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‘Está suspeitando? Denuncie’, diz delegada sobre casos de violência sexual contra crianças e adolescentes

Delegada Alessandra Reis dos Santos Silveira, titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), fala do trabalho no combate à violência sexual contra menores

Jônatas Rosa (Porque)

“A denúncia é a única forma da gente conseguir proteger essa criança e fazer romper esse ciclo de violência”, diz Alessandra Reis dos Santos Silveira, titular da DDM. Foto: Divulgação/Prefeitura de Sorocaba

Em entrevista ao Portal Porque, a delegada Alessandra Reis dos Santos Silveira, titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), fala do trabalho no combate à violência sexual contra a crianças e adolescentes e destaca a importância das denúncias.

“A denúncia é a única forma da gente conseguir proteger essa criança e fazer romper esse ciclo de violência”, enfatiza.

Confira a entrevista completa:

O que é considerado estupro de vulnerável?
É estupro de vulnerável quando a vítima tem menos de 14 anos ou, por alguma situação, ela não tem a capacidade de discernimento ou de resistir àquele fato. O que seria? A pessoa está hospitalizada, sob efeito de medicamento ou por ingestão de bebida alcoólica, ela não está consciente. Nesses casos também é considerado estupro de vulnerável.

Os dados mostram um aumento no número de registros de casos. A senhora considera que os casos aumentaram ou as pessoas estão denunciando mais?
Eu acredito que as pessoas estão denunciando mais. Nós ainda estamos saindo de uma época pós-pandemia em que muitas situações acabavam acontecendo e a criança não tinha condições de procurar alguém fora da casa para relatar [a violência sofrida]. Eu acho que esse aumento se deve ao esclarecimento, à divulgação, à amplitude que tem se dado em todos os meios de divulgar o que é violência doméstica, ao conhecimento. A gente sabe que muitos casos em que a criança assiste uma palestra na escola, tem alguma orientação e ela fala: ‘nossa, mas isso acontece comigo, eu não sabia que isso era uma violência”. Daí ela procura o meio de estar narrando nessa situação. Eu acho que se deve muito a maior divulgação, dos programas de conscientização.

A senhora acredita que há subnotificação dos casos?
Sim, infelizmente tem subnotificação e é muito grande. A maior parte das vítimas são meninas abaixo dos 13 anos e meninos abaixo dos 9.

Quais fatores contribuem para esse tipo de crime?
É um crime que, na maioria das vezes, é praticado por pessoas que a criança convive no dia a dia, pessoas conhecidas. Então, de certa forma, a criança que é vítima confia naquela pessoa, ela não vê aquela pessoa como uma pessoa que vai fazer mal para ela. O abusador não chega com violência, ele vai envolvendo a criança para conseguir praticar o abuso. Então, na maioria das vezes, no começo, a criança não percebe se ela não tem essa ciência do que é um toque ou uma situação de abuso que ela está sendo vítima de violência. Quando percebe, ela já está um pouco maior e aí ela tem vergonha porque na cabecinha dela, ela fala, já aconteceu, ela tem vergonha de contar. E medo porque nessa hora o abusador começa a fazer ameaças. Normalmente fala que vai prejudicar a família, começa a desvalidar a fala da criança, fala que não adianta falar que não vão acreditar, que vão achar que a culpa é dela. Então, tudo isso começa a desmotivar a criança para poder notificar que está sendo vítima.

“O abusador não chega com violência, ele vai envolvendo a criança para conseguir praticar o abuso.”

Existe um perfil do abusador?
Normalmente são pessoas que procuram estar perto de crianças. Então, você vê aquele adulto, por exemplo, que não tem filhos, mas sempre chamando um monte de criança para ir na sua casa. Não estou dizendo que todas as situações sejam [como esta], mas perceber as situações porque, normalmente, o abusador fala muito bem, ganha a confiança da família. Ele é uma pessoa que todo mundo fala: ‘nossa, mas nunca imaginei que faria isso’. Isso faz parte já do perfil. Ele se vale disso justamente para ter confiança da família para poder circular próxima das vítimas. São pessoas próximas, às vezes, até mesmo familiares, amigos próximos, vizinhos.

Como é o trabalho na DDM?
Os casos de abuso sexual chegam até a delegacia, a família vem diretamente para a delegacia ou é encaminhada, às vezes dá entrada no hospital por alguma situação de lesão mais séria, ou Conselho Tutelar tem conhecimento e encaminha. Ou muitas vezes a criança está naquele núcleo onde ela sofre a violência e, na escola, ela tem alguém que ela confia e acaba relatando. A escola também faz a notificação. É feito o registro de boletim de ocorrência. Sendo caso, a vítima é encaminhada para fazer exame de corpo de delito e é encaminhada, aqui em Sorocaba, para o Gpaci, que tem o atendimento da criança vítima e testemunha de violência. Lá, ela vai ser escutada com todas as cautelas, precauções para que ela não fique sendo vitimizada. Toda essa rede interligada – Conselho Tutelar, delegacia, Escuta Especializada, Varas da Infância e Criminais – para garantir a proteção [das vítimas].

Quais são os grandes desafios para se investigar esses casos?
Os grandes desafios é que eles acontecem, na sua maioria, no ambiente doméstico familiar. Muitas famílias, às vezes, têm dificuldade em validar a fala da criança, acreditar no que a criança está falando. Esse é um grande desafio. E da criança também conseguir trazer à tona o que aconteceu.

Quais são as medidas legais tomadas nos casos de violência sexual?
Feito o registro do boletim de ocorrência, vai ser instaurado inquérito. Nesse inquérito, nós vamos providenciar a juntada do laudo do exame de corpo de delito, que foi feito pelo IML, a Escuta Especializada dessa criança. Vamos procurar ouvir todas as testemunhas que possam contribuir com alguma informação e ouvir o autor também. Tendo a prova da materialidade – que nem sempre a gente tem uma prova nesses casos – tendo indícios suficientes da autoria de que o fato aconteceu, esse autor é indiciado e o inquérito é submetido à Justiça para o processo.

Não ter uma materialidade é uma dificuldade desses processos?
Sim, porque o que acontece, tem atos libidinosos que não deixam vestígios. Então, você vai encaminhar uma vítima como? Não, não tem como comprovar. Diferente de uma conjunção carnal que deixa vestígio, o ato libidinoso não deixa e é considerado um estupro da mesma forma.

O que é conjunção carnal e o que é ato libidinoso?
A introdução do pênis na vagina, isso é considerado conjunção carnal. Ato é libidinoso são as passadas de mão, beijo lascivo em criança, todos esses outros atos.

A senhora acredita que mecanismos legais que existem hoje são suficientes para combater esse tipo de crime?
Sim. O que eu vejo que tem um aumento muito grande é essa possibilidade de levar informação para as crianças. Porque, até um tempo atrás, não se falava de abuso como se não existisse. Hoje em dia a gente tem campanhas falando do abuso, todos os órgãos têm essa preocupação. As escolas têm essa preocupação em detectar, nós temos, principalmente em Sorocaba, um Conselho Tutelar muito ativo. Então, tudo isso facilita, sim. E acho que o que precisa, realmente, é investir na orientação.

A orientação é o caminho para avançar no combate desse crime?
É a orientação, a educação. É as pessoas saberem que a denúncia é muito importante. Às vezes, a pessoa da família não percebe, mas tem uma pessoa de fora que começa a perceber. A família acha normal, por exemplo, aquele carinho do adulto com aquela criança. A pessoa de fora já consegue perceber. Então, qualquer pessoa pode fazer uma denúncia. Está suspeitando? Denuncie. Nós vamos atrás, vamos apurar. Se não for um abuso, ótimo! Mas se for, ela trouxe a oportunidade de a gente resgatar uma vítima.

“Está suspeitando? Denuncie. Nós vamos atrás, vamos apurar. Se não for um abuso, ótimo! Mas se for, ela trouxe a oportunidade de a gente resgatar uma vítima.”

A existência da DDM ajuda a ter mais denúncias?
Todas as delegacias têm profissionais capacitados. Qualquer delegacia que uma mulher ou uma mãe vá com uma criança, quem atender vai ter a capacitação para fazer esse atendimento humanizado, apropriado para estar excepcionando essa ocorrência. Mas a Delegacia da Mulher, por ser especializada, são atuações mais perante esses crimes. Então é uma delegacia que não tem o mesmo movimento de uma outra delegacia. A gente foca mais nesse atendimento [especializado] e aqui em Sorocaba, tem a delegacia. 24 horas também, que é uma oportunidade maior ainda das vítimas comparecerem.

O que a senhora diria para encorajar as pessoas a procurar ajuda?
A vítima não é culpada de estar naquela situação, ela não tem que ter vergonha. Ela está desconfiada, porque, às vezes, a criança não tem ideia de que está sendo vítima. Desconfiou de uma situação que você não está confortável, procura uma pessoa, um adulto de confiança e converse. Um adulto presenciou, procura pela delegacia, vem noticiar o que está acontecendo, porque a denúncia é a única forma da gente conseguir proteger essa criança e fazer romper esse ciclo de violência.

Para fazer uma denúncia, o que é preciso?
De preferência presencial [na DDM], mas nós temos a delegacia online que também recebe o registro das ocorrências. Às vezes ela não sabe o local exato, às vezes não tem autoria, mas tem a suspeita de abuso, nossa função aqui é elucidar a autoria. Então, o que ela tiver de dados, traz e nós vamos investigar e apurar todas as circunstâncias. Tendo suspeita, pode procurar aqui pela delegacia, aqui funciona 24 horas, ou qualquer outra delegacia. É muito importante orientar as crianças, conversar com as crianças e, tendo conhecimento [de casos], fazer a denúncia.

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