
Anúncio em grupo de Facebook de Sorocaba mobilizou participantes para ajudar família; apelos como esse são cada vez mais comuns. Foto: reprodução
“Troco faxina por Nestogeno 1, urgente de 800 gramas, sem críticas ou exploração, por favor.” Publicações como esta, feita dias atrás em um grupo de Facebook, revelam o grau de dificuldade que muitas famílias estão enfrentando, em tempos de desemprego, subemprego e inflação alta.
Os grupos de desapego são comuns nas redes sociais Facebook e WhatsApp. Neles, as pessoas vendem, trocam ou até mesmo doam aquilo que não querem mais. Mas esses grupos acabam também sendo canais para a solidariedade.
Recentemente, em um deles, intitulado Brecho Desapego 2022, uma publicação de pedido de ajuda mobilizou os participantes a fazerem doações via PIX para ajudar uma mulher que precisava comprar um aparelho para alimentação por sonda para uma criança.
Tem sido comum encontrar apelos dramáticos. Na mesma semana, no Facebook, um homem, em um dos grupos de barganha, publicou que ele, a mulher e a filha de quatro anos estavam precisando de ajuda. “Estamos sem nada na casa. Não queremos dinheiro. Sou de Sorocaba. Quem quiser ajudar, passo o endereço no chat. Deus abençoe a todos.”
Oportunidades com a geração de renda
Organizar as pessoas que estão desempregadas é um fator fundamental para reduzir a situação de miséria. Em 1999, diante da crise econômica pela qual passava o país, o padre Benedito de Jesus Halter criou possibilidades de geração de renda, na paróquia do Cristo Rei, por ocasião da Campanha da Fraternidade.
Ele lembra que o tema era “Sem trabalho. Por quê?” “Organizamos uma cooperativa de reciclagem, no pátio da igreja. Antes, começamos a fazer sabão caseiro. Depois, passamos pela coleta, conseguimos um barracão no Parque Vitória Régia. Muitas pessoas se envolveram e conseguiram fazer uma renda.”
Logo depois, estruturou-se o Ceadec (Centro de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento, Emprego e Cidadania) que desenvolveu projetos de novas cooperativas de reciclagem, principalmente com o Governo Federal nos mandatos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2013).
A presidente do Ceadec, Rita Viana, expõe um quadro preocupante da realidade em Sorocaba, em relação ao desemprego e às pessoas em situação de vulnerabilidade. “Nos últimos quatro anos a gestão de Bolsonaro assolou o Brasil e as trabalhadoras foram as que mais sofreram impacto. Emprego escasso, muitas pessoas desempregadas… Boa parte da população ficou em situação de vulnerabilidade. Muitos não conseguiram pagar aluguel. Então, a situação piorou muito no pais”, contextualiza.
Rita e a equipe percebem, em Sorocaba, o aumento do número de pessoas que estão fazendo a coleta como opção de geração de renda. “Num primeiro momento, na pandemia, os materiais recicláveis tiveram aumento no valor, mas, com o desemprego e muita gente indo para a coleta os materiais, tiveram uma baixa no valor de considerável”, diz.
“Estamos confiantes e sabemos que é um desafio de toda a sociedade e do governo Lula de oportunizar a geração de renda porque não tem emprego para todo mundo. Precisamos trabalhar também a questão da auto-estima, que a pessoa possa ir ao supermercado e poder comprar o leite e o arroz que necessita”, destaca Rita.
Reprodução do ciclo da fome
O drama da fome, que leva os pais a oferecerem serviços em troca de comida nas redes sociais, tem outro efeito nocivo que é o trabalho infantil, quase sempre executado em condições adversas e até perigosas.
Sem possibilidades financeiras devido ao desemprego dos pais e outros responsáveis, muitas crianças acabam encontrando nas ruas uma “alternativa” para conseguir alguns trocados.
No último dia 31 de janeiro, o Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Estadual ajuizaram ação de execução para que a Prefeitura de Sorocaba pague multa que pode chegar a R$ 10,7 milhões, pelo não cumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2020, para erradicação do trabalho infantil (leia aqui).
“Crianças nos semáforos é questão social. Realmente está ausente essa política pública. A situação dessas crianças no trabalho infantil e a situação de suas famílias é trabalho do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e de todas áreas sociais da Prefeitura e do Estado”, afirma o chefe regional de seção de Fiscalização da Gerência Regional do Trabalho e Emprego do Ministério do Trabalho, Ubiratan Vieira.
“Já conseguimos colocar algumas dessas crianças em instituições formadoras e empresas. Muitas vezes descobrimos que as crianças vendiam flores e balas para ajudar no sustento da família. Não existe solução sem educação e apoio da rede social.”, alerta.