Busca

MP aciona Prefeitura pela correção da defasagem de verbas repassadas a entidades

Ação civil pública requer correção dos valores repassados para o acolhimento de crianças e adolescentes, hoje defasados em 40%

Carlos Lara (Portal Porque)

A promotora da Infância e Juventude, Cristina Palma, havia feito recomendação à Prefeitura para que corrigisse os valores, após a realização de inquérito civil motivada por queixas das entidades. Foto: reprodução/Arquivo Câmara Municipal

Com pedido de tutela de urgência antecipada — isto é, que as medidas sugeridas sejam aplicadas imediatamente, antes do julgamento do caso, se ocorrer o acatamento –, o Ministério Público do Estado de São Paulo protocolou, no último dia 31 de março, na Vara da Infância e Juventude local, uma ação civil pública contra o Município de Sorocaba, representado pelo prefeito Rodrigo Maganhato (Republicanos).

A ação pleiteia que a Prefeitura repasse integralmente, às entidades privadas que prestam serviço de acolhimento de crianças e adolescentes, os valores integrais referentes ao custo per capita (por pessoa). De acordo com o MP, as entidades vêm recebendo valores menores, a despeito de recomendação anterior do Ministério Público. O momento é oportuno pois a Prefeitura e as entidades estão em fase de renovação dos convênios.

Na ação civil, defendida ao longo de dezesseis páginas e assinada pela promotora de justiça Cristina Palma, o Ministério Público Estadual demonstra que a atual administração municipal está repassando verbas mensais com defasagem de 40% às entidades do município que acolhem crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, como consequência do fato de seus pais ou tutores não cumprirem os mandamentos mínimos para o seu sustento e educação.

Conforme documentos anexados à ação civil, as entidades locais que têm convênio com a Prefeitura de Sorocaba, para que esta cumpra com os deveres resguardados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), estão recebendo R$ 3.400,00 mensais para cada criança/adolescente que acolhem, quando os gastos médios mensais — comprovados por planilhas detalhadas — somam R$ 5.643,40. Ou seja, a Prefeitura de Sorocaba está repassando verbas às entidades com valores defasados em aproximadamente R$ 2.240,00.

A ação civil pública contra a Prefeitura apresenta todo um histórico da problemática, remontando ao ano de 2016, quando uma entidade de acolhimento conveniada com o município (Associação Educacional e Beneficente Refúgio) foi interditada. “Inobstante a completa inaptidão dos dirigentes daquela entidade para a gestão do serviço, o repasse dos recursos públicos já se mostrava insuficiente frente às despesas oriundas desse aparelho considerado de alta complexidade”, destaca a promotora Cristina Palma em seu texto.

Ainda de acordo com o histórico dos fatos mencionados na ação civil pública contra a Prefeitura de Sorocaba, em 2018, “após diversas representações, foi instaurado Inquérito Civil, por meio do qual foi apurado que as despesas pelos serviços de acolhimento institucional giravam em torno de R$ 5.000,00 por acolhido, sendo que, em abril de 2018, era pago o montante de R$ 1.800,00 per capita. Neste mesmo IC [Inquérito Civil] a Prefeitura Municipal de Sorocaba reconheceu tal defasagem e informou sobre o aumento do repasse público para o valor per capita de R$ 2.800,00. Contudo, viu-se que no Edital de Chamamento Público, que foi publicado na época, condicionava o pagamento integral do serviço ao recebimento prévio de parcelas de recursos estaduais ou federais, cláusula que foi objeto de impugnação por meio da Ação Civil Pública, a qual tramitou perante esta Vara Especializada (processo n. 1044477-70.2019.8.26.0602) e se extinguiu após acordo entabulado entre as partes.”

Recomendação ignorada

Chegando à administração de Rodrigo Manga, que tomou posse em janeiro de 2021, a ação civil pública destaca: “Em meados de agosto de 2022, novamente os serviços de acolhimento local acionaram este órgão ministerial, apresentando tabela demonstrativa de custo real do acolhimento institucional de criança e adolescente, em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social neste município, que segue em anexo, restando clara, assim, a insuficiência do repasse das verbas públicas para o custeio do serviço prestado. Em razão desses fatos, a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude instaurou o Inquérito Civil nº 4076/2022 para apuração da notícia de eventual descumprimento pelo Município de Sorocaba no que atine ao seu dever legal de custeio adequado dos serviços prestados pelos Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICAS).”

A ação civil pública prossegue relatando que, diante desse eventual descumprimento pelo Município de Sorocaba, o órgão recomendou para que a Prefeitura contratualizasse e pagasse o reajuste dos valores reais dos custos per capita aos SAICAS que realizam o acolhimento institucional das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, “em razão do contrato com a municipalidade, considerando a média dos atuais custos apresentados detalhadamente pelas entidades, bem como a obrigação municipal com serviços de acolhimentos institucionais adequados, em prol de crianças e adolescentes em situações de risco. Inobstante a orientação sobre a necessidade de sanar a questão, não houve acatamento pelo requerido do recomendado.”

Secid argumentou de forma equivocada

Como resposta, na ocasião, a Secid (Secretaria de Cidadania) de Sorocaba informou: “Atualmente 06 (seis) Organizações da Sociedade Civil ofertam o Serviços de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes no município, tendo estabelecido 110 (cento e dez) vagas no total, na per capita mensal de R$ 3.400,00 (três mil e quatrocentos reais). Para além, é realizado o pagamento de vagas excedentes no mesmo valor da per capita de R$ 3.400,00 para situações de acolhidos que excedem as vagas pactuadas.” A Secid alegou ainda que, no final do exercício de 2022, as entidades declararam a existência de saldo de recurso público decorrente do Termo de Colaboração.

Sobre tal declaração, de “sobra” de verba pública, ainda de acordo com o texto da ação civil pública, as entidades de acolhimento institucional de Sorocaba apresentaram justificativa, declarando que “os valores apresentados no ofício pela Secretaria da Cidadania não significam que os SAICAS estão com todas as suas despesas custeadas pelo órgão público. Importante ressaltar que as planilhas orçamentárias apresentadas no ofício da Secid foram realizadas com base no repasse mensal de R$ 3.400,00 por acolhido e não no custo efetivo do acolhimento. Logo, não poderá ser utilizado como parâmetro de análise de custeio do Serviço de Acolhimento, uma vez que, essas planilhas não foram elaboradas com o levantamento de todas as despesas inerentes à execução do serviço, elas foram elaboradas com base no valor proposto no edital de chamamento. As despesas apresentadas nas prestações de contas representam somente uma parte (em torno de 60%) do custo efetivo de cada instituição de acolhimento. Mediante a este cenário, todas as organizações necessitam de reajuste de repasse mensal para que possam realizar o atendimento de qualidade para as crianças e adolescentes.”

Finalmente, as entidades sorocabanas conveniadas com a Prefeitura de Sorocaba para acolher crianças e adolescentes em situação de risco no município apontam que desde 2021 aé agora “não foi realizado nenhum reajuste do repasse e durante esses anos ocorreram reajuste salariais e inflação, ocasionando no aumento de todas as despesas mensais das instituições”.

Defasagem de 60 a 90 dias

O texto da Ação Civil Pública prossegue, destacando que as entidades “apresentaram memorial descritivo dos valores gastos com a prestação do serviço, que engloba custos com a equipe mínima sugerida na NOB-RH/SUAS [Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social], as despesas com a estrutura física para a capacidade máxima da instituição; e despesas administrativas para a manutenção do serviço, chegando ao valor mensal de aproximadamente R$ 5.643,40, conforme se verifica na tabela que segue em anexo, sendo que o repasse público é de R$ 3.400,00, ou seja, tem-se um déficit de aproximadamente 40%, os quais são cobertos com recursos próprios das entidades privadas”.

Outro ponto importante destacado pelas instituições é que o repasse dos excedentes “é para despesas fixas ou variáveis da instituição que foram ocasionados pelo aumento dos acolhimentos (excedendo a capacidade), impactando na estrutura, sobrecarga da equipe (devido aumento de demandas técnicas e cuidados com as crianças inerentes ao acolhimento adicional) e aumento das despesas variáveis (como por exemplo: energia, água, medicação, alimentação, produtos de uso pessoal, entre outras despesas). Inclusive, o repasse das vagas excedentes não é realizado no mês subsequente ao fechamento do Relatório de Atendido (RMA), tendo uma defasagem de 60 a 90 dias para que o pagamento seja efetivado, afetando o fluxo de caixa das instituições, uma vez, que as despesas são mensais e o recurso não está disponível no mês para pagamento.”

Por fim, as entidades anotam que, de acordo com as Orientações Técnicas do Serviço de Acolhimento para Crianças e Adolescentes do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a quantidade de profissionais deverá ser aumentada quando houver usuários que demandem atenção específica (com deficiência, com necessidade específica de saúde ou idade inferior a um ano). Todavia, “no Termo de Colaboração vigente não há cláusula que a Secretária se responsabilize pelo repasse para contratação de cuidadoras em casos dos acolhimentos que possuam demandas específicas”.

Descaso e conclusão

Na conclusão de sua argumentação, o texto da ação civil pública contra o prefeito Rodrigo Manga enfatiza: “Na prática, tem-se que o valor mensal pago pelo município não cobre os gastos efetivos das casas de acolhimento, ocasionando um déficit na conta das instituições que prestam o serviço em questão ao Município, conforme restou evidenciado no bojo do procedimento administrativo que instrui esta peça vestibular. Portanto, ante a recusa do poder público municipal em cumprir a recomendação desta Promotoria da Infância e Juventude, em evidente descaso aos problemas enfrentados pelas organizações colaboradoras pela falta de recursos financeiros, o que implica diretamente em flagrante prejuízo às crianças e adolescentes acolhidos, não restou alternativa senão a propositura desta ação civil pública.”

Em vista de todos os argumentos apresentados, a ação civil pública pleiteia “que seja determinado, que os valores dos repasses pelo Município às entidades privadas que prestam o serviço de acolhimento institucional a crianças e adolescentes seja suficiente para cobrir todos os custos dos serviços de acolhimento, sendo que tal valor pode ser obtido através da média dos gastos comprovados pelas entidades de acolhimento, atualmente informado em RS 5.643,40 (cinco mil, seiscentos e quarenta e três reais e quarenta centavos), pagando-se igual valor sobre os acolhidos excedentes da capacidade institucional contratada”.

A Promotoria da Infância e Juventude também requer “que seja fixado índice oficial para reajuste dos valores, anualmente, a fim de se evitar repetidas demandas”; e que o Poder Público seja “compelido a arcar com o custo extra, devidamente demonstrado pelas entidades, das crianças acolhidas portadoras de necessidades especiais”.

Requer ainda que “em caso de descumprimento injustificado das obrigações, seja em sede liminar, seja em decisão definitiva, a extração de cópias e remessa à Promotoria de Justiça competente para apuração de eventual ato de improbidade administrativa conforme previsto no artigo 216 do Estatuto da Criança e do Adolescente.” “Para tanto — prossegue –, na hipótese de concessão da tutela antecipada, sejam pessoalmente intimados a dar cumprimento à liminar os agentes públicos incumbidos do ato, tais sejam, o Secretário de Fazenda, o Sr. Secretário da Cidadania, além do sr. Prefeito Municipal de Sorocaba.”

A ação civil pública aguarda decisão do juiz de direito da Vara da Infância e Juventude da Prefeitura de Sorocaba.

mais
sobre
ação civil pública acolhimento correção de valores crianças e adolescentes ministério público promotoria de infância e juventude
LEIA
+