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Falta de refeições impede Caps AD III de oferecer atendimento integral aos pacientes

José Carlos Fineis

Desde o dia 21 de maio, o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) III Saca Só, localizado no Jardim Maria Eugênia, está impedido de oferecer atenção integral para os pacientes que mais precisam, e que, por seu estado, carecem de cuidados em tempo integral.

Apesar de contar com leitos para acolhimento, tratamento e observação, o Caps não pode utilizá-los, porque a Prefeitura de Sorocaba não contrata uma empresa para fornecer refeições aos pacientes. A interrupção no fornecimento de refeições já havia ocorrido no ano passado; foi resolvida parcialmente, mas voltou a acontecer em maio deste ano. Desde então, apesar de promessas de providências e depois de uma contratação frustrada, continua sem perspectiva de solução.

O Caps AD III Saca Só conta com oito leitos para acolhimento 24 horas de pacientes em uso abusivo de substâncias psicoativas, com alteração de comportamento ou em situação de vulnerabilidade física e/ou social. A falta de um esquema de fornecimento de refeições, entretanto, impede que os leitos sejam utilizados e inviabiliza o funcionamento da unidade nesta que é uma de suas atribuições mais importantes. Segundo o PORQUE apurou, todos os dias a unidade atende casos que demandariam acolhimento, como pacientes em surto ou com ideações suicidas, distantes de suas famílias ou sem apoio das mesmas – mas que acabam sendo dispensados depois de atendidos, porque, sem ter como alimentá-los, não há como acolhê-los.

Como pano de fundo para o desinteresse em resolver a situação, estaria o que vem sendo denunciado por movimentos como o Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas) e o Instituto Contraproposta como um desmonte gradual da Rede de Atenção Psicossocial e do próprio SUS, em benefício de uma “nova política de saúde mental” que procura restabelecer o modelo manicomial e promover “internações em massa”. Contrário à política de saúde mental prevista na legislação brasileira, esse projeto tem, entre as partes interessadas, clínicas particulares e as chamadas “comunidades terapêuticas” – hoje um negócio bastante lucrativo, por vezes ligado a denominações religiosas.

SEM CONTRATO

Inaugurado em 2013, o Caps AD III Saca Só é um dos dois Caps, em toda a cidade, habilitados ao tratamento extra-hospitalar de dependentes químicos de álcool e drogas (o outro é o Caps AD III Roda Viva, inaugurado em 2015). O Saca Só é, também, o único Caps administrado diretamente pela Prefeitura, que, segundo consta, recebe verba do governo federal para mantê-lo.

Quando o Saca Só ficou sem contrato de fornecimento de refeições, em setembro de 2021, houve interrupção do acolhimento. A situação foi contornada com um acordo com o Roda Viva, para compartilhamento da alimentação entre os dois Caps AD III. Entretanto, o acordo vigorou até 21 de maio, quando o Saca Só novamente ficou à deriva.

A princípio, parecia que o problema seria resolvido logo. A Prefeitura iniciou um processo de contratação emergencial de empresa para fornecimento de refeições para o Saca Só e o Pronto-Atendimento do Laranjeiras. De acordo com o Termo de Referência do processo 186/2022, modalidade Dispensa de Licitação, publicado em 27 de maio, a empresa vencedora ficaria responsável por fornecer até 5.160 refeições durante os seis meses de vigência do contrato (860 refeições por mês) para o Caps AD III Saca Só e o PA Laranjeiras. Tudo parecia caminhar para uma solução com a assinatura do contrato com a empresa Soronutri, em 31 de maio, pelo valor global de R$ 117.684,00 (média de R$ 22,80 por refeição).

Entretanto, segundo o PORQUE apurou, a Soronutri desistiu do contrato. Dois empenhos (reservas para pagamento) chegaram a ser feitos em nome da empresa, no dia 31 maio, no valor total de R$ 117.684,00, mas, diante da desistência, nada foi pago. Até onde foi possível apurar, também não foram tomadas providências para uma nova contratação emergencial, visando ao fornecimento de refeições. Passados quase dois meses, a situação não teve ainda uma solução, embora a Prefeitura admitisse, na justificativa do processo 186/22, que “o fornecimento das refeições faz-se necessário para dar continuidade aos cuidados ofertados pela Unidade CAPS AD III, uma vez que sem o fornecimento não terá como prestar o cuidado integral do usuário”.

DESMONTE GRADATIVO

Os Caps desempenham parte importante da Política de Saúde Mental, cuja pedra de toque é o tratamento dos pacientes sem excluí-los da vida em sociedade. A Rede de Atenção Psicossocial, que inclui as residências terapêuticas, não está, entretanto, completa em Sorocaba. Faltam serviços essenciais preconizados pela legislação federal em vigor a partir do início dos anos 2000, e que reconheceu o direito dos pacientes a serem tratados, “preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental”. Sorocaba já teve – não tem mais – o Consultório de Rua, substituído por uma operação de abordagem policialesca às pessoas que dormem ao relento. Também não conta com unidades para acolhimento de adolescentes e adultos.

A situação tem sido denunciada insistentemente pelo Flamas, que classifica medidas como a “barreira humanitária” do prefeito Rodrigo Manga (chamada pelo movimento de “barreira desumanizante”) como parte de uma política higienista, que flerta com a retomada de práticas como o encarceramento, a internação forçada e a exclusão social dos pacientes psiquiátricos. A vereadora Fernanda Garcia (Psol) questionou a Prefeitura no dia 5 de junho sobre o problema do Caps AD III Saca Só e, desde então, vem cobrando o governo municipal para que normalize a situação. Segundo a vereadora, autoridades da Secretaria da Saúde prometeram uma solução rápida, mas, até onde se sabe, não houve qualquer iniciativa nesse sentido.

O PORQUE tentou obter informações com a Prefeitura, mas novamente não foi atendido. Um e-mail foi encaminhado à Secretaria de Comunicação (Secom) às 8h da terça, dia 12 de julho, com solicitação de esclarecimentos, mas aquela secretaria, chefiada pela jornalista Fernanda Burattini, permanece firme em seu propósito de não responder aos questionamentos do PORQUE. Também a empresa Soronutri foi contatada por meio de WhatsApp, no mesmo dia 12, para esclarecer por que deixou de honrar o contrato, mas, embora a mensagem tenha sido visualizada e originado uma resposta automática padrão, a empresa não demonstrou interesse em se manifestar. O PORQUE mantém seu espaço editorial aberto para caso os responsáveis resolvam dar alguma satisfação aos sorocabanos.

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