De um ano para cá, o sorocabano passou a desembolsar R$ 137,09 a mais para garantir os 34 itens que compõem a cesta básica. O estudo, do Laboratório de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade de Sorocaba (Uniso), aponta que houve, em um ano, aumento de 14,42% no preço dos produtos pesquisados, ou seja, essa compra passou de R$ 950,41 em junho 2021 para 1.087,50 no mesmo período deste ano. A alta nos preços, sentida mês a mês, obrigou o consumidor a procurar alternativas para garantir alimentos à mesa, impulsionando, em Sorocaba, um novo tipo de comércio: os chamados mercados de preços acessíveis, de oportunidades ou de baixo custo. Estima-se que hoje haja mais de 40 desses locais, espalhados pela cidade.
Com ofertas de produtos de marcas novas, ou próximos – mas não necessariamente – ao vencimento, esses pequenos comércios que começaram a surgir no início da pandemia chamam a atenção pelo preço e quantidade. A maioria repassa de três a quatro unidades dos produtos por preço médio de R$ 10, mas há diversidade de ofertas e preços.
Durante dois meses a reportagem do PORQUE acompanhou as ações e ofertas em quatro grupos de WhatsApp de diferentes estabelecimentos, e comprovou que há mudanças semanais nos produtos oferecidos. Se, no início, a maioria dos itens eram as chamadas guloseimas ou itens secundários como bolachas, salgadinhos, pães, bolos, balas e lacticínios, hoje esse universo se ampliou e as ofertas agregam também os chamados vilões da cesta básica, como arroz, café, molhos, embutidos como linguiças, carnes – de frango à picanha –, além de muitos produtos à base de vegetais, como hambúrgueres, leite e molhos.
Além da variedade de produtos, esses comércios também servem como vitrines para novas marcas, pois acabam introduzindo no comércio e na rotina das pessoas produtos de empresas menores que não tinham poder de negociação com as tradicionais redes de hipermercados.
OPORTUNIDADES PARA TODOS
O casal de empresários Raphaella Maia e Levi Júnior vinha de outra realidade de trabalho quando começou a pandemia, e precisou se reinventar para conseguir orçamento para sobreviver ao período. Foi aí que, há dois anos, eles deram início ao comércio deles, no Largo do Divino. Com o poder de compra do brasileiro caindo a cada mês, não demorou para que as ofertas que conseguiam com as fornecedoras chamassem a atenção da população – também estes com as finanças impactadas, principalmente durante os piores momentos da pandemia. Para Raphaella, o boca a boca foi essencial para que, rapidamente, conseguissem uma boa clientela, a maioria da zona norte da cidade. Motivados pela logística dos clientes, resolveram, então, fechar as portas no antigo endereço e migrar para outro lado da cidade.
Hoje instalados na avenida Itavuvu, um dos principais corredores comerciais da cidade, contam que a empreitada deu e está dando muito certo. A procura diária que faz com que muitos itens se esgotem rápido cobra deles, também, constantes negociações com os fornecedores, mas a correria compensa, avaliam. “O pico da procura é no sábado, mas tem correria todos os dias. Com R$ 50, as pessoas saem daqui com uma boa compra”, contou a proprietária.
Se, para repassar esses produtos por preços módicos, eles acabam tendo lucro bem inferior às grandes redes, garantem que poder alimentar aqueles cuja renda não permitiria tantos excessos é também reconfortante. “Muitos clientes chegam aqui e falam: graças a Deus que vocês existem!”
MENOS LUCRO, MAIS VENDAS
Para entender como funcionam esses negócios de oportunidades, Raphaella explicou que buscam negociar com empresas produtos mais em conta, e repassam por um percentual de lucro de, aproximadamente, 30%. Assim, aceitando esse considerado baixo retorno, conseguem, por exemplo, oferecer uma peça de aproximadamente 200 gramas de queijo brie por R$ 10, algo impensável em um grande mercado, cujos lucros giram para mais de 100%. Neste caso, economicamente para eles, o que vale é o montante vendido.
Os empresários também compram produtos próximos à validade, mas com um espaçamento de tempo maior do que os oferecidos nas gôndolas das grandes redes, sem contar que alguns desses alimentos, que seriam incinerados pelas fornecedoras, também são adquiridos e vendidos por preços bem mais modestos. “Eles iriam perder esses alimentos, daí nós compramos mais barato e repassamos por um preço melhor, que garante a saída.” Outro ponto é que não há estoque. Tudo o que conseguem acaba rapidamente, o que é bom também para as empresas fornecedoras.
Outra questão são os produtos de marcas que não negociam com as redes tradicionais, e acabam tendo nesses comércios a oportunidade de visibilidade, como no caso das empresas de produtos de origem vegetal. Para Raphaella, nutricionista por formação, é satisfatório inserir uma alimentação mais saudável e acessível na mesa dos sorocabanos, muitas vezes quebrando preconceitos, como os alimentos de origem vegetal, cujas ofertas têm chamado a atenção e a descoberta do gosto também. Neste estabelecimento, que trabalha com muitos itens de origem vegetal, a clientela de veganos e vegetarianos aumenta diariamente. “Eles se comunicam entre eles e os produtos acabam rapidinho”, contou.
COMUNICAÇÃO ORGÂNICA
A comunicação é outro ponto de destaque desses tipos de comércios que, raramente, arcam com um projeto de publicidade tradicional ou contratam agências. Além do boca a boca, são os tradicionais grupos de WhatsApp que dão conta de disseminar todos os folhetos diários digitais dos mercados. A estratégia é simples e eficaz: uma conta no Instagram que detalha, diariamente, as ofertas, e um link que encaminha a pessoa como membro do grupo do WhatsApp, em que ela passará a receber, em primeira mão, as ofertas do dia. Para se ter uma ideia, a média desses grupos é de mais de 200 pessoas.
Há, ainda, aqueles que realizam ações de marketing como a contratação de carros de som de rádios para datas específicas, além de parcerias com os chamados influencers, para registrar as compras no local e divulgar para seus seguidores nas redes sociais. “Mas nada supera o boca a boca”, garantiu a proprietária.
Um bom exemplo desse tipo de comunicação é Marcos Roberto dos Santos, 52, eletricista. Cliente “desde o começo”, como gosta de frisar, estava no local quando a reportagem chegou. Ele conta que vai quase diariamente ao mercado, e sempre aproveita alguma oferta. “Gosto porque tem uma variedade de produtos e preços muito bons. As coisas ficaram muito caras”, enfatizou ele, enquanto concluía suas compras. Santos não precisa estar no grupo do WhatsApp pois sabe que se der uma “passadinha”, irá encontrar algo para levar para a casa.
Lúcia de Fátima Vaz, 64, dona de casa, também é uma dessas clientes que conheceu o estabelecimento de forma orgânica, e sempre que pode aparece para aproveitar alguma promoção. “Deixei de comprar muita coisa nesse tempo (pandemia) por estar muito caro, então eu sempre venho para procurar algo mais em conta, pois sempre tem.”
CADA ESTABELECIMENTO, UMA REGRA
De acordo com os proprietários, as “passadinhas” dos clientes acabam saindo em média de R$ 30 a R$ 50 de compras, para um tanto de produtos superior ao que conseguiriam levar em outro tipo de comércio. No entanto, há quem tenha família grande e aproveite as ofertas levando compras maiores. “Tem quem compre quase mil reais em produtos”, disse Raphaella.
Cada estabelecimento estabelece suas regras. Normalmente, não há limites para compras. Em alguns, as pessoas podem mesclar os produtos, contando que seja do mesmo valor. Por exemplo: se três unidades de pães, três bandejas de iogurte e três detergentes saem por R$ 10, a pessoa não precisa levar três unidades do mesmo produto, mas mesclá-las.
Há, ainda, aqueles cujo valor unitário é menor que o do combo, no entanto, menos vantajoso. De acordo com os proprietários, é um modo de garantir que famílias menos numerosas ou mesmo solteiros não precisem levar mais produtos do que realmente necessitem, e não haja desperdícios.
Nos corredores apertados de um desses comércios que fica na rua 15 de Novembro, o público era, na maioria, de pessoas saídas do trabalho, aproveitando para levar algum produto para a casa. “Moro com a minha mãe que é diabética, se levar três bandejas de iogurte vou ter que jogar ou distribuir, então prefiro não levar muito por um preço menor, mas só o necessário. Tem muita gente passando fome pra gente ficar com esse egoísmo de querer sair de esperto”, ponderou Júlio Alves Júnior, 28, atendente.
LUXO ACESSÍVEL
É fato que os itens mais básicos da cesta básica ainda não estão disponíveis nesses estabelecimentos, que não comercializam frutas ou verduras in natura, por exemplo. Contudo, chamam a atenção do público as ofertas de produtos considerados caros, ou itens de “luxo”, como grifou Ana Carolina Ribeiro, 22, estagiária. “Venho comprar laticínios, snacks, frios, burritos… Essas coisas caras que aqui tem preço baixo. É um luxo acessível!”, comemorou ela, que conheceu o estabelecimento da zona norte há cerca de um mês, quando passava em frente. Ela, que vai ao local cerca de duas vezes por semana e gasta em torno de R$ 30, conta que fica feliz com a variedade das suas compras.
Para se ter ideia desse “luxo” apontado por Carolina, basta ver os destaques das ofertas de alguns desses estabelecimentos: queijos faixa azul, presunto de parma, manteigas, filé mignon, salames, peito de peru, coalhadas, chocolates importados, camarão, massas recheadas e outros produtos considerados finos, por preços que variam, a partir de R$ 10 até três unidades do mesmo produto.