O despejo diário de milhares de litros de esgoto sem qualquer tratamento diretamente no córrego Itanguá — um dos principais afluentes do rio Sorocaba — pelos caminhões-bomba da empresa Rochaforte Saneamento, por meio de uma tubulação localizada dentro da ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) Itanguá, foi denunciado por um grupo de funcionários do Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Sorocaba para o Portal Porque.
A denúncia foi documentada em vídeo. Com 1 minuto e 50 segundos de duração, o registro feito com celular no dia 28/5 mostra o momento em que a carga de dejetos de um dos caminhões é transferida, por meio de mangueira, para um duto no chão, semicoberto por um tampão quadrado de concreto. Mais à frente, a cerca de 20 ou 30 metros de distância, o vídeo documenta a saída do esgoto líquido, na cor marrom, por meio de um cano, diretamente para o córrego.
Conforme os funcionários que fizeram a denúncia, a prática não é recente, e teria sido autorizada pela direção do Saae à Rochaforte, antiga terceirizada da autarquia, “para reduzir despesas”. Os servidores vão além, e afirmam que aquele duto, localizado próximo de um gerador de energia amarelo, perto das caçambas de descarte, foi construído dentro da ETE especialmente com essa finalidade – provavelmente, para que os caminhões não cheguem até a margem do córrego, onde poderiam ser vistos.
Questionada por e-mail e WhatsApp na segunda-feira, 5, por volta das 15h43, a Secom (Secretaria de Comunicação) da Prefeitura de Sorocaba, mesmo diante do relato de uma irregularidade alarmante, preferiu manter sua política de não responder ao Porque. Desde o segundo semestre de 2021, a Secom se recusa a dar respostas aos leitores deste portal, inclusive naquelas situações em que o silêncio pode ser interpretado como admissão de culpa.
Já a empresa Rochaforte, procurada na terça-feira, 6, respondeu no mesmo dia (veja íntegra do e-mail abaixo). A empresa não comenta se o despejo de esgoto naquele local é certo ou errado. Admite “alta frequência” dos caminhões na ETE Itanguá, resultado de suas atividades “que ocorrem 24 horas em toda cidade”. Essas atividades consistem em “desobstrução de rede de esgoto, limpezas de elevatórias e desassoreamento de boleiros”.
Enfatiza, entretanto, em dois trechos da mensagem, que o local de descarte dos dejetos é determinado pelo Saae, “conforme contrato”.
“Nosso rio indo pro espaço”
O Portal Porque recebeu a denúncia – que, uma vez comprovada, indica a prática de grave crime ambiental – no dia 30 de maio, terça-feira da semana passada. Desde então, vem mantendo contatos diários para colher mais informações com o grupo de funcionários, inconformados com o fato de a Estação de Tratamento de Esgoto, que deveria funcionar para manter o rio e os córregos livres dos dejetos que antes os poluíam, ser usada para o contrário, para poluir as águas. “É a despoluição do nosso rio indo pro espaço”, lamentam.
“Nós queremos de volta o Saae que era motivo de orgulho para nossa cidade e para seus funcionários”, afirmam os servidores, complementando: “O desvio desse lugar está tomando uma proporção que nunca vimos antes.” Conforme os denunciantes, cada caminhão comporta 7 mil litros de dejetos. “Os resíduos sólidos vão para o fundo [do tanque do caminhão], enquanto o esgoto líquido é despejado no córrego. A cada caminhão, e são muitos por dia, 7 mil litros de puro esgoto no córrego.”
Estima-se que a despoluição do rio Sorocaba, iniciada nos anos 2000 por meio da instalação de emissários de esgoto nas margens do rio e seus afluentes, paralelamente à construção das ETEs para tratar os excrementos antes lançados diretamente nos cursos d’água, tenha custado cerca de R$ 300 milhões em dinheiro da época – um dos projetos mais caros e arrojados já desenvolvidos na cidade, que projetaram Sorocaba como um exemplo de preservação ambiental em nível planetário.
As queixas dos servidores, entretanto, vão muito além do despejo de esgoto no córrego. Elas estão contidas em um documento escrito coletivamente e encaminhado à Redação, em que são apresentadas várias denúncias, às quais voltaremos oportunamente. O Saae, na verdade, vive uma crise que explodiu em queixas durante reunião ocorrida no dia 16 de maio, na sede da autarquia. Na ocasião, diante do diretor-geral da autarquia, Tiago Suckow, funcionários expuseram dificuldades recorrentes como a falta de material de trabalho e também de EPIs — equipamentos de proteção individual (leia aqui).
Já no dia 22, o argumento de Suckow, durante a reunião do dia 16, de que herdou um “rombo” de R$ 80 milhões de seu antecessor foi rebatido pelo ex-diretor-geral da autarquia, Ronald Pereira da Silva. Nomeado pelo prefeito Rodrigo Manga (Republicanos), Ronald respondeu pelo Saae de janeiro de 2021 a janeiro de 2022. Sobre a queixa de Suckow, rebateu: “Após um ano e meio alegar isso [rombo financeiro e licitações] me causa muita estranheza e traduz total incompetência da atual diretoria geral” (leia aqui).
O Portal Porque continuará apurando as denúncias dos servidores e voltará com novas reportagens, oportunamente.
Nota da Rochaforte
“Em resposta temos Contrato vigente com o SAAE SOROCABA para limpezas na cidade no qual informa o local de descarte dos dejetos das limpezas no Itanguá.
Esse Contrato foi através de licitação pública, no qual se encontra disponível nos portais do SAAE.
Essa movimentação dos caminhões na ETE ITANGUÁ – SAAE com alta frequência, resulta das nossas atividades que ocorrem 24 horas em toda cidade. Nossas atividades são: desobstrução de rede de esgoto, limpezas de elevatórias e desassoreamento de boleiros. Sendo assim, todos os dejetos gerados nessas atividades são descartados em locais orientados pelo SAAE conforme contrato.”
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