O Plano Diretor, guia básico da política de desenvolvimento, de expansão urbana e do planejamento de uma cidade, está sendo deixado de lado pelo governo municipal, que escolheu um local diferente do apontado pelo plano para a nova rodoviária de Sorocaba. A intenção é instalar a nova rodoviária na Rodovia Raposo Tavares, no sentido Itapetininga–Sorocaba e distante 16 km da atual, ao invés de usar o espaço apontado pelo Plano Diretor como o mais adequado, no entroncamento da Rodovia Castelinho com a Rodovia Celso Charuri. A decisão do prefeito Rodrigo Manga contraria os preceitos do Plano Diretor de viabilizar a oferta de infraestrutura e equipamentos coletivos à sua população e aos agentes econômicos instalados e atuantes no município e de democratizar o correto dimensionamento e a programação da expansão dos sistemas de equipamentos e serviços públicos.
Segundo o que divulga o governo municipal, a nova rodoviária será instalada numa área próxima ao Hospital Regional Adib Jatene, no km 106 da Rodovia Raposo Tavares, e o processo licitatório para a contratação da empresa que fará o projeto executivo do espaço já está em andamento. Trata-se de a segunda etapa do processo de construção da nova rodoviária. O estudo preliminar, que dá base ao projeto executivo, já foi apresentado à Prefeitura anteriormente, porém sem discussões prévias com a população ou entidades civis.
O edital para contratação de uma empresa para a realização do projeto básico e executivo prevê teto de R$ 3 milhões e a execução em até 150 dias depois da assinatura do contrato. Três empresas estão propensas a realizar o estudo e uma delas disse que fará os projetos por R$ 1,38 milhão. A licitação está neste momento suspensa porque duas das participantes alegam inexequibilidade da proposta vencedora.
Fontes internas da Prefeitura alegam que um estudo técnico de viabilidade foi feito para a escolha do novo local, que leva em consideração o fato de não precisar de desapropriações, já que se trata de uma área pública, possuir acessos viários urbanos e rodoviários adequados, ter atendimento do transporte coletivo urbano e outros modais, de novo acesso pela rodovia, bem como de uma passarela de pedestres. No entanto, o local escolhido não considerou a distância que as pessoas terão de se deslocar até lá, nem a dificuldade de acesso, tanto para os passageiros como também para as empresas que operam as linhas interestaduais e intermunicipais.
O estudo técnico que a Prefeitura alega ter balizado a escolha do local na Rodovia Raposo Tavares não foi apresentado à população e não está disponível para consulta. O que foi mostrado foi um projeto conceitual, um croqui do que será o prédio, durante audiência pública realizada em abril deste ano. Não foram apresentadas as formas de escoamento dos veículos e ônibus que se utilizarão do local.
“O local não atende a lógica do que propõe um equipamento urbano como esse. A rodoviária é para servir Sorocaba e seu entorno e a sua localização precisa ser facilitada para a população, não só dos que vão demandar da rodoviária, mas também dos que chegam e se distribuem pela cidade. O projeto também não contempla a possibilidade de termos um terminal intermodal, beneficiando-se das linhas de trem que cortam a cidade”, opina Antonio Carlos Pannunzio, ex-prefeito e presidente da Associação Pró Brasil 2050 (APB50), entidade civil que tem discutido o planejamento da cidade para os próximos 30 anos.
A maioria das viagens realizadas hoje partindo de Sorocaba seguem para o Leste, onde estão Salto, Itu e São Paulo. Com a rodoviária sendo instalada no lado oposto, ou seja, a Oeste, o deslocamento se tornará muito mais longo e demorado.
O presidente da APB50 alerta que a grande demanda de pessoas está na Zona Norte, região mais populosa da cidade, que terá de atravessar Sorocaba para chegar à nova rodoviária. Para se ter uma ideia, se uma pessoa sair da frente do Shopping Cidade, na Avenida Itavuvu, ele terá de se deslocar 18 quilômetros até a nova rodoviária, levando cerca de 1h20 de transporte coletivo municipal. Se optar por ir de Uber, o custo será de R$ R$ 26,94 às 10h de um dia de semana.
Para quem sai do Terminal São Paulo ou do Terminal Santo Antonio, por exemplo, a distância média para a nova rodoviária será de cerca de 17 quilômetros e gastará 43 minutos de deslocamento, em horário de entrepico do trânsito.
Mobilidade urbana em consideração
Do ponto de vista da mobilidade urbana, Sorocaba precisa urgentemente de uma nova rodoviária, já que a atual é da década de 70 e num conceito aberto, que já não se usa mais. Mas, para isso, a nova rodoviária precisa ser pensada para atender as pessoas, especialmente aquelas que usam o transporte coletivo, seja ele urbano, rodoviário ou fretado, com conforto e a atenção que esse modal necessita.
“Vemos cidades menores que Sorocaba, como é o caso de Indaiatuba, que já modernizaram sua rodoviária, instalando-a às margens da Rodovia Santos Dumond, local de fácil acesso. A proposta defendida pela prefeitura para a nova rodoviária da nossa cidade a deixa mais próxima de Araçoiaba da Serra do que do centro de Sorocaba”, opina o advogado especialista em trânsito e mobilidade urbana, Renato Campestrini.
Para o especialista, a mobilidade urbana adequada leva em consideração o transporte coletivo e o transporte sustentável em detrimento ao transporte individual, como é o carro. Preparar a cidade para valorizar e atuar como transformadora e incentivadora de novas formas de deslocamento se torna primordial para a qualidade de vida de seus moradores, considerando também a redução da poluição do ar.
Ter uma rodoviária intermodal é a melhor solução para pensar o futuro da cidade e de seu crescimento, segundo Luiz Alberto Fioravante, ex-presidente da Urbes e hoje assessor especial da Secretaria Estadual de Logística e Transportes de São Paulo. “Já temos o projeto do trem de passageiros ligando São Paulo a Sorocaba pronto, através da linha 8, não pensar em intermodalidade é algo irracional. Ainda que a localização do Hospital Regional no km 106 da Rodovia Raposo Tavares tenha a sua importância, não tem sentido você levar todo mundo que vai viajar pra lá. As empresas de ônibus que usam a Rodovia Castelo Branco, por exemplo, vão continuar saindo com seus passageiros da cidade, pegando pessoas ao longo do trajeto. Hoje, um ônibus da Cometa pega mais passageiros no Terminal São Paulo do que dentro da rodoviária atual, porque o acesso das pessoas que usam o transporte coletivo é mais fácil dessa forma”, opina.
Lugares mais adequados
Os entrevistados manifestaram suas opiniões sobre as melhores localizações para a nova rodoviária de Sorocaba. Para Pannunzio, a melhor opção seria ocupar o espaço antes utilizado pela Sorocabana, ter infraestrutura de escoamento e estar próximo de importantes vias de saída da cidade, como a Rodovia Castelinho, além de proporcionar um terminal intermodal, com o uso da ferrovia para um trem rápido entre Sorocaba e São Paulo. Ele também levou em consideração a construção do trecho da marginal direita do rio Sorocaba, que vai da Rua Padre Madureira até a Rua Batatais, ajudando a desafogar o trânsito da Avenida Dom Aguirre.
Para Campestrini, o melhor local para uma rodoviária, pensando em atender a cidade e a região nos próximos trinta anos, seria o que propõe o Plano Diretor, na interligação entre a Rodovia Castelinho e a Rodovia Celso Charuri, com acesso às principais rodovias do país e mais próximo da Zona Norte devido ao grande número de habitantes. Ele também considera positivo o uso de locais hoje abandonados que trariam a possibilidade de a cidade ter um terminal intermodal, como o espaço da antiga Fepasa e a antiga fábrica Gerdau.
De acordo com Fioravante, com o remanejamento que propunha o Sistema BRT (bus rapidtransit) e que hoje não é praticado por meio das linhas alimentadoras, e com a vinda do VLT, o ideal é que a nova rodoviária seja instalada em um dos terminais centrais da cidade, o São Paulo ou o Santo Antonio ou mesmo na área da Gerdau e, dessa forma, criar a multimodalidade de meios de deslocamento, para dar às pessoas a oportunidade de escolha da melhor forma de chegarem aos seus destinos.
Ministério Público é acionado
No dia 15 de outubro, a Associação Pró Brasil 2050 (APB50) entrou com um pedido no Ministério Público solicitando a manutenção e garantia do interesse coletivo, do bom uso da máquina pública, do efetivo zelar para com a economicidade e pelo desenvolvimento planejado da cidade no que tange o proposto para a nova rodoviária, encaminhado ao promotor Jorge Alberto de Oliveira Marum.
O documento manifesta preocupação sobre os aspectos que já definem a execução do projeto e viabilização para a construção da “Nova Rodoviária de Sorocaba”, anunciada pelo governo municipal e amplamente difundido nas mídias locais. O ofício segue dizendo que, há cerca de dez meses, a APB50 manteve contato com a promotoria, que informou que a governo municipal havia sido notificado para apresentar informações preliminares, para eventual instauração de procedimento investigatório.
Cronologicamente, os fatos que até então estavam exclusivamente vinculados à perspectiva das intenções, foram se consolidando até que no último dia 20 de setembro, a prefeitura deu início ao processo licitatório para a contratação do projeto executivo. A APB50 solicita que o interesse público seja preservado em todas as ações da administração pública e pede mais transparência para o que é proposto à cidade.