
Equipe do São Bento que derrotou o Santos de Pelé por 3 a 2 no estádio Humberto Reale, em 30 de outubro de 1963. Foto: reprodução
Havia 10 anos o time sorocabano se profissionalizara. No ano anterior, após uma batalha histórica na final contra o alvirrubro América de São José de Rio Preto, o São Bento conseguira o acesso para a Divisão Especial do Campeonato Paulista. Time de bons jogadores – que depois se destacaram fora de Sorocaba, como Bazzaninho, Chicão, Raimundinho, Picolé e Paraná –, estava em 4º lugar no Campeonato. A Federação Paulista de Futebol marcou a partida entre Santos e São Bento às vésperas do feriadão de Todos os Santos, quem sabe uma homenagem aos dois.
O poderosíssimo time de Pelé era tricampeão paulista e bicampeão da Taça Brasil, bicampeão da Libertadores e a duas semanas de se tornar bicampeão mundial. Trouxe boa parte dos titulares que 17 dias depois iriam derrotar o Milan no Maracanã, incluindo o Rei Pelé.
Artidoro Mascarenhas, o prefeito da cidade, deu ponto facultativo para os servidores naquele 30 de outubro de 1963. Os bancos encerraram o expediente duas horas antes. O comércio também fechara as portas (alguns com bandeirinhas do São Bento) antecipadamente. Pelé parava até guerra se fosse preciso.
O estádio da Rua dos Morros agora recebia o nome dum ex-presidente do clube, o Doutor Humberto Reale. Estava lotado e a renda bateu o recorde em jogos no interior: mais de 5,138 milhões de cruzeiros (equivalente a 245 salários mínimos da época).
Aos 5 minutos do primeiro tempo, numa atrasada equivocada, Raimundinho rouba a bola, finta o grande goleiro Gilmar e faz o primeiro tento do São Bento. A euforia toma conta das arquibancadas. 19 minutos depois é a vez de Bazzaninho – cobrando falta –, ampliar o marcador. A incredulidade era total no gramado. Seis minutos depois Pelé começa a restabelecer a ordem: gol do Santos.
Aos 44, o craque alviceleste Nestor lança a bola para Picolé. Num contra-ataque rápido, o atacante dribla três jogadores do time da Vila Belmiro e faz um golaço: era o terceiro do time da casa. Picolé acabou sendo eleito como melhor atacante daquele campeonato.
O técnico Lula alterou o modo de jogar do time praiano para o segundo tempo, mas só aos 25 minutos Pelé encontrou Toninho livre e este diminuiu o placar.
Os últimos 20 minutos foram de tortura para os milhares de sorocabanos que estavam no estádio. A cidade estava silenciosa. Ninguém nas ruas, nenhum carro ou charrete. Parecia que todos morreram. Vez ou outra se ouviam os gritos do narrador da rádio. O tempo parou. Chegaram os últimos 5 minutos de jogo. Ao contrário do que se esperava, o São Bento partiu para o ataque, sufocou o Santos, conquistou cinco escanteios e por pouco não fez o quarto gol.
Aos 17h50 o árbitro Albino Zanferrari encerra a partida: São Bento 3 versus Santos 2. Muitos torcedores transbordavam em lágrimas. Beijos efusivos foram dados, abraços de felicidade se espelhavam. O mundo girava em torno de Sorocaba naquele momento e a terra era azul. Os milhares de torcedores desceram as ruas da Vila Hortência cantando hinos de festa e do São Bento.
Sim, ele, o Deus dos gramados, estava estatelado no chão, arrasado pela derrota, sem o sorriso marcante do maior camisa dez da história. Do outro lado, Valter, Julião, Chicão, Bazzaninho, Picolé, Raimundinho, Afonsinho, Nestor, Odorico, Salvador e Paraná comemoravam. Os onze heróis de um time pequeno, caipira, mas que derrotara o melhor time de futebol que já aparecera no Planeta.
Azul, por sinal.
*Martinho Milani é professor de História, Filosofia e Geografia, doutor em História Econômica e mestre em História da África pela USP. Cofundador e articulista do site de blogueiros independentes Terceira Margem.