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Assombrado por caso de abuso sexual em 1987, Cuca deixa Corinthians após 2 jogos

Treinador alega ser inocente, enquanto advogado da vítima (então com 13 anos) reafirma que ela o reconheceu como um dos agressores

Luís Curro (Folhapress)

O técnico disse ter contratado dois advogados para defendê-lo; crime sexual ocorreu na Suíça, onde ele foi condenado, na época, a 15 meses de prisão e multa. Foto: reprodução/Twitter

Durou bem pouco, uma semana e dois jogos (uma derrota e uma vitória), a permanência de Alexi Stival, o Cuca, 59, no cargo de treinador do Corinthians.

Pressionado pela repercussão de um caso de violência sexual em 1987, ele se desligou do time alvinegro na madrugada desta quinta-feira (27) — fora anunciado na quinta da semana passada.

Cuca teve uma passagem-relâmpago, que lembrou a de outro técnico que permaneceu somente duas partidas no comando do Corinthians.

Foi em 2003, quando Leovegildo Gama Júnior (o mesmo Júnior que jogou pelo Brasil nas Copas de 1982 e 1986 e é comentarista esportivo) ficou dez dias na função. Demitiu-se depois de duas derrotas por 3 a 0.

A queda de Cuca entra para a história do futebol como uma das mais rápidas, só que nem ele e possivelmente nem outro profissional conseguirá superar o inglês Leroy Rosenior no intervalo entre ser contratado e demitido.

Hoje com 58 anos, Rosenior foi anunciado no dia 17 de maio de 2007 pelo Torquay United, atualmente na quinta divisão da Inglaterra.

Nada mais, nada menos do que dez minutos depois, ele soube que nem começaria seu trabalho no clube, o qual dirigira de 2002 a 2006, devido a um fato inusitado e que é dificílimo de se repetir.

Paralelamente ao anúncio da contratação de Rosenior, veiculou-se a notícia de que o Torquay fora adquirido por um consórcio local, que imediatamente definiu que o técnico seria Paul Buckle, ex-jogador do clube.

A decisão tomada pela diretoria anterior estava invalidada, e Rosenior, desempregado.

O dispensado Rosenior encarou a situação com ironia, conforme declaração dele publicada pelo jornal Mirror cinco dias depois do ocorrido.

“Depois do choque, dei boas risadas. Obviamente, eles pensaram que eu tinha feito um trabalho fantástico depois de dez minutos e me deixaram ir.”

Rosenior não treinou nenhuma equipe depois disso, optando por seguir a carreira de comentarista de futebol e também sendo ativista na luta contra o racismo no esporte.

Entenda o caso Cuca

O anúncio da saída de Cuca foi feito pelo próprio treinador já na madrugada desta quinta-feira (27), horas depois de o time alvinegro avançar para as oitavas de final da Copa do Brasil, superando o Remo, nos pênaltis.

“Foi quase um massacre o que acabou acontecendo”, afirmou o treinador em um breve pronunciamento, sem permitir perguntas. “Eu saio neste momento, mas não é porque eu queira. Se espera uma vida inteira para estar aqui. Mas é um pedido da minha família.”

“O que estou passando, e quero ser bem breve, porque não quero ser vítima de nada, é a pior coisa que um homem pode passar. Quando está em xeque a dignidade dele. Quando invade as redes sociais das filhas e mulher com ameaças e ofensas descabidas”, acrescentou o treinador. “Se Deus quiser, um dia eu volto.”

Em sua apresentação, na última sexta-feira (21), sob protestos, o treinador de 59 anos se disse inocente no episódio e afirmou que a vítima, uma menina que à época tinha 13 anos, não o reconheceu como um dos agressores. Nesta terça (25), no entanto, o advogado que a representou refutou essa versão.

“A garota o reconheceu como um dos estupradores”, afirmou o suíço Willi Egloff ao UOL. Aí, a pressão, que já era grande em torno do presidente alvinegro, Duilio Monteiro Alves, e do próprio técnico, tornou-se insustentável. Em nota publicada à noite, a agremiação anunciou o fim do acordo. Não havia multa rescisória estabelecida.

“Novos tempos”

Alexi Stival, o Cuca, enfrentou enorme rejeição de boa parte da torcida do Corinthians desde o acerto. Até a identificação com o arquirrival Palmeiras — time para o qual o ex-jogador sempre disse torcer e com o qual foi campeão brasileiro — ficou em segundo plano diante do episódio de 36 anos atrás, em Berna.

O caso se deu quando o então meia tinha 24 anos e havia acabado de chegar ao Grêmio, que fazia uma excursão pela Europa. Ele, o goleiro Eduardo, o zagueiro Henrique (que depois teria longa passagem pelo Corinthians) e o atacante Fernando foram detidos em hotel em Berna, acusados de violência sexual contra uma garota.

Liberados ao fim da fase de instrução do processo, voltaram ao Brasil. No julgamento, concluído em 1989, Cuca teve sentença de 15 meses de prisão e pagamento de US$ 8.000, mesma pena aplicada a Henrique e Eduardo. Fernando foi considerado apenas cúmplice do ato e condenado a três meses de prisão, com multa definida em US$ 4.000.

Cuca não foi à Suíça para se defender nem para cumprir a pena estipulada para o crime, que prescreveu. O caso teve repercussão, mas esfriou, não foi grande empecilho para a carreira de Stival como meia e, até pouco tempo atrás, não atrapalhou sua trajetória como técnico. Foi só nos últimos anos, na esteira de transformações da sociedade, que o episódio ressurgiu.

O treinador, apresentado enquanto um grupo de cerca de 200 torcedoras e torcedores pediam sua saída na porta do centro de treinamento alvinegro, disse estar alinhado a essas transformações. Afirmou que deseja um mundo melhor para suas filhas e sua mulher. E declarou inocência, apontando que a vítima não o havia reconhecido como um dos criminosos.

A entrevista do advogado que representou a menina e sua família, no entanto, acabou por enfraquecer a versão exposta na semana passada. Willi Egloff lembrou ainda que exames forenses apontaram vestígios de sêmen de Cuca no corpo da garota, conforme noticiado à época pelo jornal Der Bund, de Berna.

Duilio, então, resolveu manter o comando técnico alvinegro ao menos até a importante partida desta quarta-feira (26), contra o Remo, pela Copa do Brasil. Derrotado por 2 a 0 no jogo de ida, o Corinthians devolveu o placar na Neo Química Arena e avançou às oitavas de final após vencer a disputa de pênaltis.

A pressão, porém, atingiu um nível que tornou a possibilidade de Cuca continuar no clube inviável e próprio técnico afirmou que partiu dela iniciativa de sair do Corinthians.

O comandante informou que contratou dois advogados para tentar provar que é inocente.

“Contratei o doutor Daniel Bialski, criminalista, a doutora Bia, que vão fazer todo o trabalho que eu nunca pude fazer. Agora vai ser feito. Quem fala coisas indevidas também, quem julga também pode ser julgado”, disse ele.

Após o pronunciamento de Cuca, o presidente do Corinthians também se pronunciou. “São os novos tempos, vamos dizer assim. Não quero entrar no mérito agora, mas acho que foi um exagero, um massacre em cima dele e do Corinthians, em cima de mim também… Ele infelizmente não tem condições de seguir. O Corinthians é gigante, todos nós sabemos. Ficamos feliz com a vitória de hoje e triste por perder um profissional desse gabarito”, disse Duílio, que não prometeu conseguir encontrar um novo comandante antes do clássico contra o Palmeiras, no sábado (29), pelo Campeonato Brasileiro.

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