
É imprescindível que a sociedade identifique e neutralize os inimigos da democracia, a fim de preservar as instituições que eles se esforçam por sabotar. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Mais do que obras de arte, móveis, vidros e portas, o que a depredação de domingo, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, destruiu em definitivo foi o caráter supostamente pacífico das manifestações que eclodiram por todo o Brasil após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) na eleição presidencial.
Em que pesem os prejuízos materiais, a maior vítima do quebra-quebra foi o próprio bolsonarismo, agora identificado, de forma indissociável, com o que tem sido de fato, nos últimos quatro anos: uma doutrina pautada pelo desprezo à democracia, pelo desejo de enfraquecer as instituições, pelo projeto de se perpetuar no poder via golpe de Estado.
A reação aos atos repugnantes de vandalismo – seja pelas manifestações populares em defesa da democracia que tomaram as ruas do País, seja pela reunião dos principais mandatários dos três Poderes e também dos 27 governadores, nesta segunda-feira, em Brasília – mostra a face de um Brasil amadurecido politicamente e refratário a golpismos.
Como bem destacou o presidente Lula, não se pode admitir – e não se admite – que, no Brasil livre e emancipado do século 21, conspiradores impatrióticos se articulem com o pretexto de defender a liberdade de expressão, quando o seu real projeto, verbalizado abertamente na imprensa e nas portas dos quartéis, é solapar o Estado Democrático de Direito.
As prisões de centenas de invasores e depredadores do patrimônio público, que se valeram do terrorismo mais grotesco como instrumento para tentar desestabilizar o regime e, talvez, provocar um levante de outros possíveis setores golpistas, fornecerão à Polícia Federal, Polícia Civil e órgãos de inteligência um farto material a ser investigado.
Os celulares dos golpistas da linha de frente, devidamente escrutinados mediante autorizações judiciais, certamente revelarão os nomes daqueles que, acreditando-se acobertados pelo anonimato, há muito fomentam a traição à pátria por meio de teorias conspiratórias e fake news, ou que bancaram financeiramente a tentativa de tomar o poder.
No entanto, tão importante quanto a identificação e responsabilização de todos os integrantes da cadeia golpista, uma outra tarefa se impõe às autoridades e à sociedade como um todo. Ela consiste em detectar e responsabilizar, nos termos da lei, as autoridades que, por ação ou por omissão, ajudaram a ensejar o golpismo em seus variados matizes.
Não foram só alguns policiais militares, que aparecem em vídeos confraternizando com os terroristas, os responsáveis pelo caldo de cultura em que o golpismo se organizou livremente, até chegar às vias de fato. Nas sombras, puxando as cordinhas e tão criminosos quanto os que praticaram o vandalismo, há prefeitos, vereadores, deputados, promotores de justiça, comandantes da Polícia Militar, entre outros que se omitiram flagrantemente em suas obrigações.
Esses maus brasileiros estão por toda a parte. Do comandante do batalhão de Polícia Militar aos prefeitinhos que confraternizaram com os que bloquearam o tráfego em rodovias, passando pelos promotores que fizeram vista grossa diante da afronta ultrajante à Lei e à Constituição Federal — todos eles são artífices de uma tentativa de golpe de Estado, e ainda mais perniciosos que os cretinos da linha de frente, posto que investidos de poder e autoridade.
Não se trata de caça às bruxas ou revanchismo. Os atentados de domingo e outros anteriores, como a tentativa de explodir um caminhão-tanque e os incêndios criminosos no dia da diplomação do presidente Lula, ocorridos lá mesmo, em Brasília – sem falar em diversas agressões a jornalistas –, não deixam margem para hesitações ou tergiversações, no que se refere à necessidade de repressão implacável aos agentes do caos e do retrocesso.
É imprescindível que a sociedade identifique e neutralize os inimigos da democracia, a fim de preservar as instituições que eles se esforçam por sabotar. E, nesse sentido, a imprensa independente e as organizações da sociedade civil – bem como os órgãos de controle interno, ainda que possam, como de costume, estar parcialmente travados pelo corporativismo –, terão o importante papel de apurar, comprovar e cobrar as punições cabíveis.
Neste momento crítico da vida nacional, em que mais uma vez a democracia foi posta à prova pelo bolsonarismo irascível e porco, o Portal PORQUE reafirma seu compromisso de denunciar, com a máxima independência, pluralidade e profissionalismo, a conduta criminosa e impatriótica daqueles que, tendo o compromisso de zelar pelas instituições democráticas, optaram por ameaçá-las de alguma maneira.
*José Carlos Fineis é editor-chefe do Portal PORQUE.
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