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Concorrentes acusam prefeitura de superfaturar remédios em licitação fraudulenta

Eles pretendem denunciar o Governo Manga ao Ministério Público; pelo sistema adotado, um medicamento pode custar até sete vezes mais

Paulo Andrade (Portal Porque)

Primeiro lote trata da aquisição de 30 itens de antibióticos, como Amoxilina, Azitrominina, Cefalexina, Ciprofloxacino, Colagenase, entre outros Foto: Divulgação

Saiu esta semana o resultado de um dos 11 lotes de remédios para a rede municipal que a Prefeitura de Sorocaba pretende comprar por meio de licitação. O governo municipal vai pagar R$ 48,3 milhões somente neste primeiro lote (edital 376), enquanto duas concorrentes imediatas da vencedora ofereceram os mesmos medicamentos por R$ 23,5 milhões e R$ 21,7 milhões, mas foram consideradas desclassificadas pelos pregoeiros.

Segundo representantes de empresas que atuam nesse mercado, ouvidos pelo Portal Porque, a opção da Prefeitura de Sorocaba por licitar lotes de medicamentos, em vez de por item, restringiu a participação de diversos concorrentes e resultou num superfaturamento de 200% a 250%, e, em um caso específico levantado pelo portal, de 590% (praticamente, sete vezes mais).

Somente a diferença entre a vencedora e a segunda com menor preço resultaria em uma economia de R$ 24,8 milhões aos cofres públicos, o que representa mais do que o dobro do valor de R$ 10,3 milhões sob suspeita de superfaturamento na compra do prédio da Sedu (Secretaria de Educação), no bairro Campolim, zona sul de Sorocaba.

“A economia poderia ser até maior que R$ 25 milhões se mais empresas tivessem podido participar da concorrência. Até porque esse valor de R$ 48,3 milhões no primeiro lote é uma aberração para o mercado”, afirma ao Portal Porque um representante do setor de remédios, que garante falar em nome de várias empresas do segmento.

Já uma quarta empresa que participou do leilão, considerada “classificada”, cobrou ainda mais caro pelo lote: R$ 50,8 milhões. Tanto a arrematante quanto a classificada têm matriz em Cotia, Região Metropolitana de São Paulo e, segundo os denunciantes, “fazem parte de um esquema de empresas da Capital e de Cotia que combinam o resultado de licitações com prefeituras. Elas até são atendidas pelo mesmo escritório contábil.”

Preços superfaturados

Esse primeiro lote, que foi concluído esta semana, trata da compra de 30 itens de antibióticos, como Amoxilina, Azitrominina, Cefalexina, Ciprofloxacino, Colagenase, entre outros. O comprimido de Amoxilina 500 mg, por exemplo, foi estimado em R$ 0,97 pela Prefeitura. Segundo um representante de distribuidora de remédios, na maioria dos pregões deste ano, em outras cidades, a mesma Amoxilina 500 mg está cotada entre R$ 0,20 e 0,27 (o preço previsto pelo governo local é, respectivamente, 385% e 259% maior).

Mesmo se consideramos o varejo, em lojas físicas, os R$ 0,97 estimados pelo governo de Sorocaba não estão baratos. O Porque não teve dificuldade para encontrar o medicamento a R$ 1,04 em uma farmácia de Sorocaba. A diferença é que a Prefeitura pretende comprar dois milhões de comprimidos e não um frasco com 21 cápsulas, ao passo que o medicamento vendido por unidade, nas farmácias, tem embutidos todos os custos de comercialização, além do lucro do comerciante.

A pedido do Porque, uma distribuidora orçou outros quatro remédios que constam no primeiro lote licitado pela Prefeitura de Sorocaba. A Amoxilina 500 mg + Clavunalato de Potássio 125 mg comprimido teve preço estimado em R$ 5,43 a unidade pelo governo Rodrigo Manga; na cotação da distribuidora sai a R$ 1,50 (262% de diferença). A Amoxilina 50 mg/ml + Clavulanato de potássio 12.5 suspensão foi estimada em R$ 61,91; na cotação do Porque o preço foi de R$ 25,00 (147,6%). A Azitromicina 500 mg comprimido foi estimada em R$ 4,83 pelo Paço; 590% a mais do que os R$ 0,70 orçado pela distribuidora.

O anexo com os preços estimados pela Prefeitura foi assinado pelo Secretário de Saúde, Cláudio Pompeo Chagas Dias.

Limitação de concorrência

Segundo um denunciante, o indício de fraude ou de favorecimento já existia antes mesmo de os três pregões serem abertos, em 6 de janeiro. “A Prefeitura fez questão de realizar a concorrência por lote e não por item de medicamento, o que encarece o produto e limita a participação de empresas. A maior parte desse segmento costuma trabalhar com poucos itens para garantir melhores preços. Só querer comprar em grandes lotes fechados é, no mínimo, suspeito.”

O Portal Porque publicou com exclusividade uma matéria sobre essas suspeitas que antecederam a abertura dos pregões da compra de remédios. Para ler, clique aqui.

Outra fonte citou, como exemplo, que um pregão de remédios, presencial e por item, realizado em Pilar do Sul em setembro do ano passado, contou com mais de 30 proponentes. “Isso porque foi presencial, as empresas precisaram enviar representantes pessoalmente. Em Sorocaba, pelo porte e com pregão virtual, era para ter uns 40 proponentes. Mas a participação tem sido de cerca de meia dúzia por lote.”

Pilar do Sul, na Região Metropolitana de Sorocaba (RMS), tem 29,6 mil habitantes, segundo o IBGE, enquanto Sorocaba tem cerca de 700 mil moradores.

Ministério Público e Prefeitura

A fonte disse ainda que um grupo de empresários do setor de medicamentos está pronto para apresentar denúncias ao Ministério Público assim que os três pregões, iniciados em janeiro, forem concluídos.

O Portal Porque fez contato com a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Sorocaba, solicitando esclarecimentos a respeito das denúncias, mas até a publicação desta matéria não havia obtido retorno. No entanto, o espaço segue à disposição do Poder Público para caso o governo municipal decida oferecer algum esclarecimento à população.

As empresas

A empresa arrematante (R$ 48,3 milhões) foi a Five Med Distribuidora. A outra classificada (R$ 50,8 milhões) é a Ético Farma 360. Já as desclassificadas foram a Comercial Cirúrgica Rioclarense (R$ 23,5 milhões) e a Valinpharma (R$ 21,7 milhões).

Outra que conseguiu participar do certame, mas que aparece como desclassificada no painel de resultados do pregão, foi a Aurobindo Pharma, que pediu R$ 4 milhões pelo lote 1.

Coincidência ou não, a outra “classificada”, de Cotia como a arrematante, ofereceu pelo lote exatamente o mesmo preço que a Prefeitura estimava pagar antes de abrir o pregão: R$ 50.874.810,00.

“Uma ofereceu um preço um pouco maior, no limite do que a Prefeitura estimava, só para que a administração possa dizer que aprovou uma concorrente que oferecia menor preço. No entanto, a gente que é do setor avalia que os preços previstos pelo governo, nos três pregões,11 lotes e mais de 160 itens da licitação, estão de 200 a 250% mais caros que os valores de mercado”, conta um dos representantes.

Pedidos de impugnação

Somente nesse primeiro pregão/edital (o de número 376), pelo menos 14 empresas do setor entraram com pedido de impugnação da licitação. Todos os pedidos foram considerados improcedentes pelos pregoeiros subordinados à Prefeitura.

Os editais publicados pela Prefeitura preveem a compra de 162 itens de medicamentos, divididos em 11 lotes de três pregões públicos, todos iniciados dia 6 de janeiro.

Além dos antibióticos, previstos no primeiro lote, serão comprados anti-inflamatórios, analgésicos, anticonvulsionantes, antipsicóticos, ansiolíticos, sedativos, entre outros. No total, a Prefeitura de Sorocaba estima pagar quase R$ 170 milhões nesses remédios. “Se o pregão não tivesse favorecimento, não tivesse direcionamento de vencedores, o valor seria incomparavelmente menor”, conclui a fonte ao Porque.

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