Os promotores de justiça Cristina Palma e Gabriel Careta do Carmo reagiram energicamente à afirmação do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos), em entrevista à Cruzeiro FM 92,3, na manhã desta quarta-feira, 29, de que a atuação recente do Ministério Público nas ações para questionar ou suspender os efeitos de licitações da Prefeitura seriam motivadas não por convicção dos promotores, mas por “ações eleitoreiras da oposição”.
Manga procurou ficar bem com os promotores, ressaltando que “o Ministério Público está fazendo o seu papel; tem denúncia, ele tem de investigar”. Entretanto, ao responder ao jornalista Fábio Andrade sobre as alegações contidas na ação civil pública impetrada pelo MP, referente aos kits de CDs e DVDs que a Prefeitura licitou para comprar, disse que o Ministério Público fez “copia e cola” da denúncia da vereadora Iara Bernardi (PT).
Em resposta à entrevista do prefeito, a promotora Cristina Palma, da área de Infância e Juventude (que engloba a Educação), procurou a rádio e concedeu entrevista no jornal da tarde, para esclarecer que o Ministério Público faz uma triagem rigorosa das denúncias que recebe. Ela lembrou que qualquer cidadão pode formular denúncias, que são verificadas de forma minuciosa pelo MP antes de acatá-las e transformá-las em investigações próprias e ações judiciais. “Existe um controle, não há essa utilização” do Ministério Público, disse.
Sobre o fato de a denúncia específica sobre os CDs e DVDs ter sido feita por uma vereadora da oposição, Cristina observou: “Acredito que as pessoas que estão do lado do governo, que sejam do mesmo partido, não vão denunciar a si próprias. Então, é lógico que quem faz isso é sempre alguém da oposição, alguém do povo.” Ela lembrou também que Manga, quando vereador, em diversas ocasiões levou denúncias ao MP.
Cristina Palma enfatizou que, “muito longe de ser um control c, control v, as 30 páginas que a gente escreveu demonstram todas essas irregularidades”, referindo-se a questões como o preço dos kits, a aparente combinação dos preços ofertados pelas concorrentes, as suspeitas de que as empresas vencedoras não têm condições de cumprir o contrato, a opção por comprar um produto específico por meio de intermediários, quando poderia ser adquirido diretamente com a editora.
A promotora esclareceu, também, que, diante da denúncia, havia procurado saber mais sobre a licitação na Secretaria de Educação, tendo recebido a informação informal de que, apesar de ter sido feito um registro de preços com as empresas vencedoras, os produtos não seriam adquiridos. No entanto, dois dias depois, os produtos começaram a chegar às escolas.
Diante do começo da entrega das caixas com os kits, foi feita uma investigação e “foram percebidos sérios indícios” “não só de superfaturamento, como de irregularidades na licitação”. Esses indícios é que levaram os promotores a impetrar uma ação civil pública com pedido de liminar, “para impedir a saída do dinheiro”. “São R$ 22 milhões em CD e DVD, um dinheiro importante”, ressaltou a promotora.
Já Gabriel Careta do Carmo, promotor de Justiça substituto em exercício na área do Patrimônio Público, falando à rádio por telefone, no mesmo jornal da tarde, endossou as afirmações de Cristina Palma, ressaltando que ele e a promotora encontraram fortes indícios de irregularidades.
“Promotor de justiça atua com independência funcional, pautado na lei. Quem não faz isso é um mau promotor de Justiça. Então, fico realmente ressentido com essa manifestação do prefeito Rodrigo Manga sobre a nossa atuação, que está pautada em elementos muito razoáveis, praticamente certos, de irregularidades nesses contratos”, afirmou o representante do MP. Ele também descartou veementemente que o Ministério Público esteja sendo usado politicamente por adversários do prefeito: “O compromisso do Ministério Público é com a cidadania, é com a democracia e é com a ordem jurídica, com a nossa lei e a nossa Constituição.”
Outra polêmica surgida com as afirmações de Manga é referente ao gasto de R$ 22 milhões com a aquisição dos kits de CDs e DVDs. Segundo o prefeito, o que seu governo fez foi uma ata de registro de preços, “uma possibilidade de compra que pode chegar até R$ 22 milhões nos cinco anos de governo” (sic), no caso dos kits de musicalização. (Na verdade, foi firmado um “compromisso de fornecimento de material” com as duas empresas vencedoras, com prazo de validade de 12 meses, e não de cinco anos, como consta no CPL 038/2022, publicado no portal da transparência da Prefeitura.)
Manga alegou que nada foi pago ainda. Ele disse que, tão logo a vereadora Iara Bernardi entrou com a denúncia no Ministério Público, determinou: “Vamos justificar e, quando a Justiça der OK, a gente faz o pagamento.”
Também aqui, a versão do Ministério Público é diferente. As caixas com os kits, destacou a promotora, já estavam sendo entregues nas escolas. “O prefeito garantiu que não aconteceu nenhum pagamento”, anotou o jornalista Fábio Andrade. “É. A Justiça bloqueou mesmo. E não houve porque teve essa ação rápida”, comentou Cristina Palma, referindo-se à liminar obtida pelo MP na Justiça, para suspender os pagamentos.
A promotora lembrou que o contrato firmado entre a Prefeitura e as empresas vencedoras da licitação estipula que o pagamento deveria ser feito em até sete dias após a entrega. “Está no contrato que eles teriam que pagar. A empresa não iria entregar nada gratuitamente”, complementou.
Sobre outra investigação do MP, referente à compra dos chamados “kits de robótica”, o promotor Gabriel Careta do Carmo disse que procurou conhecer os kits, e se decepcionou ao ver o material comprado pela Prefeitura. Ele considera esta a licitação mais “grave” de todas, por ser de valor maior: R$ 26 milhões.
“O kit de robótica do ‘Maluquinho por Robótica’ não é um robô: é um brinquedo montável. Aquilo não é nada diferente de você comprar uma mesa pré-fabricada na internet, que chega na sua casa desmontada, e você precisa montar com chave de fenda e parafusos”, assegurou. “Não é um kit de robótica porque não tem nenhum dos atributos que normalmente são associados à robótica educacional”, como computador e software programável.
Diferentemente dos kits de outras marcas, prosseguiu, o kit adquirido pela Prefeitura por preços superiores aos de similares de mercado não tem nada programável. “Se aquilo for um propósito pedagógico para inserir robótica no contexto das crianças, perdeu totalmente o sentido.”
O compromisso de compra firmado pela Prefeitura no caso dos kits de musicalização foi suspenso liminarmente por ordem judicial, mediante pedido formulado pelos promotores e acatado pela Justiça. Também a compra dos kits de “educação financeira”, ao custo global de R$ 13,2 milhões, foi impedida pela Justiça, liminarmente. Já a aquisição dos kits de robótica, pelos quais a Prefeitura desembolsou R$ 26 milhões no final de 2021, é alvo de inquérito civil, no âmbito do MP, para apurar possível improbidade administrativa do prefeito Rodrigo Manga.
NOTA DO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
A presidente do Conselho Municipal de Educação (CMESO), Ana Paula Souza Brito, e a vice-presidente, Adriana Santos Pinto, afirmaram em nota oficial que os processos licitatórios referentes ao material do Palavra Cantada não passaram pela análise do Conselho.
“A mesma constatação foi observada sobre os processos licitatórios referentes à compra dos kits de robótica e dos materiais de educação financeira, os quais não foram objetos de análise do colegiado”, atestam.
A nota informa, ainda, que o único material enviado ao CMESO é o Caderno de Orientações SEDU n. 12 – Programa e projetos, no qual não consta nada a respeito dos kits. E ressalta que esse documento está sendo revisto por não atender a deliberação CMESO n. 02/2018, “que fixa normas de apreciação pelo Conselho Municipal de Educação”.