
O vestido elaborado pela sorocabana reitera o discurso de valorização da moda brasileira, com indumentárias cuja produção é 100% nacional Foto: José Cruz/Agência Brasil
O segundo traje usado pela primeira-dama Janja Lula da Silva na posse presidencial, no último domingo, dia 1º, tem a assinatura de uma sorocabana. A estilista Rafaella Caniello, 27 anos, é a responsável pelo vestido azul usado por Janja na segunda parte da festa de posse. Ela fez a roupa em parceria com a estilista Helô Rocha. Rafaella também vestiu Janja para a diplomação, ocorrida no último dia 12 de dezembro.
Assim como na primeira parte da posse, quando a primeira-dama escolheu um terninho de alfaiataria, o vestido elaborado pela sorocabana também reitera o discurso de valorização da moda brasileira, com indumentárias cuja produção é 100% nacional.
De acordo com a descrição da estilista sorocabana, considerada uma das mais talentosas da sua geração, a roupa usada por Janja para a recepção no Itamaraty trata-se de uma saia e body plissada, com mangas torcidas. As peças foram costuradas à mão e modeladas no manequim de forma orgânica. “Uma honra fazer parte desse momento histórico”, escreveu a estilista, agradecendo Janja e Helô Rocha pelo convite.
A reportagem entrou em contato com a estilista, mas, até a publicação desta matéria, não havia retorno.
Nas mais diversas publicações sobre moda no país analisando as escolhas de Janja, o destaque é para a criação da estilista sorocabana, que desponta como um dos grandes nomes da moda dessa geração e ganha, cada vez mais, projeção no cenário nacional.
Em sua rede, ela mesma conta que, diferentemente da maioria de criadores que já começam a lidar com roupas na infância, a sua iniciação partiu da observação e evoluiu para a escrita. “Eu sempre observei demais as coisas. Achava que tudo tinha um motivo e sempre senti demais”, contou ela que, acreditava, transformar tudo isso em um livro.
No entanto, com a criação da sua marca, a Neriage, o caminho foi outro: “A Neriage me mostrou um outro caminho: eu escrevi contando histórias através de movimentos e percepções. Não só as minhas, mas de pessoas a minha volta”.
Sobre seu processo de criação, ela explica que, primeiro, pensa no sentimento que a pessoa terá ao ver determinada imagem, e como que a pessoa se sentirá. “Nós, estilistas, somos destinados à nossa criação, assim como ela é destinada a nós”.
Rafaella foi incluída, em 2020, na seleta lista da Forbes Under 30, que destaca brilhantes criadores abaixo dos 30 anos.

Rafaella é criadora da marca Neriage
A moda nacional em pauta
Para as profissionais da moda ouvidas pelo PORQUE, mais do que reforçar a personalidade e imprimir seu espaço como primeira-dama não decorativa, as escolhas de Janja Lula acenam para uma valorização da moda nacional, mercado que não para de crescer mas, ainda, carece de incentivos.
“O mercado de moda nacional é rico em criatividade, mas pouco valorizado. Quando uma personalidade exalta e valoriza a moda brasileira, os holofotes são direcionados para esses profissionais” explica Priscilla Zanelatto, especialista em gestão de imagem.
Para a estilista Fernanda Sbragia, os últimos quatro anos foram nebulosos para a moda, com a popularização de importadoras da China e a transformação do SPFW em um evento instagramável e povoado mais por influencers do que por criadores de moda. “A Janja já falou que apoia os estilistas nacionais, os artesãos, então é torcer para isso se reverta em incentivo para o mercado da moda”, pontuou.
Imagem, comunicação e política
Mais do que acenar para a valorização do mercado da moda no Brasil, as vestimentas de Janja renderam muitas análises de sites especializados, considerando que as escolhas na composição da imagem trazem muitas informações sobre a personalidade e o que esperar da nova primeira-dama do país. “A moda é um movimento social e uma poderosa ferramenta de comunicação não verbal. O maior artifício político é a comunicação e, nesse caso, a moda se faz necessária para uma comunicação assertiva”, ensina Priscilla Zanellatto.
Como conta a especialista em imagem, desde a antiguidade as roupas são usadas como forma de comunicação. Desse modo, em um evento tão importante como a posse, as roupas têm a função de representar a importância e a grandiosidade daquele momento. “As roupas são um elemento fundamental para nos ajudar a expressar quem nós somos e o que queremos. Partindo de memórias psicológicas, sem que uma pessoa diga uma palavra, conseguimos entender quem ela é a partir das roupas que ela está usando”.
Desse modo, destacaram as especialistas, Janja disse muito a que veio com suas escolhas: seja pelo empoderamento ao subir a rampa de terninho e não de vestido, a defesa à sustentabilidade e ao produto nacional, o reconhecimento do trabalho feminino e, sobretudo, ao optar por não trazer as cores do partido, uma bandeira de paz ante um país ainda polarizado.
“A moda, com certeza, é política! Desde o início dos tempos a vestimenta passa uma mensagem política e social. Acho que o movimento punk é um bom exemplo de como a moda e a política tem tudo a ver. Moda é comunicação, é muito poderoso você não precisar abrir a boca para dizer uma palavra e, mesmo assim, se expressar fortemente através do seu look”, defende Fernanda Sbragia.
Mas afinal, o que foi comunicado?
As especialistas analisaram os looks de Janja e também da Lu Alckmin, que chamou a atenção com um discreto vestido branco, da estilista mineira Glória Coelho. A escolha de Lu, cujo gosto pela moda é conhecido dos paulistas desde quando era a primeira-dama do Estado de São Paulo, foi assertiva, de acordo com elas. “O vestido estava adequado, vestiu muito bem e rendeu muitos elogios. O clássico, de fato, nunca erra”, cravou Priscilla.
Para a especialista em imagem, o que não faltou nas escolhas de Janja, no entanto, foi a intenção de comunicar à população um pouco mais sobre a personalidade e prioridades da nova primeira-dama, começando pela escolha de usar calça ao invés de vestido. “A escolha pela calça representa a contrariedade do estereótipo feminino imposto pela sociedade. Até 1997, as mulheres não podiam usar calças no Senado brasileiro. O blazer aproxima sua imagem à imagem do marido, o que impõe seu protagonismo. A escolha do tecido tingido naturalmente faz alusão à sustentabilidade e, a criação e execução da peça por profissionais brasileiros, elevam a valorização de profissionais e matéria-prima nacional”, explica.
Fernanda concorda que fica até difícil apontar as mensagens repassadas pelas escolhas de Janja, que vão de ecologia à política. “Trabalho estupendo de tingimento do crepe de seda vintage. Lembrando que vintage não é só ‘cool’ mas, também, sustentável, pois reutilizamos algo que já está aqui faz muito tempo, reduzindo o impacto da produção pois são gastos milhares de litros de água para fabricar os tecidos”, fala ela, lembrando que o tingimento do primeiro traje de Janja foi feito de forma natural, utilizado o caju, um fruto nativo do Brasil, além da arte das bordadeiras de Timbaúba. “Trabalho esse muito bem executado pela estilista Helô Rocha, que é brasileira, mulher e homossexual. A escolha dessa estilista também não foi sem propósito”.
Fernanda destaca que o look não é só a roupa, desse modo, outro ponto sustentável das escolhas de Janja foi o de reaproveitar o mesmo sapato utilizado em seu casamento. Já os brincos são de uma designer de joias brasileira chamada Flavia Madeira e a peça escolhida foi um brinco chamado Pitanga, mais uma vez um fruto nativo brasileiro. “E, para fechar, por último mas não menos importante, ela escolheu ir de calça, quebrando o protocolo que mulheres têm que usar vestido. O que há de ecologia, brasilidade, feminismo nesse look que pode ser simples para muitos, para mim foi uma escolha muito potente. Lu Alckmin foi mais clássica, respeitando o estilo dela e escolheu um vestido branco muito elegante de uma estilista também brasileira, a Gloria Coelho. O que também me chamou atenção é que ambas estavam sem nada de vermelho, o que eu entendi como uma sinalização para menos polarização e mais união”, concluiu a estilista.