
Promessa de atendimento pediátrico sem agendamento ficou na metade do caminho, com clínicos acumulando serviço e priorizando as crianças. Foto: Divulgação/Prefeitura de Sorocaba
O programa Pediatra no Bairro, lançado pela Prefeitura de Sorocaba como solução para contornar a falta destes profissionais nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde), estreou nesta quarta-feira (3). Só que, em vez de pediatras, o atendimento foi feito pelos poucos clínicos gerais disponíveis nas unidades, o que deixou muitos adultos e idosos sem atendimento, segundo denúncia feita ao Portal Porque por servidores, ainda na quarta-feira à noite.
O secretário da Saúde de Sorocaba, Cláudio Pompeo, por sua vez, elogiou a atuação dos funcionários do setor no primeiro dia do programa, embora reconhecendo que houve “pouco planejamento, pouca estrutura humana e um nível altíssimo de pressão”. Uma mensagem otimista do secretário, distribuída em grupos de servidores da SES (Secretaria da Saúde) no WhatsApp, foi definida como “quase uma ironia” por uma servidora. “Virou sarcasmo”, acrescenta.
O anúncio do programa foi feito em 23 de março, sem que a Prefeitura desse informações sobre contratação de pediatras, que estão em falta na rede. A promessa é que todas as 33 UBSs da cidade passarão, a partir de agora, a atender crianças sem agendamento, todas as segundas, quartas e sextas-feiras. Chegou, deve ser atendido.
Na prática, não foi bem assim. Numa das unidades consultadas, que tem uma média de 30 mil usuários por mês, nenhum pediatra foi contratado e os dois clínicos disponíveis, que já enfrentam sobrecarga de trabalho no dia a dia, foram colocados para atender às crianças. O mesmo, conforme as denúncias dos servidores, ocorreu em outras unidades.
A situação se torna ainda mais complicada na medida em que, conforme os funcionários da linha de frente, pacientes adultos com alto grau de risco estão sendo deixados em espera para priorizar o atendimento às crianças, mesmo casos sem gravidade. “O prefeito mentiu para a população, está fazendo palanque político usando o nosso trabalho”, denuncia um servidor.
Segundo este mesmo denunciante, muitos usuários não tiveram compreensão para a dificuldade de atender a todos e alguns chegaram a xingar os funcionários. “A população chega, ela grita, ela xinga. Eu estou rindo para não chorar. O desrespeito com os profissionais de saúde de Sorocaba está virando um absurdo insustentável. Tudo para dar palanque para o prefeito e os cupinchas dele”, acusa.
“Não temos pediatra. Não tem como atender a demanda espontânea sem contratação de médicos e enfermeiros”, argumenta o servidor. Além de não contar com um especialista, a unidade em que ele atua sequer tem insumos para pediatria, como agulhas para aplicação de soro em crianças. “Só temos agulhas do tamanho de uma carga de caneta para casos de convulsões onde a aplicação tem que ser rápida e de alto volume”, explica.
Os profissionais de Saúde em Sorocaba, complementa o funcionário, precisam do apoio da Imprensa para não serem responsabilizados pela estratégia equivocada do prefeito. “A gente precisa da opinião pública para que isso seja muito divulgado, para cobrar todo dia: cadê o pediatra? Porque isso de colocar clínico, que já tinha uma agenda cheia, para atender a demanda espontânea da pediatria não foi o combinado.”
Pompeo vê sucesso e servidores dizem que ele vive em universo paralelo
Embora reconheça que houve falhas no primeiro dia da implementação do programa Pediatra no Bairro, o secretário municipal de Saúde, Cláudio Pompeo, considera que o evento foi bem-sucedido. “Abrimos as 33 UBSs para atender as crianças. Todas. Com um nível altíssimo de sucesso e satisfação. E podem acreditar, eu ouvi muitas vezes no último mês que era impossível. E vocês fizeram”, comentou ele em uma mensagem publicada em grupos de servidores da Secretaria de Saúde.
Por outro lado, o secretário admitiu que houve “pouco planejamento, pouca estrutura e um nível altíssimo de pressão”, mas teorizou sobre a capacidade dos servidores de “transformar situações problemáticas em saídas honrosas”.
“Claro que houve falhas. Foi do jeito que queríamos? Não. Com pouco planejamento, pouca estrutura humana e um nível altíssimo de pressão. Mas talvez esteja na essência da SES transformar situações problemáticas em saídas honrosas. Principalmente pela dedicação de cada um de vocês”, escreveu. “Sei que a ansiedade estava grande, muita gente apreensiva e com poucas horas de sono, certamente. Mas foi uma grande vitória.”
O secretário aponta que a estratégia visa “desafogar” a procura da população pelas unidades de pronto atendimento que deveriam tratar apenas casos de urgência. “Todos nós, técnicos de saúde, repetimos o discurso do foco na Atenção Básica, mas todos também sabemos que, nas últimas décadas, a maior parte do investimento é sempre na urgência. E ficamos com aquela sensação estranha de presenciar uma conta que não fecha.”
Os funcionários envolvidos, porém, só falam mediante anonimato e consideram que o secretário está enxergando uma realidade muito diferente da verificada na quarta-feira (3). “Nós já trabalhávamos em plantões esticadíssimos… Não estamos mais suportando também no [aspecto] psicológico. É muita pressão. O secretário deve estar delirando se acha que foi um sucesso”, comenta uma técnica de enfermagem.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Sorocaba e Região, Milton Sanches, foi contatado por telefone, mas até a publicação desta matéria não havia se manifestado, assim como a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Sorocaba que recebeu, do Porque, uma série de perguntas às 8h55 desta quinta-feira (4).
Ainda assim, o espaço segue à disposição do secretário de Saúde, de outros que quiserem se manifestar pelo Executivo, bem como de Milton Sanches.