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Parlamentares bolsonaristas já apresentaram 69 projetos de lei antitrans este ano

Segundo Thara Wells, da ATS, os parlamentares sabem que as propostas são inconstitucionais, mas só querem "manter a chama do preconceito acesa"

Paulo Andrade (Portal Porque)

As leis que, segundo especialistas, tentam marginalizar pessoas trans têm sido apresentadas no Congresso, em estados e municípios por aliados de Bolsonaro. Foto: Divulgação

Levantamento da Folha de S. Paulo, divulgado nesta terça-feira (21), revela que, somente este ano, parlamentares apresentaram pelo menos 69 projetos de lei antitransgênero nas esferas federal, estadual e municipal. Segundo Thara Wells, Sorocaba e região fazem parte desta estatística transfóbica.

Thara, que é presidenta da ATS (Associação de Transgênero de Sorocaba), afirmou ao Portal Porque que a política sorocabana, neste quesito, “é uma vergonha”. Ela diz que existe, tanto por parte do Executivo quanto do Legislativo municipais, uma clara “intenção transfóbica ao querer marginalizar nossa identidade de gênero”.

“Os projetos [antitrans] são inconstitucionais – e eles [em Sorocaba] sabem disso. Eles só querem manter a chama do preconceito acesa”, afirma Thara, que é mulher trans, assistente social e mestranda do programa pós-graduação em Estudos da Condição Humana da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) – campus Sorocaba.

Ela comenta ainda que, tanto como militante quanto como assistente social e presidenta da ATS, já deu palestras e fez reuniões sobre o tema em várias cidades da região de Sorocaba.

GLS Girassol

Para Thara, o preconceito contra pessoas trans local é antigo, mas a luta por respeito e inserção na sociedade também é. “No fim dos anos 1990 houve o GLS Girassol, que foi pioneiro. Depois, surgiu a associação transgênero na cidade. Ainda há muito a avançar, sempre recebemos denúncias de preconceitos nas escolas, esporte, saúde. Lutamos por justiça e igualdade.”

Segundo a assistente social, que também foi a primeira integrante trans do Conselho Municipal da Mulher, de 2018 a 2022, “o município sequer tem competência legal para legislar sobre transgênero em escolas, nos esportes ou na saúde; só que o que pretendem é marginalizar nossa existência, da pessoa trans”.

Thara lembrou que desde 2006 existe um protocolo do SUS (Sistema Único de Saúde) que trata do processo transsexualizador das pessoas. Ele foi reforçado pela Portaria 247/2008 e atualizado pelo SUS em 2013.

Mesmo assim, de acordo com ela, tem político de Sorocaba cerceando à pessoa trans o direito à prática esportiva em locais públicos e até ameaçando multar empresas caso essas pessoas sejam escaladas para seus times.

“Temos avançado no Brasil. Temos uma representação brasileira, a Associação Nacional dos Travestis e Transexuais [ANTra], mas ainda temos muito que avançar por respeito e inserção nacional e em Sorocaba e região”, afirma Thara.

Efeito Nikolas Ferreira

Segundo a Folha de S. Paulo, o número de projetos contra transgênero pode crescer nas próximas semanas, inflamado pelo discurso transfóbico de Nikolas Ferreira (PL-MG) no plenário da Câmara dos Deputados, em 8 de março.

A maior parte dos projetos, de acordo com o levantamento, é de correligionários do ex-presidente Jair Bolsonaro, como Nikolas, do PL, União Brasil, Republicanos, Democracia Cristã e também do MDB.

“Grande parte deles [projetos] busca proibir a chamada linguagem neutra em escolas e na administração pública. Os legisladores alegam que neologismos como ‘todes’ e os pronomes neutros ‘elu/delu’ ferem a gramática portuguesa e, portanto, devem ser vetados”, publicou a Folha.

Esse tipo de projeto continua sendo apresentado, como aconteceu recentemente em Votorantim, mesmo depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucionalidade de uma lei do tipo no Estado de Rondônia em 6 de fevereiro.

Outros projetos de lei buscam impedir o acesso de crianças e adolescentes trans a procedimentos médicos como o uso de bloqueadores de puberdade e hormônios. Os proponentes dessas propostas afirmam que menores não têm maturidade para tomar essa decisão.

“Por outro lado”, ressalta a Folha, “especialistas afirmam que esses procedimentos podem ajudar a evitar transtornos mentais ao aliviar a disforia de gênero, como é conhecido o desconforto agudo que algumas pessoas trans sentem em relação ao próprio corpo.”

Conselho de Medicina

O CFM (Conselho Federal de Medicina), em resolução de 2019, autoriza o bloqueio puberal a partir dos primeiros sinais da puberdade, desde que feito em instituições credenciadas com protocolo de pesquisa. O tratamento é considerado seguro e reversível e também é prescrito para pacientes diagnosticados com puberdade precoce.

Já a hormonização é permitida somente a partir dos 16 anos, sendo exigida a autorização dos pais, enquanto cirurgias de modificação corporal são vedadas a menores de 18 anos.

Alguns projetos parlamentares também tentam proibir a ideologia de gênero no ambiente escolar, a fim de impedir professores de abordar temáticas relacionadas à diversidade em sala de aula.

“Outra parte dos projetos de lei busca impedir pessoas trans de participar de competições esportivas, sob a justificativa de que mulheres trans e travestis teriam vantagens indevidas sobre mulheres cis por terem nascido com um corpo que produz testosterona. Críticos da proibição afirmam que vetos esportivos contribuem para a exclusão de pessoas trans”, esclarece a Folha.

Existem ainda projetos que buscam proibir a instalação de banheiros unissex em estabelecimentos públicos e privados. Os proponentes dessas medidas veem o risco de que homens acessem esses espaços para abusar sexualmente de mulheres.

São baixas as chances de muitos desses projetos se tornarem lei. Mesmo que iniciativas antitrans sejam aprovadas no Congresso, é provável que sejam vetadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou que sejam consideradas inconstitucionais pelo STF, segundo analistas ouvidos pela Folha de S. Paulo.

Discurso de ódio

“Por outro lado, existe risco real de que parte desses projetos avance. Alguns estados e municípios já têm leis antitrans em vigor que foram aprovadas nos últimos anos. Isso pode contribuir para um ambiente social ainda mais violento para pessoas trans”, diz Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

“A conivência com o discurso de ódio pelas mídias sociais e pela sociedade promove o terror contra as pessoas trans. Por vezes, chega ao assassinato brutal. Esse movimento tem ajudado a eleger promotores do ódio e das fake news, como é o caso de Nikolas Ferreira [PL]”, afirma Symmy Larrat, secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Procurado pela imprensa, o deputado mineiro Nikolas Ferreira, protagonista da cena transfóbica no Dia da Mulher, em plena Câmara Federal, afirmou que não houve crime de transfobia ou discurso de ódio em seu pronunciamento, e que estava apenas exercendo o direito constitucional de expressar sua opinião.

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