Em julgamento da sexta turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), do dia 18 deste mês, foi decidido que as guardas municipais não podem fazer enquadramento ou abordagem. Os ministros reafirmaram a função das guardas conforme descrita na Constituição Federal, que as exclui do rol dos órgãos de segurança pública e limita sua atuação à proteção de bens, serviços e instalações do município.
Em Sorocaba, a decisão chega no contexto de suspensão do patrulhamento das Rondas Ostensivas Municipais (Romu) da Guarda Civil Municipal (GCM) devido à operação Pantera Negra, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que resultou em nove prisões de agentes suspeitos de praticar torturas.
Essa suspensão ocorreu por liminar da Justiça, concedida no dia 19. Os guardas civis que faziam parte do Romu foram transferidos para atividades administrativas (leia aqui).
Conforme o entendimento do STJ, a guarda municipal por não estar entre os órgãos de segurança pública previstos pela Constituição Federal e, portanto, não pode exercer atribuições das polícias civis e militares.
Conforme o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a guarda municipal não está impedida de agir quando tem como objetivo tutelar o patrimônio do município, realizando, excepcionalmente, busca pessoal quando estiver relacionada a essa finalidade.
A não previsão das guardas municipais no rol de órgãos encarregados de promover a segurança pública consta nos incisos do art. 144 da Constituição. O ministro relator justifica que as polícias civis e militares estão sujeitas a um rígido controle correcional externo do Ministério Público e do Poder Judiciário.
“Não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais. Poderão, todavia, realizar busca pessoal em situações absolutamente excepcionais”, afirma o relator na decisão.
Desvirtuamento das funções
O PORQUE ouviu o advogado criminal Marcos Antonio das Neves Filho, especialista em Direito Penal e Processo Penal, que diferencia as funções: “Enquanto a polícia possui sua estrutura militarizada e atua repressivamente, as guardas municipais possuem uma estrutura civil, pautada (ao menos deveria ser) no patrulhamento comunitário e preventivo, e ainda, vincula sua atuação à proteção dos bens municipais; logo, não possuem o mesmo treinamento e preparo da Polícia Militar.”
Neves destaca, contudo, que, ao invés de cuidar dos bens, serviços e instalações municipais, “o que se vê são os municípios estruturarem cada vez mais suas Guardas Municipais como se policias especializadas fossem, em total desrespeito ao texto legal do artigo 144 da CF”.
Histórico
O advogado criminalista Marcos Neves explica que a guarda municipal surgiu ainda no Brasil Império, “a maioria dos autores referem-se ao ano de 1831, cuja finalidade, à época, era substituir os quadrilheiros (agentes de polícia responsáveis pela segurança pública urbana em Portugal, trazidos ao Brasil com a corte Portuguesa), dando maior efetividade na segurança pública”.
Entretanto, com o fortalecimento e ampliação das Policias Militares, as Guardas foram sendo enfraquecidas e caindo em desuso. “Bem por isso, a Constituição de 1988 redesenhou as atribuições das Guardas e seu limite de atuação.”
Em 2014, com a Lei 13.022 e após a criação do Plano Nacional de Segurança Pública, e mais especificamente, “a Guarda Municipal foi alçada (indevida e inconstitucionalmente) a um novo papel, o que atribuo, principalmente, aos crescentes números da violência urbana e da precarização e falta de investimentos das Polícias Militar e Civil”, conta Neves.
Mudanças
A partir da decisão do STJ que reiterou a função da guarda municipal, ainda conforme o advogado é importante que as prefeituras, “comprometidas com as garantias conferidas pela Constituição Federal, reajustem suas guardas municipais ao determinado pela Norma Maior, adequando os treinamentos, principalmente em relação à observação dos direitos humanos, e instalando câmeras nas fardas e viaturas, a fim de evitar abusos e aumentar a fiscalização externa ao trabalho executado. Afinal, quem vigia os vigilantes?”, conclui o criminalista.