
Para a delegada, os números não evidenciam aumento na violência doméstica, mas a melhora na disseminação de informação, nos meios de denúncia e no acolhimento às vítimas. Foto: Divulgação
Em 2022, a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher de Sorocaba) instaurou 1.764 inquéritos para apurar casos de violência contra a mulher na cidade. É como se, no decorrer do ano, cinco diligências fossem abertas diariamente. No total, foram efetuadas 204 prisões, sendo 174 pessoas presas em flagrante e 30 por meio de mandados, de acordo com os dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo.
Apenas em janeiro deste ano, foram abertos 13 inquéritos em Sorocaba. Os dados não destoam muito dos anos anteriores: em 2021 foram abertos 1.758 inquéritos e em 2020, 1.687 no total.
Os números, no entanto, não dão conta de elucidar a realidade feminina. Como explica a delegada titular da DDM, Alessandra Reis dos Santos Silveira, esses dados só confirmam a importância da discussão do tema em sociedade e a existência de canais de denúncia e equipamentos preparados para receber essas vítimas. Para ela, fazer uma leitura fria das estatísticas não cabe nesse contexto.
“Os dados não mostram, exatamente, que a violência está aumentando; ela sempre existiu. Mas que aumentaram as denúncias, os meios para denunciar. Hoje há mais informação. Elas [vítimas] sabem que vai ter punição, que terão o apoio de uma rede para se estruturar. Isso vem trazendo mais confiança para denunciar. Assim, vejo como positivo esse aumento nos registros, pois significa que mais mulheres estão dando um primeiro passo pra sair dessas relações.”
Alessandra ressalta que a existência de uma delegacia específica, uma rede de acolhimento e suporte, a possibilidade de denúncias por meio digital e as constantes discussões na sociedade sobre o tema vêm fazendo com que as mulheres tenham entendimento sobre o que configura crime e a importância em denunciá-lo, tendo como garantia a proteção do Estado.
Outro fator que contribui e agiliza as medidas de proteção às vítimas, segundo a delegada, é a existência de uma vara específica para tratar do assunto em Sorocaba, a Vara do Juizado Especial Criminal e da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, em atividade desde setembro de 2013.
Demandas sazonais
Apesar da média de cinco inquéritos por dia no ano passado, Alessandra explica que há semanas e semanas: em algumas, como época de festas, por exemplo, há um aumento; em outras, a procura cai.
Caso atípico ocorreu em um momento também atípico da sociedade, quando o mundo todo atravessou a pandemia de covid-19, com maior período de reclusão entre os anos 2020 e 2021. No começo da pandemia, houve uma queda nas denúncias, pois as pessoas estavam confinadas e ainda processando o ineditismo do momento, fragilizadas pela presença eminente da morte e as incertezas sobre o futuro.
No entanto, com o aumento do período de reclusão, a convivência forçada por um longo período, somada ao estresse ocasionado pelo aumento na taxa de desemprego e as perdas de pessoas próximas, tornaram mais tensas as relações domésticas e o reflexo foi o aumento no número de denúncias de violência doméstica em Sorocaba.
Outro fator é que o boletim eletrônico de ocorrências também permitiu denunciar crimes sexuais, por exemplo, e acabou sendo um importante instrumento para as mulheres, impedidas, por conta da questão sanitária, de acessar a unidade policial presencialmente. “As mulheres usam bastante. O boletim eletrônico é um meio bastante eficaz, mas ainda há muita subnotificação, casos que não chegam ao nosso conhecimento.”
Apesar de números e estudos apontarem que as denúncias de violência doméstica ocorrem, com maior incidência, nas regiões periféricas, a delegada não confirmou essa realidade em Sorocaba. “Violência doméstica não tem classe social”, afirma, reiterando que atende tanto vítimas mais humildes, com baixa escolaridade e vindas de regiões mais periféricas, como mulheres mais instruídas e de uma realidade social mais confortável. “Esse tipo de violência não escolhe classe”, enfatiza.
O primeiro passo
Na manhã de uma segunda-feira, K., 25 anos, profissional de suporte de uma empresa da área financeira e moradora de Sorocaba, aguardava para ser atendida na DDM. A jovem estava prestes a denunciar o ex-marido, com quem tem uma filha, por ameaça e agressão, ocorridas na noite anterior.
De acordo com ela, por não aceitar a separação, ele constantemente a agride e a ameaça. No domingo anterior, no entanto, ele a agrediu em plena rua e, de acordo com a vítima, policiais militares que presenciaram a cena não o penalizaram e a mandaram para casa.
Essa falta de ação de policiais homens fez com que procurasse a unidade especializada no atendimento à mulher. Mesmo assim, por conta do histórico de agressão vivenciado em casa com os pais e a falta de resolução, K. iria solicitar medida protetiva para garantir sua segurança. “Mas mesmo assim não confio muito. Minha mãe apanhava, pedia a medida, íamos para abrigos e, quando a gente voltava, meu pai estava lá no quintal”, desabafa, pontuando uma realidade de perpetuação de violências contra a mulher por gerações.
Como reforça a delegada Alessandra, um dos principais meios para mudar essa realidade na vida da mulher é a educação: “O agressor, muitas vezes, cresceu em um lar presenciando a violência doméstica e a tendência é reproduzir isso”, diz. “O grande ponto do combate é a educação desde criança, para não normalizar a violência e romper a perpetuação desse comportamento”.
“Sempre falo: a mulher pode fazer e ser o que ela quiser, então, qualquer relacionamento que não está bom, ela tem que dar o primeiro passo: se tem violência, denuncie, procure ajuda para romper esse ciclo.”