
Hoje com 93 anos, o ex-comentarista esportivo vive ladeado pela família: viu Dondinho, pai de Pelé, jogando pelo Bauru Atlético Clube. Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Quando se fala em imprensa esportiva de Sorocaba, é inegável a importância histórica da equipe 1080, da antiga Rádio Clube de Sorocaba (PRD7). Um timaço de cronistas esportivos que marcou época em um período onde sequer se imaginava falar em internet, transmissão on-line e outras modernidades.
Criada em 1957 pelo radialista Eurides Bertoni Júnior, a equipe 1080 cobriu praticamente todos os eventos esportivos da cidade em mais de três décadas. Da grande equipe, entre outros, dois nomes ainda estão aí para contar essa bela história: o comentarista Aldrovando Moreira Filho e o narrador José Desidério.
Eles compuseram o time que tinha, entre outras feras do rádio esportivo sorocabano, o jornalista Jota Bonora, o narrador Jurandyr Matheus, o repórter Clodoaldo Armando Júdica, o plantão esportivo Caio Cômitre, além de Ferraz Filho, Esper Adade, Salomão Pavlosvky, Décio Fernandes, Valdemar Ribeiro e Flávio Moraes.
Numa singela homenagem aos grandes nomes da história do rádio esportivo sorocabano, o Portal Porque conversou com Moreira Filho, que hoje está com 93 anos. Seo Moreira, como gosta de ser chamado (viúvo de Thereza, falecida em 2023), vive ladeado pelo filho Pedro, pela nora Marise e pelos netos Ana Laura e Luiz Felipe.
Ele é da época em que os comentaristas eram muito críticos e severos nas análises, principalmente em relação ao Esporte Clube São Bento. Nesta entrevista, Moreira fala de sua vida e das experiências no rádio esportivo. Confira:
Portal Porque – Como foi sua infância? O senhor é de Rio das Pedras, não é? E veio quando para Sorocaba?
Moreira Filho – Sim. Nasci em Rio das Pedras, São Paulo, em 25 de janeiro de 1930. Passei minha infância em Bauru, onde estudei. Ainda novo [em 1945 com 15 anos] fui escriturário da Estrada de Ferro Sorocabana. Vim para Sorocaba em 1º de julho de 1947. Depois me formei no curso de normalista e pedagogia e lecionei nas principais escolas de Sorocaba. Minha querida cidade que me concedeu – e sou muito orgulhoso por isso – o título de cidadão sorocabano em 6 de setembro de 1991. Tenho muito orgulho de ser sorocabano por adoção.
PQ – Mas o senhor, como todo bom brasileiro, jogou futebol quando era garoto. Isso foi na época do pai de Pelé?
MF – Sim. Em Bauru joguei futebol de 1943 a 1947 e obtive o título jogando na 1ª edição do Campeonato Juvenil da Liga Bauruense de Futebol. Tive a satisfação de ver em campo, várias vezes, Dondinho, pai de Pelé, jogando pelo Bauru Atlético Clube. Naquela época também vi várias vezes jogos do trio de ferro Corinthians, São Paulo e Palmeiras, em São Paulo. E desde aquela época [e décadas seguintes], tínhamos grandes destaques no rádio esportivo: Pedro Luis, Geraldo José de Almeida, Edson Leite, Fiori Gigliotti, Mario Morais, Ari Silva, Mauro Pinheiros, destaques nos anos 1940, 50 e 60.
PQ – Como começou a trabalhar no rádio esportivo? E a primeira transmissão ou jornada esportiva?
MF – Eu iniciei minha caminhada na radiofonia e no rádio esportivo em 1954 [com 24 anos]. Fui levado pelo colega de trabalho da Estrada de Ferro Sorocabana na época, o também radialista Ubirajara Batista Ferreira. Começamos ali e, juntos, idealizamos a fundação da Associação dos Cronistas Esportivos de Sorocaba, hoje extinta. É preciso lembrar que na época essa atividade [crônica esportiva] era restrita apenas àqueles que tivessem vivência esportiva. Já a minha primeira participação externa [fazendo futebol], foi em São Carlos [jogo do São Bento], em 1954, pela PRD7 Rádio Clube de Sorocaba.
PQ – Quais foram os amigos, companheiros e nomes do rádio esportivo que gostaria de destacar?
MF – Tivemos grandes companheiros de jornadas e radiofônicas [naqueles 40 anos – década de 1950 até 80] como Jurandyr Matheus, Bertoni Júnior, José Desidério, Ferraz Filho, Esper Adade, Salomão Pavlosvky, Décio Fernandes, além de Ubirajara Batista e outros. Todos muito competentes em suas narrações e outros grandes nomes como Jota Bonora [comentarista e jornalista], Clodoaldo Armando Júdica [repórter e setorista do São Bento], Caio Cômitre [plantonista], Décio Fernandes, Croco Jr e muitos outros.
PQ – Nesses mais de 30 anos na crônica esportiva quais os jogos que mais lhe marcaram? E a despedida dos microfones, como foi?
MF – Foram 35 anos ininterruptos de atividades e alguns jogos marcaram minha vida na imprensa esportiva. Um deles foi no Maracanã [1979], entre São Bento e Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro [4 a0 para o time carioca]. Outro foi São Bento e Nacional do Uruguai, em Sorocaba. Mas o maior de todos e que realmente me traz grandes memórias, foi o acesso do São Bento, em 1963, em São Paulo. Foi o primeiro acesso de Sorocaba para a 1ª Divisão e a partida contra o América de Rio Preto, no Pacaembu, foi inesquecível. Me lembro até hoje do primeiro acesso do São Bento à 1ª Divisão [na época o time era dirigido pelo técnico Capão].
PQ – E a despedida dos microfones, como foi?
MF – Quanto à minha despedida no rádio esportivo, ela aconteceu em 1989, em Limeira [jogo entre São Bento x Internacional]. Desde então, devido a outros afazeres, não tive outras chances para comparecer aos estádios e quadras esportivas em Sorocaba. Quanto às transmissões esportivas, hoje narrações e outras competições eu vejo pela tevê. Na nossa época, em Sorocaba, todas as modalidades esportivas mereciam atenção e divulgação. Além do São Bento, Sorocaba sempre se destacou no basquete (Minercal), vôlei (Lufkin), futsal, entre outros esportes. Todos sempre contaram com nosso entusiasmo e presença em suas grandes conquistas.
PQ – Dá para comparar o rádio esportivo de sua época com o dos últimos tempos? E o futebol de sua época? E o futebol feminino?
MF – Hoje já não há radialistas esportivos tão brilhantes como os das décadas de 50, 60, 70 e 80. Falta-lhes a vivência esportiva. Porque o futebol praticado atualmente é inferior ao de outrora. Quem viu craques do nível de Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Oberdan Catani, Ademir Menezes, Cláudio do Pinho, Heleno de Freitas, Pelé, Zito, Garrincha, pode confirmar. Hoje temos mais quantidade que qualidade. Nosso futebol empobreceu. Gostaria de dar destaque para as mulheres que vêm conquistando, de forma merecida, o espaço no futebol, assim como em todas as atividades.
PQ – O comentarista Moreira Filho não era muito severo nas suas análises e, como se fala hoje, não passava pano ou fazia média com ninguém?
MF – Sempre procurei demonstrar atualização e imparcialidade em meu trabalho como analista radiofônico esportivo nos meus mais de 30 anos. Assim como sempre fui na minha vida particular também. Graças a Deus sempre recebendo a aprovação dos ouvintes e desportistas e a grata consideração do torcedor sorocabano, o que me traz motivo de orgulho pessoal e de meus familiares, que sempre me apoiaram e me incentivaram durante toda minha vida nesta missão de divulgar a grandeza do esporte em Sorocaba.
PQ – Quanto ao São Bento, quais foram os grandes jogadores e treinadores que o comentarista Moreira Silva gostaria de destacar? E os dirigentes do São Bento? Fala-se que o clube pode virar “S/A” um dia. O que acha disso?
MF – Pelo glorioso São Bento passaram grandes treinadores, como Filpo Nuñes, Silvio Pirilo, Wilson Francisco Alves [o Capão], Cláudio Duarte e outros menos famosos. Esses treinadores, em boa parte, contaram com atletas de bom nível técnico, entre eles, eu destacaria Luiz Pereira, Marinho Perez, Paraná, Nestor, Picolé, Copeu, Cabralzinho, Adilson, Gatãozinho e muitos outros mais. A lista é grande. Entre os arqueiros [goleiros] podemos citar Zecão e o Luis Antonio. Quanto aos dirigentes, o São Bento, apesar de ter tido um presidente que foi também presidente da Federação Paulista de Futebol [Alfredo Metidieri], nunca teve muita representatividade. Na última questão [clube-empresa], acredito que mesmo que um dia o clube vire empresa, vai resolver.
LEIA OUTRAS MATÉRIAS DESTA SÉRIE:
>> Toninho Rizzardo: quase seis décadas dedicadas ao judô de Sorocaba e região
>> Ídolo do São Bento e de outros clubes, Abelha fala sobre os 40 anos de futebol
>> Soraya Vieira Telles, um símbolo de luta e de determinação no atletismo
>> Clóvis Granado: há quatro décadas, uma história de dedicação ao vôlei sorocabano
>> Regina Bonfim, a rainha do xadrez de Sorocaba
>> São Bento e Joga no Pé trabalham para retomar o futebol feminino em Sorocaba
>> Atleta de Sorocaba quer defender a seleção no Mundial Júnior de Handebol
>> Destaque nas quadras e nos campos soçaite, sorocabana chega à seleção brasileira

Foto de 1974 onde aparece Clodoaldo Armando Júdica e José Desidério (ambos com o microfone nas mãos) e Moreira Filho (o último à direita). Foto: Divulgação/Arquivo pessoal