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Novo Ensino Médio dificulta acesso de alunos da rede pública ao ensino superior

Enquanto estudantes de escolas particulares têm aulas de reforço e simulados na terceira série, os da rede pública aprendem confecção de brigadeiros, maquiagem, MundoPet e RPG

Paulo Andrade (Portal Porque)

Estudantes de Sorocaba realizaram manifestação pela revogação da reforma do ensino médio, na região central, na última quarta. Foto: Fernanda Ikedo/Portal Porque

O NEM (Novo Ensino Médio), aprovado em 2017 e colocado em prática no ano passado, substitui disciplinas exigidas em vestibulares e universidades por “itinerários” supostamente profissionalizantes. A mudança, segundo especialistas, trata essa fase do ensino como “linha de chegada” para estudantes mais pobres e desestimula o acesso deles ao ensino superior.

Segundo um especialista na área de educação, com décadas de profissão na rede estadual de ensino, ouvido pelo Portal Porque, o NEM “só em tese estabeleceu opções de aprendizado ao aluno a partir do segundo ano do ensino médio”.

Ele explica que “alguns cursos técnicos foram juntados à grade curricular. A mudança trouxe os chamados itinerários formativos, que são focados nas áreas de Ciências da Natureza, Matemática e Humanas. Ocorre que, com o surgimento desses itinerários, no terceiro ano do ensino médio os alunos não têm mais aulas de Filosofia, Sociologia, História e Geografia.”

Ainda de acordo com o educador, “alguns desses itinerários são até interessantes, mas não deveriam substituir a carga horária de quatro disciplinas tão importantes. E acontece o mesmo na área de Exatas. Os itinerários substituem parte das aulas de Química, de Física. Os alunos estão descontentes com isso porque nos vestibulares, nas faculdades, na continuidade dos seus estudos, essas disciplinas importantes serão cobradas.”

“Também existem itinerários formativos bem esdrúxulos, que substituem disciplinas convencionais por confecção de brigadeiro caseiro, maquiagem, entre outros”, afirma a fonte.

Para esse profissional de educação, o NEM complicou a vida não só de estudantes, mas também de professores que passam a ter de atuar em áreas para as quais não são formados, a fim de atender os itinerários impostos pela mudança. Além disso, o material fornecido para ajudar no ensino e no aprendizado é muito ruim.

Segundo o educador de Sorocaba, quem defende o NEM fala de 11 diferentes itinerários formativos para o aluno escolher. “Mas isso não corresponde à realidade”, afirma. “Na maioria das escolas, essas opções não estão acontecendo, por falta de profissionais e questão logística da escola. A maioria acaba oferecendo apenas um itinerário formativo.”

Lei de 2017 implantada em 2022

O NEM foi estabelecido pela Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, assinada pelo então presidente Michel Temer. No entanto, ela começou a ser colocada em prática somente em 2022, no primeiro ano do ensino médio.

Em 2023, o segundo ano já começou a ter disciplinas divididas entre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os Itinerários Formativos. A previsão é que, em 2024, o terceiro ano do ensino médio tenha como base os itinerários formativos, em substituição à grade curricular tradicional.

De acordo com manifesto de um grupo de professores, ao qual o Portal Porque teve acesso, “na terceira série do ensino médio, os alunos da escola pública paulista passaram a ter, por semana, apenas duas aulas de Língua Portuguesa e duas de Matemática. Todas as demais matérias são de disciplinas dos itinerários (…). Enquanto isso, na mesma série, os filhos da classe média e alta passam a ter aulas de reforço, revisão e simulados (…) além de fazerem cursinhos no contraturno para poderem se preparar para o ensino superior.”

O manifesto cita como exemplos de itinerários previstos pelo NEM, além de confecção de doces caseiros e aulas de maquiagem, comentados pelo especialista local, os temas “Mundo PET” e “RPG”.

Por que o assunto voltou à tona?

A doutora em Educação pela USP e professora da Unifesp Márcia Aparecida Jacomini concorda com a avaliação do especialista local ouvido pelo Porque. Para ela, o NEM, que ela chama de reforma do ensino médio, “aumentou o abismo entre as escolas públicas e as privadas”.

As escolas particulares “organizam seus itinerários de modo a garantir o estudo da Física, Química, História, Geografia, Filosofia, Artes, Sociologia e Inglês para todos os estudantes. Por óbvio, as classes médias e elites pagantes de mensalidades compreendem que essas disciplinas são tão importantes para a formação humanística e científica das novas gerações quanto para a aprovação no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e nos vestibulares tradicionais”, esclarece a doutora em artigo publicado, recentemente, em várias mídias.

Para Márcia Jacomini, o assunto voltou à tona este ano porque estudantes e familiares começaram a perceber o impacto do NEM no futuro das pessoas. “Embora os sindicatos e as associações científicas já tenham se manifestado contra a reforma por motivos amplamente divulgados em artigos científicos, livros e nos diferentes meios de comunicação, o posicionamento do movimento estudantil pela revogação da Lei 13.415/2017 é recente. Isso ocorre porque, à medida que a implementação do ‘Novo Ensino Médio’ avança nas redes estaduais de ensino, os estudantes e seus familiares passam a compreender o significado da reforma para a sua formação e o seu futuro acadêmico e profissional.”

Manifestação em Sorocaba

O Porque cobriu a manifestação de estudantes pela revogação do NEM realizada em Sorocaba na quarta-feira (15). Além da substituição de disciplinas importantes pelo itinerários formativos, alunos, professores e lideranças políticas questionaram a Lei de 2017 por ela incentivar a implementação do Ensino Médio em Tempo Integral nas Escolas.

Para a vereadora Iara Bernardi (PT), que é professora e já foi representante do Ministério da Educação no Estado de São Paulo, a reivindicação de estudantes e profissionais da área é por “ensino em tempo integral”, e não “escola em tempo integral”, que acaba causando evasão escolar.

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