inseguranças e como esses projetos e os olhares mais atentos de professores ou dos demais funcionários os ajudam a adquirir segurança e enfrentar melhor os desafios diários.
“O Marcos é uma pessoa muito importante pra mim na escola, foi a pessoa com quem eu mais me identifiquei e que me ajudou muito porque ele sempre me olhou como ele olha para alguém de perfil tradicional na sociedade, sem julgamentos”, conta Bomani*, 13 anos. Em uma roda de conversa com a reportagem, os colegas da escola e a vice-diretora, ele contou que é homossexual, gosta de se maquiar e usar peças de roupas culturalmente associadas ao universo feminino.
Vítima constante de bullying e cyberbullying, Bomani* já teve um canal com dicas de maquiagem em uma rede social, com mais de 3 mil seguidores, excluído devido aos ataques virtuais, que ele ainda não conseguiu evitar presencialmente. “Eu não ligo mais para os olhares e julgamentos das pessoas, mas eu e minha mãe tememos pela minha segurança quando eu estou na rua ou em um ônibus de maquiagem.”
Mas, diferente do que vivencia na rua, Bomani teve na escola Altamir Goncalvez, desde o primeiro dia de aula, o respeito e acolhimento que lhe é devido, por parte dos colegas, professores e demais funcionários. “Aqui, eu conheci pessoas e percebi que não estava sozinho. Nunca ninguém se dirigiu a mim com preconceito”, relata.
O Marcos – a quem o aluno Bomani cita – é o professor Marcos Clóvis Fogaça, que ministra aulas de Artes, Projeto de Vida, disciplinas eletivas e Protagonismo Juvenil. Este ano, ele está aplicando duas novas dinâmicas, Conselho da Juventude e Círculo da Paz, que abrem mais um espaço para que os alunos falem sobre seus dilemas pessoais e desenvolvam a escuta ativa.
Os estudantes disseram à reportagem como todas essas atividades lhes trouxeram experiências positivas, ensinando-os a desenvolver a empatia, conhecer-se melhor e, assim, entender o que deseja e planejar seu futuro. “Eu sempre quis ser acolhedora para ter uma voz maior (sic), porque eu sou muito tímida. E desde que eu me tornei acolhedora, fiz mais amizades, com alunos e outros acolhedores com que eu nunca tinha conversado”, revela Amara*, aluna acolhedora e integrante da Comissão de Direitos Humanos. Com 14 anos, ela está na unidade desde os 12 e agora é chamada de advogada pelos colegas e professores, em uma amostra de que está superando a timidez e conquistando o espaço que almeja.
Também tímida, Ayana* conta que aprendeu a ouvir os colegas e ter mais empatia. “No grêmio, nós procuramos nos ajudar. Se um aluno sofre bullying, por exemplo, e o professor não percebe e o aluno não conta, nós procuramos intervir, alertar o professor para o que está ocorrendo.”
Já o Erasto* relembra a insegurança que sentiu em seu primeiro dia de aula e como o acolhimento dos colegas e professores foi importante. “Eu vim de uma escola particular, onde não dão ouvido para o aluno como aqui. Lá, eles se preocupam mais com ensino e nota. Aqui, prova e ensino também são importantes, mas tem uma diferença.”
Com mais de 20 anos de magistério, sendo oito no Altamir Gonçalves, Welika acredita que a escola alcançou um diferencial na relação entre os alunos e alunos e corpo docente. “Um ponto muito bacana aqui no Altamir, entre todas as escolas que eu já trabalhei, é essa escuta ativa, mesmo entre os colegas. Eles não perguntam por que o colega é daquele jeito, eles simplesmente se aceitam. A convivência deles, a escuta, o apoiar, eu acho isso muito bonito neles.”
*Nomes fictícios, a fim de preservar os adolescentes.
Clique aqui para ler a primeira parte desta reportagem.
Atenção: se você está em sofrimento mental ou pensa em suicídio, procure ajuda médica ou de psicólogos. Há atendimento gratuito nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Não fique sozinho.
Se precisar conversar, procure o CVV pelo telefone 188, por chat ou e-mail pelo site cvv.org.br.