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Secretário afirma opção pela cultura ‘erudita’ e causa revolta no meio artístico

Citando fatores históricos, Luiz Antonio Zamuner tentou justificar investimento direto na cultura que ele chama de "erudita", enquanto procura "convencer" grandes empresas a investirem na cultura popular

Fernanda Ikedo (Portal Porque)

O secretário de Cultura de Sorocaba, Luiz Antonio Zamuner, admitiu que a opção preferencial do governo Manga é investir em cultura erudita, representada pela Fundec (Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba), da qual foi presidente entre 2016 e 2019, enquanto tenta “convencer” grandes empresas a investirem seu dinheiro na cultura popular.

Citando supostos fatores históricos, Zamuner também sugeriu que Sorocaba não tem público para a Cultura, razão pela qual teria sido dada prioridade, na atual administração, para a formação de público (veja a fala do secretário no vídeo).

As declarações foram dadas na sexta-feira (28), durante o Fórum de Políticas Públicas, em Piracicaba, com foco no segmento audiovisual. Elas causaram indignação e fortes reações entre as pessoas que trabalham a arte e a cultura em Sorocaba.

Contradições sobre a Linc

A Fundec, mantenedora da Orquestra Sinfônica de Sorocaba e do Instituto Municipal de Música, recebe hoje o maior repasse direto de verbas da Secretaria de Cultura. No orçamento de 2023, foram destinados mais de R$ 2 milhões à manutenção da entidade, ao passo que aquela que é considerada pelo próprio secretário uma importante ferramenta de fomento à produção cultural, a Linc (Lei de Incentivo à Cultura), recebeu R$ 520 mil.

Zamuner foi contraditório ao explicar a estratégia da administração municipal para a cultura popular. Enalteceu a Linc — sem citar o achatamento brutal da verba na atual gestão, em comparação com o crescimento do orçamento municipal — , mas explicou que a Prefeitura procura “convencer grandes indústrias que nós temos em Sorocaba e que geram uma grande renda, a investir na cultura popular”.

“Essa lei [a Linc], que é de 1999, já deu um grande incentivo para a cidade acordar para um grande número de artistas que a cidade tinha”, disse.

O secretário tentou traçar um perfil cultural de Sorocaba, afirmando que a cidade, apesar de ser pioneira nas indústrias têxtil e ferroviária, teve seu desenvolvimento cultural prejudicado durante décadas pela ausência de uma universidade pública, “que faz talvez um outro tipo de educação cultural na cabeça das pessoas”.

Proximidade com São Paulo

Também tem uma outra característica cultural de Sorocaba, que ela é muito próxima de São Paulo”, interpretou. “Então, além de não termos universidades públicas há muitos anos, que acompanhou o crescimento econômico, nós também estávamos muito próximos à cidade de São Paulo. Então, os grandes eventos, geralmente, o sorocabano tinha o hábito de, por ser muito próximo a São Paulo, prestigiar os grandes eventos culturais em São Paulo, e não prestigiar os eventos em Sorocaba.”

Ressaltando que falava “culturalmente em relação a 100 anos de formação da cidade” e que, com base nessa visão, procurou pensar esse passado e olhar culturalmente o que Sorocaba representa”, Zamuner tentou justificar a opção pelo investimento direto na cultura “erudita” e formação de público:

“É lógico que quando você assume a Secretaria da Cultura, a gente precisa ver, pensar esse passado e olhar culturalmente o que Sorocaba representa. Eu não estou falando de qualidade de artistas dessas cidades, todas elas têm grandes artistas. Mas uma coisa que sustenta o artista — até que a gente falou sobre a parte econômica — é a formação de público. E essa formação de público foi o que nós demos prioridade nesse momento, na cultura de Sorocaba”, disse.

Nós chegamos à conclusão de que Sorocaba não precisaria de investimento em cultura de massa e nós não tínhamos essa formação de tempos na cultura acadêmica. Então nós [nos] voltamos mais à cultura erudita, já que tínhamos uma fundação que há 30 anos já vem trabalhando não só a orquestra sinfônica, mas principalmente criando público e músicos, através do Instituto Municipal de Música, e esse é o maior convênio que a Secretaria da Cultura tem na cidade de Sorocaba.”

Zamuner lembrou dois exemplos de obras produzidas por meio da Linc (em governos anteriores), mas não citou um caso de grande empresa que tenha feito o que ele espera que aconteça, ou seja, usado o lucro do investimento na cultura de massa para financiar a cultura popular.

“Sorocaba ferve!”, rebatem os artistas

A fala de Zamuner em Piracicaba causou indignação entre artistas sorocabanos que acompanharam o evento.

Uma das organizadoras da Feira do Beco do Inferno, que recebe 325 inscrições de artistas em apenas 24h, Flavia Aguilera, contestou a fala do secretário: “Sorocaba ferve!”, ela disse.

“Uma fala desta vindo de um secretário de Cultura é triste demais. Não há como ser mais alienado. Ele vê e frui cultura da perspectiva limitada de seu pequeno, arcaico e restrito círculo, de pessoas nascidas e criadas na vida confortável das poltronas de escritório e viagens à Europa. Uma cidade tão grande e importante ser governada por este tipo de mentalidade é praticamente dar pérola aos porcos.”

Flávia, que é artista plástica e presta serviços ao Sesc, conta que a unidade chega a receber cinco visitas de escolas por dia: “É um absurdo ele falar que não tem público.”

Para um artista sorocabano, do segmento audiovisual, que estava no Fórum, “foi uma vergonha pública a exposição do secretário”.

O músico Flavinho Batucada, que promove eventos de samba com centenas de pessoas, em Sorocaba, também lamenta a posição elitista do secretário.

Na opinião do fotógrafo e integrante do Fopecs (Fórum Permanente de Cultura de Sorocaba) Teylor Soares, “é muito triste o secretário falar uma coisa dessas, porque nós lutamos tanto para ter políticas públicas de cultura na cidade, para formação de público, pela formação cultural. Ouvir isso é desanimador. Difícil até encontrar uma palavra para resumir.”

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