
A Câmara de Sorocaba se apequenou ao transformar em discussão de territorialidade política, eivada de expressões machistas, a criação de um dia de combate à violência com o nome de Marielle. Foto: Instituto Marielle Franco
Os tiros que roubaram a vida de Marielle Franco, cinco anos atrás, não foram suficientes para calar a então vereadora e militante dos direitos humanos, nem para impedir que ela continue presente no campo das ideias e dos ideais, fato que incomoda – e muito – os representantes mais retrógrados de setores políticos já por si atrasados, incultos e raivosos.
Essa conclusão – a não ser, talvez, para aqueles que rezam pela cartilha cruenta do bolsonarismo – é a única possível diante do episódio deprimente de misoginia, hipocrisia e truculência, verbal e política, protagonizado por alguns vereadores de Sorocaba, durante a votação de um projeto de lei, na sessão da última quinta-feira, 16 (leia aqui).
A simples possibilidade de se instituir em Sorocaba o “Dia Marielle Franco de Enfrentamento da Violência Política contra Mulheres Negras, LGBTQIA+ e Periféricas”, segundo proposta da vereadora Fernanda Garcia (Psol), colocou em polvorosa baluartes da direita na Câmara e engendrou uma oportunidade para que mostrassem, mais uma vez, o pior de si.
Não citaremos nomes, porque entendemos que é justamente projeção perante a bolha bolsonarista o que esses senhores perseguem, o tempo todo. Quem tiver estômago forte, no entanto, pode assistir à 12a sessão ordinária no YouTube, e conferir uma sucessão de argumentos execráveis, que incluem falas como: “Todo dia é assassinado mulheres brancas, mulheres negras (sic). Normal. Dentro da normalidade.”
Por aí se percebe a que ponto Marielle, suas ideias, sua militância pelos direitos humanos, das mulheres, da população LGBTQIA+ e dos moradores periféricos incomodam. A bem da verdade, entretanto, mais não se poderia esperar dessa legislatura, que há muito se transformou – com poucas e honrosas exceções – em palanque para exibições de machismo, arrogância e idolatria ao que existe de pior. E tudo permeado por uma nauseante subserviência aos caprichos do chefe do Executivo local.
Não só por isso, mas também por isso, a figura de Marielle Franco saiu engrandecida da sessão em que a Câmara de Sorocaba, pela maioria de seus vereadores – numa atitude de fraqueza dos que entendem a política como uma questão de territorialidade, e não de diálogo e construção –, recusou-se a homenageá-la e a marcar posição contra a violência em um dia que lembrasse seu nome.
A memória de Marielle, é bom que se diga, não precisa disso: já está escrita, com letras luminosas como seu sorriso, na história das lutas humanitárias no Brasil. Marielle é um símbolo e uma inspiração para todos aqueles que não compactuam com a brutalidade em suas mais variadas formas – e, mais especialmente, aquela praticada pelas forças do Estado contra os mais vulneráveis dos cidadãos.
Talvez seja isso o que mais dói para essas tristes figuras que, do alto de seus mandatos provisórios, face à precariedade das posições que defendem e à impermanência do (limitado) poder que detêm, engasgam publicamente em falas preconceituosas e sucumbem à percepção de que, na melhor das hipóteses, estão fadadas ao esquecimento.
*José Carlos Fineis é editor-chefe do Portal Porque