
Autores dizem que o resultado da pesquisa não é algo a ser comemorado, já que se trata de uma renda ainda muito baixa. Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
Com o avanço do mercado de trabalho e a trégua da inflação, a renda média dos 40% mais pobres retomou o patamar pré-pandemia nas regiões metropolitanas do Brasil. Mesmo com a melhora, concretizada no terceiro trimestre de 2022, o rendimento dos mais vulneráveis ainda está em torno de 22% abaixo do pico de uma série histórica iniciada em 2012.
É o que indica a 11ª edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, que reúne dados de 22 regiões metropolitanas do país.
O estudo analisa o comportamento da renda do trabalho em termos reais (corrigida pela inflação). Recursos obtidos com outras fontes, como os benefícios sociais, não são levados em consideração nos cálculos. Segundo o boletim, o rendimento médio domiciliar per capita (por pessoa) dos 40% mais pobres nas metrópoles subiu para R$ 251 no terceiro trimestre de 2022 — estava em R$ 240 nos três meses imediatamente anteriores.
Com o avanço entre julho e setembro deste ano, o indicador ficou em linha com o valor do primeiro trimestre de 2020 (R$ 250), o que não havia ocorrido até então. O estudo considera o primeiro trimestre de 2020 como o pré-pandemia porque os impactos da crise sanitária sobre a renda do trabalho só apareceram com maior clareza a partir do segundo trimestre daquele ano.
O boletim é produzido em uma parceria que envolve o laboratório de estudos PUC-RS Data Social, o Observatório das Metrópoles e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL).
“Não é exatamente algo a ser comemorado, já que se trata de uma renda ainda muito baixa, mas é um marco em relação ao processo como um todo da pandemia”, afirma André Salata, pesquisador do PUC-RS Data Social e um dos coordenadores do levantamento.
Além de viverem com menos, os 40% mais pobres também perderam mais rendimento em termos proporcionais no começo da crise sanitária. A renda média per capita desse grupo chegou a despencar a R$ 164 no terceiro trimestre de 2020, o menor nível da série.
Para os responsáveis pelo boletim, a retomada recente reflete a combinação de pelo menos duas questões. A primeira é a trégua da inflação, que perdeu força após cortes de tributos adotados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) às vésperas das eleições presidenciais. A segunda é a recuperação da atividade econômica e do mercado de trabalho em meio ao avanço da vacinação contra a Covid-19.
A renda mais recente dos 40% mais pobres (R$ 251), contudo, ainda ficou 22% abaixo do pico de R$ 323. A máxima da série foi registrada no quarto trimestre de 2013. No ano seguinte, o país começou a mergulhar em uma crise econômica que se estendeu até 2016. A recessão foi substituída nos anos seguintes por um período de baixo crescimento econômico. A pandemia, a partir de 2020, complicou o quadro.
Esse contexto ajuda a explicar a renda ainda distante do pico da série para os mais pobres, segundo Marcelo Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Não houve uma mudança estrutural que pudesse alavancar um crescimento mais robusto”, diz Ribeiro, que também coordena o boletim sobre a desigualdade nas regiões metropolitanas. Ele destaca que a continuidade da recuperação dos mais pobres vai depender em parte das medidas adotadas pelo governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Considerando que o próximo governo tem uma perspetiva de atuação mais ativa na economia, pode ter uma repercussão sobre o mercado de trabalho.”
A renda domiciliar per capita, analisada pelo estudo, corresponde ao rendimento do trabalho dividido pela quantidade de pessoas em cada residência. O levantamento utiliza microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), produzida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
No terceiro trimestre de 2022, a classe média também teve uma melhora na renda do trabalho nas metrópoles, sinaliza o boletim. Entre julho e setembro, o rendimento dos 50% intermediários foi estimado em R$ 1.470 — era de R$ 1.409 nos três meses imediatamente anteriores. O resultado mais recente ficou um pouco acima do primeiro trimestre de 2020 (R$ 1.463).
Segundo os pesquisadores, esse grupo sentiu menos a chegada da pandemia, porque os seus ganhos tiveram uma perda menos intensa do que a dos mais pobres em termos proporcionais.
Mesmo assim, os 50% intermediários só conseguiram alcançar o patamar pré-crise entre julho e setembro deste ano. A renda deles ainda está 2,3% abaixo do pico da série histórica. A máxima, de R$ 1.505, foi verificada no quarto trimestre de 2014.
Já o grupo descrito pelo boletim como o dos 10% mais ricos nas metrópoles teve a renda do trabalho estimada em R$ 7.475 no terceiro trimestre de 2022. O rendimento dessa camada também mostrou melhora nos últimos meses, mas está 6,6% abaixo do período pré-pandemia. A renda era de R$ 7.999 no primeiro trimestre de 2020.
De acordo com os pesquisadores, a inflação reduziu os ganhos dos mais ricos, que ainda tentam retomar o nível pré-crise dos salários. Eles receberam, em média, cerca de 30 vezes o ganho dos 40% mais pobres nas regiões metropolitanas entre julho e setembro. A desigualdade até já foi maior ao longo da crise sanitária.
Na média geral, a renda per capita do trabalho nas metrópoles subiu para R$ 1.575 no terceiro trimestre deste ano, acima dos R$ 1.513 dos três meses imediatamente anteriores. O indicador, contudo, segue abaixo do patamar pré-crise (R$ 1.618).
“Apesar de o segmento dos 40% mais pobres ter recuperado o nível pré-pandemia, a renda no geral não se recuperou. Isso é relevante para mostrar que os mais pobres têm uma renda tão baixa. O aumento [nessa camada] foi insignificante para fazer com que o rendimento no geral pudesse retomar o nível pré-pandêmico”, destaca Ribeiro.
Com a promessa de combater a pobreza em 2023, o novo governo Lula aposta na transferência de renda com a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. O benefício deve voltar a ser chamado de Bolsa Família.
Salata considera necessária a manutenção do auxílio para atacar a miséria, mas vê espaço para aperfeiçoamento. O primeiro ajuste, diz, viria da melhora da focalização. Ou seja, a sugestão é adaptar o benefício ao perfil e às necessidades diferentes das famílias atendidas. “Uma coisa é dar R$ 600 para uma família com pai, mãe e um filho e outra coisa é dar R$ 600 para uma mãe com cinco filhos”, afirma.
Outro ponto fundamental, avalia o pesquisador, é buscar a sustentabilidade financeira do benefício ao longo dos anos. Ele lembra que a interrupção do auxílio emergencial atingiu em cheio a população pobre no início de 2021 — a iniciativa foi retomada na sequência com valores e público reduzidos. “É preciso garantir que o programa social chegará a quem precisa. É um desafio importante do próximo governo.”