Para Manga, sua honra, reputação e dignidade foram atingidas ao ser chamado de “medíocre” (de qualidade média, comum; mediano). Ele ameaçou processar cidadão por crimes que preveem até 3 anos de prisão caso não retirasse os posts acima e se retratasse. Imagens: Reprodução/Facebook
O prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) ameaçou processar criminalmente um cidadão que o chamou de “medíocre” nas redes sociais. Embora a palavra “medíocre” signifique “mediano” ou “abaixo da média”, segundo os dicionários, Manga considerou a expressão um “crime” contra a sua “honra” e enviou uma notificação extrajudicial ao ativista da causa animal, Oires Centurion Junior, assinada por três advogados, exigindo que as postagens fossem apagadas e que o cidadão fizesse uma retratação.
“Saliente-se que o não atendimento” dessas exigências “será interpretado como negativa e ensejará a adoção de todas as medidas e providências necessárias”, afirmam os advogados do prefeito na notificação extrajudicial. As providências, segundo o documento, são “as medidas judiciais cabíveis, cível e especialmente no âmbito criminal”, que incluem a pena de prisão.
Os advogados do prefeito Manga também exigem que o ativista não publique mais “quaisquer condutas difamatórias, em todas as plataformas virtuais”, sob pena de ser processado. “Por fim, registre-se que os demais envolvidos no objeto da presente Notificação serão alvos de notificações próprias, ou diretamente de expediente policial próprio, de acordo com as ofensas proferidas por cada um deles e no limite de suas participações”, finalizou a notificação, assinada pelos advogados de Manga, Daniel Leon Bialski, Bruno Garcia Borragine e Anna Julia Menezes.
Assustado com a ameaça do prefeito, Junior apagou as duas postagens em que chama Manga de “prefeito medíocre”, na última quarta, 23, e publicou uma retratação: “Doravante procurarei não ser tão incisivo e agir moderadamente, e me abster de criticá-lo. Espero que o episódio sirva para que o prefeito também reconheça que estamos um pouco descontentes com sua atuação em relação à causa animal, à qual ele prometeu ter uma dedicação especial. Peço que quem porventura o tenha nas redes sociais faça com que essa retratação e esse compromisso cheguem até ele. Grato”, escreveu o ativista.
Não há crime na crítica
O Portal Porque teve acesso às duas postagens apagadas, que sobrevivem, justamente, como “prints” na notificação extrajudicial. A primeira postagem é de 28 de maio e, nela, o ativista critica a cavalgada realizada pela Prefeitura de Sorocaba. No único ponto em que cita o prefeito, Junior comenta, sem citar o nome de Manga: “Precisamos trocar o prefeito medíocre e os vereadores semianalfabetos por pessoas mais cultas e esclarecidas.” O ativista escreveu isso por considerar a cavalgada como “atraso” e “ignorância”.
Já a segunda postagem, de 2 de junho, era uma crítica à decadência do centro de Sorocaba. Júnior reclama do abandono da região central e diz para os comerciantes que, sem investimentos no desenvolvimento do Centro, o “prefeitinho medíocre e os vereadores semianalfabetos neutralizam os seus esforços”.
Embora nas duas postagens a única citação ao prefeito se referia a ele como “medíocre” — o que é uma avaliação, e não uma ofensa, segundo dois advogados ouvidos pelo Porque –, Manga ameaça enquadrar o ativista nos artigos 139 e 140 do Código Penal Brasileiro, que tratam da difamação e da injúria.
Como o ativista publicou as postagens também numa página do Facebook, o que daria um “amplo alcance da conduta delituosa”, segundo a notificação, Manga ameaça enquadrar Junior também no artigo 141 do Código Penal, que prevê aumento da pena caso a calúnia, a difamação ou a injúria forem cometidas “por meio que facilite a divulgação”.
Os crimes pelos quais Manga ameaça processar o cidadão preveem penas de um a três anos de prisão e multa, no caso da injúria, e detenção de três meses a um ano e multa, no caso da difamação. Já o agravante causado pela divulgação ampliada prevê o aumento da pena em um terço.
O Portal Porque ouviu dois advogados, que consideraram que as ameaças de processo contidas na notificação extrajudicial de Manga não têm qualquer fundamentação jurídica. Um dos advogados até riu ao saber que a causa de injúria e da difamação é baseada na expressão “prefeito medíocre”.
Já a vítima da ameaça, Centurion Junior, disse ao Portal Porque que está tranquilo. “Eu já tinha visto no dicionário. A expressão ‘medíocre’ seria como ‘ausência de qualidades’. Se enquadra em liberdade de expressão, e não atinge honra. Por isso estou seguro”, explicou, alegando que apagou as mensagens por cortesia ao prefeito.
“Se ele me processar, estará prejudicando um idoso aposentado que mantém 28 animais com dinheiro do próprio bolso”, comentou Júnior, destacando que foi apoiador de Manga nas eleições. “Eu ajudei ele na campanha, acreditei nele e em suas promessas… Mas ele me decepcionou e, por isso, agora o crítico. Como ex-apoiador, tenho muito mais crédito em criticar do que se tivesse sido opositor. Creio haver muitas e muitas pessoas nessa mesma situação”, finalizou.
A Secretaria de Comunicação da Prefeitura se recusa a atender o Portal Porque, mas o espaço segue aberto caso o prefeito queira dar sua versão.
