Busca

Biblioteca Comunitária do Jd. Magnólia espalha livros e estimula o hábito de ler

Além do empréstimo e doação de livros, biblioteca sedia o projeto Clube de Leitura Compartilhada, em que os leitores trocam ideias sobre livros previamente selecionados

Davi Deamatis (Portal Porque)

Amigos e agitadores culturais, Beto (esq.) e Jonas mantêm uma atividade intensa de divulgação da leitura, que inclui a distribuição de livros por toda a cidade. Foto: Davi Deamatis

Quando José Roberto Ribeiro Puglia, o Beto, e seu companheiro Jonas Antunes de Almeida tiram o Hyundai preto da garagem, às segundas-feiras pela manhã e às terças no período da tarde, deixam a porta aberta. E espalham banquinhos no espaço generosamente cedido pelo Hyundai.

Então o que se vê é um ambiente colorido, com estantes e caixas lotadas com dois mil livros, gibis, vinis, DVDs, CDs, um teatrinho de fantoche, uma máquina de escrever e cartazes. E ouve-se uma suave música ambiente.

Pode entrar, o ingresso é livre e gratuito, pois a garagem está convertida num espaço encantado de palavras: a Biblioteca Comunitária Jardim Magnólia, instalada na casa 82 da Rua Júlio Durscki.

Dela vieram à luz dois projetos especiais: o Livro Livre e o Clube de Leitura Compartilhada.

Beto, funcionário público federal, e Jonas, professor de educação artística na rede estadual de ensino, vieram de São Paulo para residir nesse endereço depois de terem se aposentado.

“Decidimos ocupar parte de nosso tempo com um projeto comunitário. Como tínhamos um acervo de mil livros, e gostamos de leitura, criamos a Biblioteca. Nós a inauguramos no dia 15 de agosto de 2019”, afirma Beto.

Os primeiros visitantes foram as crianças vizinhas, interessadas nos gibis, nos joguinhos didáticos, no teatro de fantoche e nas aulas de reforço escolar dadas por Beto.

E uma fonte de especial curiosidade chama a atenção dessas crianças: a máquina de escrever Lexikon. “Esta máquina é a avó do computador”, diz Beto às crianças, que ficam fascinadas e logo querem bater nos teclados.

Lições de vida datilografadas

Além das crianças, outro grupo de pessoas se interessava pela biblioteca: aquelas em situação de rua. Jonas conta: “A poucos metros daqui há uma entidade espírita que acolhia essas pessoas, e lhes oferecia banho e alimentação.”

“Depois, quando saíam da entidade, essas pessoas passavam pela Biblioteca e contavam suas dores na vida, a cujas histórias dávamos ouvidos atentos. Eram dramas intensos. Lições de vida para a gente”, disseram Jonas e Beto.

Entre essas pessoas estava um homem, de uns quarenta anos, que gostava de refletir sobre a vida e a recitar pensamentos que trazia de cor. Beto o chamou “filósofo” — e ele gostou. E com a atenção que lhe despertava a máquina de escrever, ele pedia para datilografar alguns pensamentos.

No dia 28 de fevereiro de 2020, o filósofo datilografou: “Não se vive no ontem nem no amanhã mais no agora. Não se esqueça.”

Em consequência da pandemia, a entidade deixou de atender em sua sede e, agora, seus caridosos voluntários levam alimentos aos locais públicos em que se encontram aquelas pessoas.

Projeto Livro Livre

Para divulgar a Biblioteca, Beto e Jonas distribuíam folhetos pelo bairro. “E, quando estamos aqui em atendimento, abordamos uma ou outra pessoa na rua e a convidamos a conhecer a Biblioteca e a levar um livro, um gibi, ou um quadrinho para ler em casa. E sem prazo para devolver. E, caso queira, que empreste a obra a outro interessado em leitura.”

Eles também criaram uma página no Facebook (clique aqui).

Com a repercussão do trabalho de Beto e Jonas, muita gente quis contribuir e passou a doar livros à Biblioteca. Chegaram a receber a doação de mais de mil livros.

Além de faltar espaço para acomodar tantos livros, muitas obras se repetiam. “Daí surgiu a ideia de criar o projeto Livro Livre, que funciona assim: colocamos o livro num saco plástico, e o deixamos num ponto de ônibus, num banco de praça ou em outro espaço público, com a seguinte mensagem impressa em papel sulfite:

“Este livro não foi esquecido nem perdido aqui. É um Livro Livre. Está aqui para quem quiser ler. […] Após a leitura, passe-o para outra pessoa. […] Caso não queira, deixe-o aqui, protegido […]. Ele pode ser útil para alguém.”

Dessa forma já foram distribuídas pelo menos duzentas obras. Em homenagem aos pais desse projeto, Jonas e Beto, a Cia Trucks, de São Paulo, elaborou um belo filme dentro do Projeto Viajantes retratando o Livro Livre. O filme, de sete minutos, está disponível no YouTube, e pode ser acessado clicando aqui.

A livre circulação dos livros foi contada pela Cia Trucks por meio de uma metáfora: como se eles fossem pássaros. E voassem.

Clube de Leitura Compartilhada

Já no primeiro mês de atividade da Biblioteca, Jonas, Beto e amigos que têm em comum o gosto pela literatura criaram o Clube de Leitura Compartilhada.

Eles se reúnem na Biblioteca sempre na última quinta-feira de cada mês, às 18h, para que cada qual apresente sua experiência de leitura do livro previamente escolhido e discuta com o grupo as suas percepções.

“Não se trata de uma leitura de especialistas, mas de pessoas que gostam de literatura e de partilhar suas impressões de leitores”, disse Jonas.

A primeira obra escolhida pelo grupo foi “A revolução dos bichos”, de George Orwel. Das primeiras reuniões, participaram vinte pessoas. Beto comenta: “Depois veio a pandemia e nossos encontros passaram a ser virtuais. Agora retomamos as reuniões presencialmente com oscilação de oito a dez leitores.”

Para este mês de fevereiro, a leitura que o grupo vem fazendo é a do livro “As intermitências da morte”, de José Saramago. E a reunião que os leitores farão para que apresentem suas impressões ocorrerá no próximo dia 23.

Esse livro de Saramago foi sugestão de Márcia Proença, uma entusiasta participante do Clube. Ela diz: “A minha indicação do livro ´As intermitências da morte`, de José Saramago, deveu-se pelo fato de se tratar de um grande escritor da língua portuguesa — e por ocasião da comemoração de seu centenário de nascimento, ocorrido em novembro do ano passado, ocasião em que algumas de suas obras foram relançadas em edições comemorativas.”

Márcia considera que “a obra de Saramago dá margem a inúmeras reflexões ligadas à temática social, crítica política e religiosa”.

Para falar o quanto a literatura lhe é importante, Márcia cita Jorge Luis Borges: “De todos os instrumentos do homem, o mais surpreendente é, sem dúvida, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões de sua visão; o telefone é uma extensão da voz; depois temos o arado e a espada, extensões do braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.”

A atriz e educadora Matilde Santos, também participante do Clube, disse: “A literatura é uma das mais belas expressões de arte, que toca nossa sensibilidade, livra-nos da alienação e nos auxilia na compreensão crítica de nossa sociedade. E, por isso, nos faz cidadãos melhores. Razão por que me congratulo com meus amigos Jonas e Beto pela criação da Biblioteca Comunitária, um espaço de cultura e cidadania.”

Oitava reportagem da série “Arte da Resistência”, dedicada às pessoas que criaram espaços culturais alternativos em Sorocaba, em contraponto à falta de investimentos nos espaços oficiais. Para ler as reportagens anteriores, clique nos links abaixo.

Em seu Studio, Bete Pinn realiza sonho de formar atores e público para o teatro

Dança Circular espalha benefícios pelos espaços públicos de Sorocaba, de graça

O arteiro Francisco Chanes e sua criação pós-pandemia: Espaço Cultural Sorocleta

Biblioteca comunitária do Laranjeiras: conquista (suada) de jovens determinados

Enquanto preserva a memória ferroviária, associação abre espaço para a Cultura

Com ‘fome de arte’, Ana construiu um teatro em sua casa, no Jardim Maria Eugênia

Teatro Escola Mario Persico, dez anos colecionando prêmios e vencendo obstáculos

mais
sobre
arte da resistência biblioteca comunitária davi deamatis Jardim Magnólia Literatura
LEIA
+