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Ordem de reintegração de posse leva incerteza para 150 famílias em Votorantim

Durante a pandemia, por lei, foram proibidas as reintegração de posse. Mas, agora, as famílias do Teresa de Benguela sofrem com a falta de solução para moradia digna

Fernanda Ikedo (Portal Porque)

Ocupação na Capoavinha tem cerca de 150 famílias, que foram poupadas durante a pandemia, mas correm o risco de ficar na rua se o poder público não tomar nenhuma atitude. Foto: Fernanda Ikedo

A Justiça decidiu pelo despejo de cerca de 150 famílias da ocupação Teresa de Benguela, que fica no bairro Capoavinha, em Votorantim.

Pela decisão da 1a Vara Cível da Comarca de Votorantim (processo n. 1002896-52.2020.8.26.0663), os moradores devem deixar o local onde moram há três anos em até 60 dias, a partir do dia 10 de julho.

Passado esse tempo, poderá ser acionada a força pública policial para a reintegração de posse, com destruição das casas e retirada dos pertences à força.

Vários recursos judiciais foram tentados, mas a sentença foi mantida. A última esperança dos moradores é de que, diante do problema social, ainda possa haver uma reconsideração por parte do Judiciário.

Desamparo e desespero

A decisão espalhou consternação entre os moradores.

Após o marido ficar desempregado em 2020, primeiro ano da pandemia, Luciane Aparecida Galdino, 39 anos, mudou-se junto com outras dezenas de famílias para a área. Ela conta que construiu o barraco com doação de madeiras para se estabelecer com os cinco filhos, incluindo dois que são portadores de deficiência.

“Logo depois que chegamos sofremos uma tentativa de despejo e foi um terror. Dezenas de policiais com armas, com caminhão, ônibus, desceram e pediram para todo mundo sair de suas casas, ainda de madrugada. Não quero que meus filhos presenciem isso de novo”, conta emocionada.

Essa reintegração foi barrada e não se concretizou pela ação da advogado da Frente Nacional de Luta por Moradia (FLN) e pela Defensoria Pública.

Durante a pandemia, por lei, foram proibidas as reintegrações de posse. Mas, agora, as famílias do Teresa de Benguela vêm sofrendo com a falta de solução para moradia digna.

“Eu adoro este lugar. Não sei o que vai ser. Aqui, as crianças podem brincar sem medo, tranquilas, até a noite”, relata Simone Valdeci Regis, 36 anos, mãe de quatro crianças.

Ausência do poder público

O dirigente estadual do movimento por moradia Caíque Araujo relata que, na audiência onde estavam representantes da ocupação, o poder público de Votorantim, policial militar e defensoria, o Grupo de Ações de Reintegração de Posse (Gaorp), órgão do Estado, sugeriu que as famílias pedissem auxílio do município para que indique abrigos públicos ou alojamentos provisórios. “Mas, até agora o município não demonstrou responsabilidade pela ocupação e pelos seus ocupantes. Isso e uma arbitrariedade”, ressalta.

Outro morador que está preocupado com a situação é o ajudante de obras Fábio.José da Silva, 35 anos, que tem quatro filhos. “Eles estudam na escola do Jardim São Lucas, aqui próximo. O ônibus vem até para buscá-los. Como será para nossas famílias que não tem pra onde ir? Foi a pior notícia que a gente recebeu.”

No registro de propriedade, a área pertence a Orlando Ribas Lopes, que é representado por um advogado.
A geógrafa, pesquisadora e professora do mestrado Estudos da Condição Humana (PPGECH) da UFSCar, Rosalina Burgos, observa que “se partirmos do princípio da dignidade humana e a Carta Maior, que é a Constituição, o direito à moradia é um dos pilares dessa dignidade humana. Portanto, a justiça deveria prezar pelo valor de uso das terras e não pelo valor de troca.”

Rosalina destaca o aumento vertiginoso do déficit habitacional na região metropolitana de Sorocaba conforme os números apresentados pelo IBGE. “Os governantes locais receberam com entusiasmo que a cidade de Sorocaba, por exemplo, cresceu mais de 100 até quase 200 mil novos habitantes, mas nós perguntamos: há moradias dignas para todos?”.

Ela lembra ainda que essa população é composta por trabalhadores, idosos e crianças, pessoas que lutam pelo direito básico, que é o de moradia. “Os movimentos por moradia e por terra no Brasil contam com o suporte de terras que têm entraves ou que estão improdutivas. No caso de Teresa de Benguela, uma investigação aprofundada nos dá elementos para questionar a última decisão da Justiça que, infelizmente, dá razão à propriedade privada que tinha uso questionável em detrimento à função social que a terra urbana, em princípio, deveria ter.”

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