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Prefeitura se vangloria de tirar cobertas de sem-teto às vésperas de frente fria

Megaoperação envolveu diversos setores e comprovou com fotos a apreensão de colchões, cobertores e outros objetos de pessoas em situação de rua

João Maurício Rosa (Portal Porque)
  • Foto: Secom/PMS
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Foi notícia com destaque no portal da Prefeitura, com direito a 22 fotos (veja aqui). Uma operação de guerra foi montada na tarde de sexta-feira, 12, para tomar colchões, cobertores e outros pertences (que a Prefeitura chama de “inservíveis”) de moradores de rua que ocupavam os baixos de uma ponte sobre a linha férrea do Jardim Zulmira.

Em sua publicação, a Prefeitura admite que ingressou em área que não lhe pertence. “Trata-se de área de domínio federal, que foge da esfera da Administração Municipal.” A divulgação da Prefeitura também criminaliza os sem-teto, associando-os a ações violentas, ao afirmar que o poder público municipal está “fazendo a parte que cabe a ele, atendendo ao chamado da população e promovendo a segurança no local”.

A operação mobilizou equipes das secretarias de Governo (Segov), Segurança Urbana (Sesu), Mobilidade (Semob), Serviços Públicos e Obras (Serpo) e Cidadania (Secid), com o apoio da Guarda Civil Municipal (GCM).

“Integrantes do Serviço de Obras Sociais (SOS) e da Cooperativa de Trabalho Social de Egressos e Familiares de Egressos de Sorocaba e Região (Coopereso) também atuaram na operação”, destaca o noticiário, como se a participação de ongs desse legitimidade a uma operação violenta e desproporcional sobre um grupo social extremamente fragilizado.

A escolha da data para a realização da operação deixou no ar a impressão de que não houve coincidência. Desde o início da semana os institutos de pesquisas climatológicas apontavam que no sábado chegaria uma frente fria com mínimas descendo de 12 para oito graus. Fica claro que os estrategistas municipais avaliam que a reação dos moradores de rua varia de acordo com o clima. Com o frio se anunciando seria mais fácil convencê-los a trocar a ponte pelo abrigo do SOS (Serviço de Obras Sociais).

Mas quantos aceitaram? Qual foi o resultado da operação além da eliminação de quase duas toneladas de pertences dos sem-teto, que a Prefeitura chama de “inservíveis”? A Secom (Secretaria de Comunicação da Prefeitura) não responde às mensagens do Portal Porque. O coordenador do SOS, Vanderlei da Silva, diz que a Secom dará as informações mais detalhadas.

“Trata-se de uma operação do Programa HumanizAção e nesse caso envolve o SOS e a Saúde. Pode ter pessoas que não foram encaminhadas ao SOS, mas para o sistema de Saúde ou para residências terapêuticas”, argumenta o coordenador. Segundo ele, não dá pra saber quantos sem-teto do Jardim Zulmira aceitaram se abrigar no SOS porque “o veículo que participou da operação já estava com outras pessoas quando foi dar apoio”.

Vanderlei da Silva é coordenador do SOS há mais de 25 anos. O funcionamento da ong é totalmente dependente dos recursos da Prefeitura. Nenhuma outra instituição oferece alternativa de abrigo para os moradores de rua de Sorocaba. Os que permanecem nas ruas não conseguem de adequar às regras do SOS que, apesar de uma cama quente e quatro refeições por dia, é rígido nos horários de entrada e saída.

Em dezembro do ano passado, o Portal Porque publicou reportagem denunciando os rapas da Prefeitura para desmantelar acampamentos de sem-teto. Silenciosamente, a Prefeitura tomou colchões e cobertores de grupos de sem-teto que se abrigavam em pontos de grande concentração popular como o Cemitério da Saudade, a Estação Rodoviária, o Conjunto Hospitalar, as unidades de saúde de pronto atendimento e as pontes sobre o rio Sorocaba (leia aqui).

Na ocasião, a Prefeitura também não respondeu às acusações, embora vários moradores de rua denunciassem o abuso. A Prefeitura também teria ameaçado multar restaurantes que fazem doação de comida, um procedimento já utilizado pelo antecessor de Rodrigo Manga (Republicanos), José Crespo, e que também não logrou êxito. Em 2017, Crespo foi acusado de tentar impedir o padre Wagner Lopes Ruivo, da Pastoral da Fraternidade e da Caridade de Sorocaba, de distribuir marmitas aos sem-teto. Na época, a Prefeitura alegou ao Z Norte jornal que tudo não passou de um mal-entendido (leia aqui).

Mais recentemente, em março deste ano, o Portal Porque denunciou a interdição sistemática, diária, de duas vagas para carga e descarga existentes na rua de São Bento, proximidades da praça Coronel Fernando Prestes. Conforme comerciantes ouvidos, a colocação de cones e faixas, sempre no fim da tarde e durante a noite, seria para evitar que ongs estacionassem veículos no local e distribuíssem alimento às pessoas em situação de rua (leia aqui). Também neste caso, a Prefeitura preferiu não se manifestar, seja para desmentir, seja para justificar a arbitrariedade.

Mas o que não falta em Sorocaba são pessoas dispostas a doar e gente decidida a viver nas ruas sem contar com a dispendiosa proteção do Poder Público e suas regras autoritárias. Agora mesmo, coincidindo com a operação da Prefeitura para inviabilizar a vida nas ruas, está em curso uma campanha de arrecadação de agasalhos pela Pastoral da Promoção Humana da Paróquia Nossa Senhora Aparecida do Jardim Prestes de Barros.

Contando apenas com doações da comunidade do entorno, a Paróquia contribui com o sustento de 30 famílias distribuindo cestas básicas mensais. E também distribui 60 marmitas quinzenais para moradores de rua da região. Sobre a operação da Prefeitura contra moradores de rua, a Paróquia preferiu o silêncio.

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